segunda-feira, 14 de julho de 2008

Retrato do artista quando jovem - James Joyce

Este é o primeiro livro de “alta literatura” que eu leio este ano. Já há muito tempo que eu ouvia falar de James Joyce (inclusive antes de eu conhecer o primeiro nome dele eu achava que era uma mulher!), que era um excelente escritor e tudo mais, e ouvia muita gente reconhecer “Ulisses”, sua obra mais famosa, como o melhor livro de todos os tempos. Me deu até vontade de ler e baixei em documento de word, mas depois, sabendo que é uma obra dificílima de compreender (daquelas que todo mundo gosta mas ninguém entende) e que em livro impresso são quase mil páginas, decidi que era melhor não arriscar uma leitura estafante em frente ao computador. Como o livro é muito caro (mais de 80 reais), busquei uma leitura inicial de Joyce mais fácil, e encontrei na coleção de meu tio “Retrato do artista quando jovem”.

Neste livro, Joyce narra o processo de amadurecimento de um jovem, de forma mais ou menos biográfica, em conflitos pessoais, sobretudo religiosos, mas abrindo discussões interessantes também sobre diversos temas, como política (a questão da Irlanda), família, sociedade, estética, sexualidade, todos os conflitos com que um jovem tem de lidar até a maturidade pessoal e, no presente caso, artística. No sentido estético, Joyce realmente faz jus à sua fama. Sua escrita é maravilhosamente bela, emocionante, captando pequenos detalhes que fazem toda a diferença. Selecionei alguns dos melhores trechos para ilustrar melhor minha fala:

“Lá pela aurora, acordou. Oh! Que doce música! A sua alma estava toda molhada de orvalho. Por sobre os seus membros adormecidos haviam passado frias ondas, muito pálidas, de luz. Estava deitado, quieto, como se a sua alma jazesse entre águas frígidas, consciente duma leve e doce música. O seu espírito ia acordando vagarosamente para um trêmulo conhecimento da manhã, para a inspiração da manhã. Tomava-o todo um espírito, puro como a mais pura água, brando como o orvalho, movediço como a música. Mas como isso era meigamente inalado, tão apaixonadamente como se os serafins mesmo é que tivessem respirado sobre ele! A sua alma estava acordando devagarinho, com receio de acordar de todo. Era essa aquela hora soporosa da madrugada em que a loucura desperta, em que estranhas plantas se abrem à luz e a mosca foge voando silenciosamente.”

As divagações dos personagens também são interessantes, como esta que discute a beleza do corpo feminino: “Os gregos, os turcos, os chineses, os coptas, os hotentotes – disse Stephen -, todos eles admiram um tipo diferente de beleza feminina. Isso parece uma confusão da qual não podemos escapar. Vejo, no entanto, duas saídas. Uma é a seguinte hipótese: que todas as qualidades físicas admiradas pelos homens nas mulheres estão em conexão direta com as múltiplas funções das mulheres para a propagação da espécie. Deve ser assim. O mundo, é evidente, é mais monótono do que tu mesmo Lynch, imaginas. Por minha parte desagrada-me esta saída. Ela cnduz antes à eugenia do que à estética. Conduz-te, através da confusão, para dentro duma nova e aparatosa sala de leitura onde MacCann, com uma das mãos sobre A Origem das Espécies e a outra sobre o Novo Testamento, te dirá que tu admiraste os grandes flancos da Vênus porque sentes que ela deve das à luz uma geração, e lhe admiravas os seus grandes seios porque sentes que ela deve dar bom leite a seus filhos e aos teus.”

Há outras passagens muito boas também, sobretudo uma apresentação por parte de um padre sobre a vida após a morte para os pecadores, o inferno, o pecado, a culpa. É tão convincente que eu quase tive medo de ir para lá. Não tenho dúvidas, James Joyce é um escritor magnífico, cheio de recursos, inteligente, mas só tem um problema: é chato demais! Apesar de toda essa bola que eu enchi dele até agora, devo admitir que demorei semanas para terminar este livro que nem é tão grande, mas que apresenta uma escrita densa, difícil, o enredo não anda, o que impede a leitura consecutiva de muitas páginas por dia. Conheço outro autor que tem o mesmo estilo de contar histórias, sem uma linha narrativa organizada, mas que consegue o que Joyce não conseguiu comigo, me prender na leitura: Henry Miller. Seus livros também não apresentam uma história com início, meio e fim, mas sua escrita é tão boa quanto à de Joyce e tem um algo mais que não sei explicar, deve ser o sexo, ou a expressão de sentimentos com os quais me identifico bastante, o que não ocorre com Joyce. Outro exemplo que poderia citar é Ernest Hemingway em “O sol também se levanta”, livro que me emocionou demais.

Fico pensando, ainda bem que não experimentei James Joyce com o tal do Ulisses, que deve ser desses livros superestimados, que todo mundo diz que é maravilhoso, como “Cem anos de solidão”, do repetitivo e pouco criativo García Marques, autor do qual não li mais nenhuma obra mas que sei que todos os seus livros são iguais porque minha mulher gosta dele e me conta suas histórias e personagens “surpreendentes”. Mas, como gostei muito do estilo de Joyce, talvez eu leia outro livro dele no futuro. Provavelmente não vai ser Ulisses, mas deve ser um chamado “Dublinenses”, que é de contos, deve ser de mais fácil digestão. Um livro chato deve ser considerado ruim, mas com uma escrita genial como a de Joyce deve ser considerado bom ou excelente, por isso, para mim “Retrato do artista quando jovem” é regular. Em busca de beleza e inteligência, leia-o, mas numa semana de tédio, corra!

Editora: Alfaguara / Objetiva, e uma edição da Ediouro mais barata
Páginas: 267
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *


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