terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Vinte Mil Léguas Submarinas - Júlio Verne

Já escrevi sobre Júlio Verne aqui no blog nas resenhas de Cinco Semanas em um Balão e Atribulições de um Chinês na China, e nelas pude traçar tudo o que me chamou atenção sobre as características de sua obra. O fato é que, acima de tudo o que coloquei nas resenhas anteriores, o que mais me encanta nas histórias criadas por esse francês à frente de seu tempo, acima de seu dom visionário e sua percepção de mundo avançada para a época, acima de seu pioneirismo na ficção científica, é puramente o desenvolvimento de algumas das maiores aventuras já criadas. De todos os modos possíveis e impossíveis na sua época, os personagens de Verne atenderam ao chamado da aventura, penetrando no centro do planeta ou voando até a lua, de balão sobre a África ou nos trilhos das ferrovias mais modernas do século XIX, mas talvez a mais famosa jornada imaginada por Verne tenha sido a do submarino Nautilus em Vinte Mil Léguas Submarinas.

Uma das histórias mais famosas não só de Verne, mas de toda a literatura, a aventura das Vinte Mil Léguas é contada pelo professor Aronnax, um naturalista que vai atrás de um monstro destruidor de navios nos oceanos e acaba descobrindo o Nautilus, um super submarino movido a eletricidade (ficção científica na época) que pode percorrer todo o planeta voltando à superfície apenas ocasionalmente para renovar o ar interior. O Capitão Nemo, inventor e proprietário da engenhoca, decidiu abandonar quase todo contato com a humanidade, por razões tão obscuras quanto sua origem e seus propósitos. Nessa jornada quase toda a muitos pés de profundidade, o professor Aronnax, acompanhado de seu criado Conseil e do arpoador canadense Ned Land, tem a oportunidade de estudar a natureza de uma perspectiva que nenhum cientista de sua geração poderia.

Devo admitir que Vinte Mil Léguas Submarinas não é uma leitura fácil. Não que exija uma formação intelectual muito sólida do leitor para que se entenda a história, mas o excesso de minuciosidades científicas é bastante cansativo, ainda mais por se tratar de alguns conceitos e tecnologias obsoletos há mais de um século. São descrições de como determinada máquina funciona, a preocupação com a exatidão de determinadas latitudes e longitudes, e principalmente a obsessão que Aronnax e seu discípulo têm com a taxonomia. O leitor que quiser conhecer a aventura submarina definitiva vai se deparar com páginas e mais páginas com organizações de seres vivos em filos, ordens, famílias, classes, gêneros...

Contudo, o contratempo desse preciosismo exacerbado não descredencia as Vinte Mil Léguas Submarinas do posto de livro que tem que ser lido, mesmo porque em pouco tempo se aprende a saltar esses parágrafos desnecessários para nossa leitura contemporânea. Você deve ler esse livro, nem que seja para dizer que não gostou, por todos os motivos que eu já escrevi sobre Júlio Verne, pela importância dessa história na cultura mundial, pelas emoções que a aventura gera na gente (e para imaginar as emoções que as pessoas sentiram ao ler isso no século retrasado), pelo suspense e a expectativa de como a expedição vai ser concluída, pelos personagens tão cativantes que Verne criava, mas principalmente, pelo Capitão Nemo. Esse é um dos personagens mais cativantes e enigmáticos já criados na literatura de ficção e fantasia, e o que ajuda ainda mais nesse status são seus atos imprevisíveis e até contraditórios, que nos faz não saber se o amamos ou odiamos.

A prova da importância e do sucesso das Vinte Mil Léguas Submarinas é a quantidade de edições que podem ser encontradas no mercado. Existem adaptações para literatura infantil, histórias em quadrinhos, edições comentadas e um monte de traduções diferentes. A minha é um volume de uma coleção que está sendo relançada quinzenalmente nas bancas, da editora espanhola RBA. Com capa dura e as ilustrações originais, pode até se apresentar como uma edição caprichada, mas na verdade é uma coleção lançada em Portugal, com um vocabulário às vezes estranho ao nosso aqui do Brasil, e além disso tem bastante erro de digitação. A impressão é que o que está sendo vendido aqui é o que sobrou do mercado de lá das terras lusas. A edição que me pareceu mais adequada é a da editora Zahar, a qual a capa ilustra a postagem.

Editora: várias
Páginas: cerca de 500
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Commando - A Autobiografia de Johnny Ramone

Bruto, direto, tosco, sem frescura... assim podemos caracterizar o som dos Ramones, e após ler Commando, a Autobiografia de Johnny Ramone, podemos compreender melhor que essa sonoridade nada mais é que o reflexo de seu criador, o lendário guitarrista dos pais fundadores do punk rock. Lançada aqui no Brasil oito anos após a morte de Johnny, essa autobiografia sem concessões não é a história definitiva dos Ramones, mas nos mostra a ótica de quem era o cérebro da banda, o cara que, além da importância nas composições e na criação do espírito Ramone, realmente mandava e decidia questões estratégicas - uma ótica bem peculiar à sua pessoa.

Johnny Ramone era um cara difícil, cheio de escrotices, opiniões babacas, atitudes estúpidas, e talvez por isso nunca tenha sido o membro dos Ramones que eu mais admirava. Enquanto para mim Dee Dee Ramone encarnava a atitude punk por excelência e Joey era muito mais cativante na sua tosquice em volta de uma personalidade inocente, boba, imbecilizada, Johnny Ramone me causava uma certa antipatia por, ao meu ver, não personificar o espírito punk com sua visão muito empresarial e suas posições conservadoras em diversos assuntos. Mas nunca perdi meu respeito por ele, primeiro por ser um membro fundador da minha banda favorita desde que minha voz começou a engrossar, e segundo por ser um cara que colecionou uma legião de detratores, mas ao mesmo tempo um círculo grande de admiradores e amigos no mundo da música - e isso o torna, mesmo que discutamos suas atitudes e valores, uma pessoa bem interessante.

Todas essas características da personalidade de Johnny que eu não simpatizo estão nas páginas do livro, o que prova que um de seus traços que eu valorizo está lá: mesmo que obviamente seja cheia de omissões, é uma autobiografia sincera. Escrito nos últimos momentos de vida de Johnny, quando lutava contra o câncer que o vitimou, Commando é como uma música dos Ramones: rápido, honesto, conciso, e nos faz entender muito sobre os Ramones e algumas de suas canções. Talvez até pelas circunstâncias em que foi escrito, o livro não apresente pudores de seu autor em falar o que pensa sobre ninguém. Entretanto, Johnny não era escritor, e infelizmente no livro ele não consegue fazer como nas músicas da banda, aquela simplicidade arrebatadora que dizia tudo em poucas palavras com três acordes simples ao fundo. É apenas um texto ordinário, retirado de entrevistas cedidas pelo guitarrista e organizado por outras pessoas, mesmo que tenha passado pela edição de gente como John Cafiero e Henry Rollins, mas o livro é tão curtinho e as histórias são tão interessantes que isso não significa muito. A edição brasileira é muito bem cuidada, capa dura, papel de luxo, muitas fotos e vários anexos, como listas de 10 mais de Johnny, cópias de agendas, avaliações dele sobre os discos dos Ramones, até para encher o livro já que o texto é bem pequeno.

Como fã dos Ramones, conheço muita coisa sobre eles, e essa autobiografia elucida muitas passagens da história da banda, mas também contradiz bastante algumas versões. Commando é uma leitura bacana, leve e rápida, que vale uma conferida. Quer você curta ou não, os Ramones são uma das bandas mais importantes da história do rock, e este livro é um dos buracos de fechadura para observar o que passou nesse mundo que tanta gente é apaixonada. Se você se interessa por isso,vale a leitura, mesmo que seja numa cafeteria de livraria no intervalo do almoço.

Editora: Leya
Páginas: 176
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *