quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Monge e o Filósofo. O Budismo Hoje - Jean-François Revel e Matthieu Ricard

Um livro com este título tem tudo para ser um autoajuda brabo, daqueles bem oportunistas que pegam carona com outros do mesmo naipe (tipo, "O Monge e o Executivo"). Foi justamente isso que pensei quando me foi recomendada sua leitura por um amigo, mas na verdade não tem nada a ver, e depois de um esclarecimento sobre o tema de "O Monge e o Filósofo - O Budismo Hoje", peguei emprestado e li.

"O Monge e o Filósofo" é a transcrição de conversas entre o filósofo francês Jean-François Revel e o monge budista Matthieu Ricard, sobre vários aspectos do budismo, e os contrapontos com a ciência e a filosofia ocidental. Só com esta chamada já se trataria de um livro bem interessante sobre o contato e as contradições entre Oriente e Ocidente, mas há algo mais que torna a experiência única: os autores são pai e filho. Revel, que faleceu em 2006, era um ilustre membro da Academia francesa e sempre foi ateu, criando seu filho sem nenhum tipo de educação religiosa. Matthieu seguiu a tradição familiar até certo ponto de sua vida. Chegou ao doutorado de Estado (título acadêmico mais alto na França) em biologia molecular, mas em 1972 largou tudo para viver como monge na Ásia.

Em 1996, em ocasião da visita de Dalai-Lama à França (que teve Matthieu como seu guia), a mídia noticiou a singular situação com alarde, já que pai e filho supostamente não se viam desde a mudança de Matthieu. Tudo não passava de especulação ou sensacionalismo, pois o próprio Revel afirmou que houve diversos encontros entre eles durante as duas décadas da vida monástica do filho, tanto na Ásia como na França, ocorrendo muitas conversas a respeito da nova vida de Matthieu nestas oportunidades. Daí a ideia de colocar no papel todas essas informações sobre o budismo, que na década de 1990 conhecia uma expressiva escalada no Ocidente, vindas de alguém de origem ocidental - portanto, consciente de como funciona nossa mentalidade.

O primeiro tema abordado não poderia deixar de ser o mais intrigante: os motivos da conversão de um cientista bem encaminhado na carreira para uma vida de meditação e contemplação. Seguem-se então vários capítulos com questionamentos do filósofo a respeito de diversos temas, como a questão sobre o budismo ser ou não uma religião, sua relação com o Ocidente, sua atuação no mundo, o domínio chinês no Tibete, sua história, etc. O maior destaque nisso tudo é a atuação de Revel, contrapondo as informações cedidas por Matthieu, diferenciando "O Monge e o Filósofo" de um simples livro sobre o budismo entre tantos no mercado. Em muitos momentos, Revel, filósofo experiente em discussões intelectuais, coloca em xeque várias inconsistências e contradições do discurso de Matthieu, o que é muito interessante. Ao final, Matthieu tenta dar o troco no capítulo "O monge interroga o filósofo", quando o mesmo tipo de questões feitas durante todo o livro por Revel são então feitas por Matthieu - algo do tipo "qual é o sentido da vida" para um ocidental.

Para quem procura entender algo sobre o budismo além de karma, samsara e nirvana, e ao mesmo tempo ter uma aula de filosofia, "O monge e o Filósofo" é uma bela leitura. Este livro está esgotado, e não consegui encontrá-lo nem na Estante Virtual, mas uma pesquisa rápida na internet me fez descobrir que Jean-François Revel tem livros com títulos bastante interessantes, como "Nem Marx, nem Jesus" e "A Tentação Totalitária", a conferir seus conteúdos no futuro. Matthieu Ricard também já publicou outros livros sobre o budismo, mas certamente de opiniões apaixonadas e sem a graça deste.

Editora: Mandarim
Páginas: 288
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *

Nota: A edição que li tem uma capa diferente, acho que a que está acima é da edição portuguesa.

Nota 2: Agradecimento ao dono do livro, Diogo Menezes, mais um amigo a colaborar com o blog. Daqui a uns 5 anos, quando eu arrumar minha estante e lembrar que o livro ainda está comigo, eu te devolvo!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Nova Califórnia em quadrinhos - Lima Barreto e Francisco Vilachã

Excelente conto de Lima Barreto que conta a história de uma pequena cidade virada ao avesso pela avareza de seus habitantes, "A Nova Califórnia" é mais uma adaptação para os quadrinhos de um clássico da literatura brasileira. A crítica social característica dos escritos de Lima Barreto se faz presente na análise de personagens, através da mesquinharia do povo, dos preconceitos com os que não seguem a linha oficial das coisas e novamente da questão do conhecimento ser tratado como uma propriedade de poucos privilegiados. Há quem diga até que se trata de um conto de ficção científica, o que não deixa de ser verdade. Uma pequena joia da nossa história literária, de fácil leitura e acesso.

Diferente do fraco trabalho em "O Cortiço", um texto muito denso e complexo para o reduzido espaço da publicação, desta vez o artista Francisco Vilachã, responsável tanto por desenhos como roteiro, acertou na medida. Por se tratar de um conto pequeno, o trabalho de transformar prosa em arte sequencial é mais simples, e o artista tem mais espaço para adaptar quase que integralmente todo o texto - e até sobra espaço para uma interpretação pessoal em alguns quadros. É justamente aí que encontra-se a qualidade de Francisco Vilachã, principalmente no roteiro bem elaborado, já que os desenhos não são grande coisa, mas servem bem para o propósito.

Após ler três volume da coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos, avalio a média da série como boa, mas percebi muitos erros de português, como palavras escritas de forma errada e falta de crases (duas só neste volume), algo inadmissível numa coleção deste cunho. Não encontrei nenhuma referência a alguma atividade de revisão nos créditos, e caso haja uma nova edição, é imprescindível que ocorra este tipo de trabalho.

"A Nova Califórnia" em quadrinhos é uma boa adaptação e está recomendada, e quem se interessar em ler o texto original antes para comparar e comprovar sua qualidade, este conto e muitos outros da literatura brasileira em domínio público podem ser encontrados aqui.

Editora: Escala Educacional
Páginas: 48
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

terça-feira, 13 de abril de 2010

Memórias de um Sargento de Milícias em quadrinhos - Manuel Antonio de Almeida, Índigo e Bira Dantas

"Memórias de um Sargento de Milícias" é considerado uma ruptura da literatura brasileira com o romantismo cretino e idealista, e o precursor do realismo, por ser o primeiro romance de temática urbana, retratando os costumes e as situações cotidianas da época. Esta adaptação para os quadrinhos foi bem mais feliz do que a de "O Cortiço". O roteiro de Índigo foi mais bem elaborado, numa narrativa descontraída que possibilita o entendimento para quem não leu o livro - eu mesmo já havia lido há muito tempo, e não lembrava de nada. Os desenhos de Bira Dantas combinaram muito bem com a história do livro: traços arredondados ao estilo cartoon, para rimar com o tom humorístico de Manuel Antônio de Almeida, porém preenchidos com sombreados que tiram o excesso de limpeza deste tipo de estilo e dão um tom mais rústico, dando o clima certo de uma época passada.

A presente adaptação de "Memórias de um Sargento de Milícias" é bastante satisfatória, e além de possibilitar o contato mais fácil com este clássico da literatura brasileira, rende momentos de diversão e boas risadas. Que as outras adaptações em quadrinhos desta coleção dos clássicos da literatura brasileira sigam a boa qualidade desta. Aguardo o lançamento dos próximos volumes nas bancas (quem não mora no Rio pode adquirir qualquer volume diretamente nas livrarias, porém a um preço bem maior).

Editora: Escala
Páginas: 64
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O Cortiço em quadrinhos - Aluísio Azevedo, Ronaldo Antonelli e Francisco Vilachã


"O Cortiço" foi um dos poucos livros de literatura brasileira que li durante a adolescência e realmente gostei. Todo aquele realismo, cheio de sexo e violência, deixando de lado toda aquela merda romântica e retratando a realidade miserável brasileira, lá pelos meus quinze anos aquilo foi a única coisa que conseguiu atrair meu interesse pelos livros "sérios". Por outro lado, a grande maioria que fui obrigado a ler me tirou o interesse em literatura brasileira por anos, e tenho certeza que promoveu o ódio incondicional à leitura em geral para sempre em muitos estudantes.

Encarei com muita simpatia a chegada às bancas da coleção da editora Escala de literatura brasileira em quadrinhos, pois é uma ótima chance para a garotada conhecer os marcos da cultura brasileira sem aprender a odiá-los - e também para marmanjos como eu que, não fosse isso, nunca voltariam a ler os tais clássicos. Ademais, está sendo uma chance de revisitar alguns dos clássicos que cheguei a ler, a começar pelo Cortiço.

Apesar da esperança depositada nessa inovação, este primeiro volume da coleção que peguei para ler foi uma decepção. Um recurso inteligente que foi desperdiçado por falta de qualidade na produção. Os desenhos de Francisco Vilachã (um dos idealizadores do projeto todo, méritos por isso) são monótonos, repetitivos, e em diversos momentos o leitor não reconhece ou confunde personagens que não apresentam diferenças físicas marcantes. O roteiro adaptado de Ronaldo Antonelli é embolado, muito corrido, e imagino que quem não leu o livro - ou que leu há muito tempo, como eu - vai se perder e perder o interesse logo. Me parece que os autores se preocuparam muito em apresentar todo o conteúdo no número limitado de páginas disponíveis e se esqueceram que os quadrinhos, antes de tudo, são arte sequencial, e não simplesmente uma narração ilustrada, como ocorre nesta versão da obra de Aluísio de Azevedo.

Dando uma olhada nos outros volumes da coleção que já foram lançados, deu para perceber que apresentam bastantes diferenças, e espero que não sejam tão decepcionantes como esta adaptação de "O Cortiço", pelo bem da literatura brasileira e pelo nome dos quadrinhos nacionais.

Editora: Escala
Páginas: 64
Disponibilidade: normal
Avaliação: * *

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Alice: Edição Comentada - Lewis Carroll

"Acabei de dar um check-up geral na situação, o que me levou a reler Alice no País das Maravilhas". Assim começa a música "Check-up" do Raul Seixas, e curioso em saber o que o Maluco Beleza viu nesta história infantil para citá-la numa de suas músicas, corri atrás do texto integral e há alguns anos encontrei "Alice: Edição Comentada". Acabou que o livro foi ficando na fila de espera, aos poucos saiu dela para dar lugar a outros e ficou quase uma década esperando na estante. Agora, com a iminência do lançamento do novo filme de Tim Burton e seu amiguinho Johnny Depp, a curiosidade voltou, e lá estava o livro, novinho e pronto para ser lido.

Reli e ao mesmo tempo li pela primeira vez. Reli porque já ouvi essa história durante toda a minha infância (ainda lembro claramente da voz da Rainha de Copas dizendo "Cortem-lhe a cabeça!" na fita k7), mas li pela primeira vez o texto original. E li uma ótima edição, feita para adultos, cheia de comentários e explicações feitas por gente que passa a vida toda estudando "Alice" e as outras obras de Lewis Carroll.

Não sei se no embalo do lançamento do filme alguma editora já lançou uma nova edição de "Alice no País das Maravilhas", mas acho difícil lançarem algo mais completo do que essa edição comentada (talvez só alguma edição bilíngue com o texto em inglês). As notas explicam tudo, de referências que Carroll faz a situações do mundo real a elucidações de seus joguetes lógico-matemáticos, sua especialidade. Todas as fantásticas ilustrações originais de John Tenniel também estão presentes, com comentários quando se fazem necessários. "Alice: Edição Comentada" contém ainda a continuação de "Alice no País das Maravilhas", chamada "Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá", e um episódio inédito chamado "O Marimbondo de Peruca". Ao final do livro, estão os esboços originais de Tenniel, uma bibliografia de Carroll e seus analistas e uma lista de filmes e desenhos baseados na obra.

Se vivesse hoje, Lewis Carroll certamente estaria em evidência na mídia e respondendo a vários processos por pedofilia, tipo um Michael Jackson, por causa de sua forte atração por garotinhas (e ódio aos garotinhos). Na época, isso não tinha o mesmo peso que nos nossos dias, mas ainda assim o matemático escritor foi impedido de entrar em contato com a Alice da vida real pela mãe da menina (para quem não sabe, ela existiu, e para ela o livro foi escrito), após Carroll sugerir um pedido de casamento com a criança de 11 anos. Independente de suas taras (que seus biógrafos insistem em relevar e considerar algo puramente afetivo) ou de qualquer outra esquisitice de sua vida (que não eram poucas), foi esta figura que criou este clássico da literatura não só infantil (inovador neste aspecto por ser a primeira história feita para crianças que não se preocupava em apresentar uma "moral da história" ao final), mas principalmente de fantasia, banhada em enigmas lógicos e matemáticos, num mundo louco que precedeu Terra Média, quadros de Salvador Dalí, contos de Borges, psicodelismo... E uma ótima maneira de conhecer esse mundo é através de "Alice: Edição Comentada".

Editora: Jorge Zahar
Páginas: 303
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *