quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Bowie in Berlin. A New Career in a New Town - Thomas Jerome Seabrook

Na segunda metade da década de 1970, David Bowie passava por um momento crucial em sua vida: sua carreira estava no auge, produzindo discos anualmente desde 1969, muitos deles com vendas astronômicas, e suas turnês levavam milhões de fãs aos seus shows. Por outro lado, sua vida pessoal passava por turbulências graves - vícios, anorexia, divórcio, paranoia e obsessão por ocultismo e símbolos nazistas - que quase lhe custaram a vida.Justificar
Era 1975 quando Bowie decidiu seriamente que deveria mudar radicalmente de vida, e largou Los Angeles para viver na Europa, até se estabelecer em Berlim, vivendo anonimamente e longe de excessos (para os padrões de um rock star, já que Berlim tinha também uma agitada vida noturna). O resultado foi uma período de alguns anos de intensa atividade artística e cinco discos antológicos - Low, "Heroes" e Lodger, a chamada "trilogia de Berlim", de Bowie e sua parceria com Brian Eno, e The Idiot e Lust for Life, de Iggy Pop, porém com uma intensa participação sua. Bowie in Berlin - A New Career in a New Town, de Thomas Jerome Seabrook, conta a história dessa que é para muitos (incluindo eu mesmo) a melhor fase de David Bowie.

O livro começa com os antecedentes dos anos de Berlim, apresentando um David Bowie que, por um lado, era um dos artistas mais populares da época, e por outro estava no fundo do poço em sua vida pessoal, e com sérios riscos à sua saúde. Bowie vivia em Los Angeles, havia acabado de lançar uma sequência de discos excepcionais, em termos musicais ou sucessos de vendas - começando com Hunky Dory, de 1971, até Station to Station, de 1976. Seus trabalhos eram frequentemente temáticos, com a interpretação de personagens que às vezes chegavam a se misturar com sua própria personalidade, como o alienígena Ziggy Stardust. Seu último personagem dessa época chamava-se "Thin White Duke", um aristocrata demente com inclinações fascistas, que começou a interferir na saúde mental do cantor numa fase em que seus alimentos eram somente cocaína, pimenta e leite.

David Bowie tinha tudo para continuar nese caminho em sua vida profissional, lançando mais um disco com sucessos comerciais e turnês enormes (era tudo o que sua gravadora queria também), mas resolveu dar uma guinada. Sua vida pessoal conturbada pode ter influenciado bastante essa escolha, mas o lado artístico não pode deixar de ser considerado: Bowie é um músico notório pela sua capacidade de enxergar adiante de seu tempo, de ser pioneiro. O que ocorre então é que ele larga tudo nos Estados Unidose vai se refugiar anonimamente na Europa, onde entra em contato com bandas inovadoras como o Kraftwerk e inicia uma parceria com Brian Eno, ex-Roxy Music, que já fazia discos bem diferentes.

A segunda parte do livro de T.J. Seabrook é dividida em quatro capítulos, efetivamente o período em que Bowie viveu em Berlim e criou os melhores discos de sua carreira e de seu amigo Iggy Pop, que tinha saído de sua fantástica banda, The Stooges, e estava em total ostracismo. The Idiot, o primeiro disco dessa fase, teve sua parte musical quase que completamente criada por Bowie e companhia, tendo Iggy Pop criado mais a parte das letras, e serviu como um "piloto" para a sonoridade dos discos seguintes de Bowie. O capítulo seguinte aborda a criação de Low, e os posteriores de Lust For Life e "Heroes". Em cada capítulo, inicialmente é contada toda a história dos músicos à época dos discos, o processo de criação e produção, e ao final há a ficha de cada música, com comentários.

Bowie in Berlin é encerrado com capítulos sobre a produção de Lodger, o último disco dessa fase (que por não ser tão extraordinário quanto os quatro anteriores e ter sido pouco influenciado pela vida em Berlim é tratado à parte), a retomada da carreira de superstar de David Bowie, o fim da parceria dele com Brian Eno e o legado que essa fase de sua carreira deixou para o cenário musical da década de 1980.

Encontrar esse livro até então desconhecido para mim foi uma coincidência e tanto, já que há alguns meses estou obcecado por esses discos e não paro de escutá-los. Sua leitura foi bastante agradável e enriquecedora para melhor compreensão desses trabalhos fundamentais, que influenciaram uma porção de gente, de Joy Division a U2, moldando o clima dark pós-punk que teriam os anos 80. Bowie in Berlin é uma leitura essencial para todo fã de David Bowie, e para quem não conhece os tais discos da fase berlinense do cantor, recomendo fortemente que não perca a oportunidade de entrar em contato com essas obras-primas da música, principalmente The Idiot e Low.

Editora: Jawbone
Páginas: 270
Disponibilidade: importado
Avaliação: * * * *

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O Triste Fim de Policarpo Quaresma em quadrinhos - Lima Barreto e outros

Voltando a falar da coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos (depois de um ano), dessa vez li a adaptação de Triste fim de Policarpo Quaresma, esse livro maravilhoso, e por isso mesmo já uma tarefa e tanto fazer uma adaptação. Nesse caso, até que a adaptação de Ronaldo Antonelli se saiu um pouco melhor do que em O Cortiço, mas continuo achando muito difícil essa tarefa de adaptar livros inteiros, pelo tamanho das obras originais comparado com o número de páginas propostas para os quadrinhos - contos são bem mais propícios, e os resultados geralmente são melhores. Os desenhos de Francisco Vilachã, como já havia dito em outra resenha, não são grande coisa, e oscilam de suficientes a fracos em cada trabalho seu na série - no presente caso, estão fracos, sem graça, atrapalhados ainda mais pelo trabalho do colorista Fernando Rodrigues, deixando os personagens quase sempre monocromáticos.

Enfim, essa adaptação de Triste fim de Policarpo Quaresma é razoável, mas foi boa para relembrar algumas passagens de um dos meus livros prediletos. Só recomendo para quem já leu o livro, gostou e, como eu, quer ter contato com a história novamente mas não tem tempo para ler o livro inteiro.

Editora: Escala
Páginas: 64
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Fahrenheit 451 - Ray Bradbury

Há cerca de um ano escrevi uma resenha sobre o livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, na qual tive que citar as outras duas grandes histórias de distopias: 1984, de George Orwell, e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, que acabo de ler. Todas elas foram escritas em meados do século XX (décadas de 30, 40 e 50), época que, devido à grande quantidade de mudanças espantosas e catástrofes inimagináveis, impelia pessoas perspicazes e de imaginação poderosa a interpretar seu presente na forma de distopias, ficções passadas em futuros sombrios.

Cada uma dessas obras se tornou famosa por, além da qualidade de escrita dos autores, tratar de temas inquietantes em suas épocas. Admirável Mundo Novo, o primeiro a ser escrito, numa época em que os problemas políticos ainda não eram tão agudos (ou pelo menos ainda não haviam atingido seu apogeu com a brutalidade dos Estados totalitários durante a II Guerra Mundial e a Guerra Fria), é um alerta de Huxley aos riscos de um desenvolvimento tecnológico acelerado desprovido de reflexão ética. O segundo a ser escrito, 1984, aborda um desdobramento bastante pessimista do comunismo (regime inicialmente defendido por Orwell, que como muitos outros se desencantou após as revelações das barbáries cometidas no governo de Stalin); já Fahrenheit 451, escrito praticamente na mesma época (cerca de 5 anos depois), tem o mesmo sentido de 1984, imaginando, porém, o que poderia ocorrer numa sociedade supostamente democrática como desdobramento da Guerra Fria.

Fahrenheit 451 se passa num futuro indeterminado, nos Estados Unidos, quando o governo adotou medidas extremas para manter o controle social: controlar o pensamento e as opiniões do povo de forma radical, através da queima de qualquer tipo de livro, e direcionar a educação de acordo com seus interesses, evitando assim contradições de pensamento. Dessa forma, além das pessoas estarem de acordo com a ideologia do governo, jamais teriam motivos para entrarem em conflito entre si por diferenças de pensamento. O título do livro faz alusão à temperatura que o papel entra em combustão.

Para que a proibição dos livros tenha efeito, o governo cria um órgão especializado em vigiar, julgar e punir as pessoas que insistem em manter livros escondidos, como uma polícia secreta: os bombeiros, que perderam a função de combater incêndios (já que a tecnologia impede que as casas peguem fogo de forma natural) e passaram a promovê-los, utilizando uma espécie de fogo artificial que consegue, além de queimar os livros, destruir as casas dos culpados. A população, aterrorizada e ao mesmo tempo impossibilitada de refletir sobre a questão, abriga-se em prazeres superficiais promovidos pela tecnologia (algo semelhante à realidade virtual, imaginada na década de 50 por Bradbury como paredes que serviam como familiares às pessoas, uma alusão crítica à televisão).

Como sou sempre a favor do prazer que a surpresa traz à leitura, me abstenho de escrever mais qualquer comentário sobre o enredo do livro e seus personagens, pois o que citei acima já é suficiente para compreender o que é tratado em suas páginas - antes de ler, eu sabia muito menos detalhes, e mesmo assim já era capaz de instigar minha curiosidade por esse clássico da ficção científica. O que posso dizer é que Fahrenheit 451 foi uma leitura bastante especial para mim, porque além de ter uma escrita bonita e agradável, e reflexões profundas sobre, por exemplo, a memória, o conhecimento, o amor e a morte, aborda um tema muito chocante para nós que amamos a leitura - e talvez até o livro como objeto em si. Numa inevitável comparação, gostei mais desse livro do que Admirável Mundo Novo; 1984 só vi o filme, o livro continua na fila, por isso não posso comparar ainda.

Editora: Globo
Páginas: 215
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

domingo, 7 de agosto de 2011

Heroes of Blues, Jazz & Country - Robert Crumb

Quem conhece Robert Crumb sabe que, apesar de sua genialidade nos quadrinhos, seu amor verdadeiro sempre foi pela música. Apesar de seu nome estar frequentemente vinculado ao movimento de contra-cultura do final da década de 1960, Crumb nunca negou que não tinha nenhum interesse no rock daquela época, e que sua música vinha de décadas antes, a música que ele escutava quando era criança, em discos das décadas de 1920-30.

Em uma singela homenagem aos seus ídolos, Crumb produziu na década de 1980 uma série de cards com desenhos e um parágrafo de breve biografia dos músicos que produziram a música da sua vida, e agora uma editora americana resolveu compilar todos eles num belo livro chamado Heroes of Blues, Jazz & Country.

A introdução do livro é de Terry Zwigoff, amigo de Crumb, companheiro de banda e diretor do famoso documentário de 1994 sobre o desenhista. Zwigoff nos conta como começou o projeto: Crumb, notório colecionador de discos antigos, queria muito adquirir algumas raridades de um amigo, e este propôs uma troca dos discos por um desenho original. Crumb aceitou, e anos depois, Zwigoff utilizou a mesma estratégia para trocar um disco da coleção dele com Crumb. A partir de então, Crumb passou a produzir desenhos de seus artistas prediletos, baseado em fotos antigas, caso elas existissem - lembre-se que a maioria desses artistas sempre foi extremamente obscura, e sobre alguns deles não se sabe nem ao menos sua data de nascimento.

Na época, os cards foram lançados em pacotes distintos para cada estilo: Heroes of the Blues, Early Jazz Greats e Pioneers of Country Music. Um livro muito bem feito, e com desenhos de Robert Crumb, é um bom motivo para eu querer tê-lo na minha estante, mas o fator determinante para mim foi a inclusão de um cd com 21 músicas de alguns desses artistas. Esse cd me apareceu como um farol para descobrir músicos seminais nesses estilos pouco explorados por mim ainda.

O cd começa com os artistas do blues. Esqueça Robert Johnson, e nem pense em B.B.King ou Eric Clapton. Robert Crumb gosta mesmo é daqueles músicos de rua, que por uma graça do acaso gravaram algumas canções e deixaram seu legado para os garimpeiros culturais das décadas seguintes. As músicas dessas parte são muito agradáveis, simples, e quase completamente desconhecidas por quase todo mundo. Eu só conhecia um artista retratado por Crumb antes de ler o livro - Skip James, e somente porque há uma canção sua maravilhosa no filme Ghost World (dirigido não por acaso por Terry Zwigoff). Outros dois nomes eu já havia ouvido falar, mas não conheço muito de sua obra: Louis Armstrong, o músico de jazz mais famoso de todos os tempos, e Duke Ellington. As canções de blues no cd são bem leves, a exceção fica justamente por conta de Skip James, o mais melancólico de todos os sete artistas apresentados (e talvez por isso o que eu mais gosto).

A segunda parte do cd fica com o country, um estilo um pouco mais familiar para mim. Não que eu conheça qualquer daqueles artistas, mas o antigo country americano tem semelhanças com o folk britânico/irlandês, um estilo que fiquei viciado durante alguns meses há uns dois ou três anos, e que me fez ficar familiarizado com essas músicas que utilizam um dos instrumentos mais bonitos para mim, o banjo.

O cd termina com os músicos de jazz antigos, um estilo que ninguém sabe dizer o nome de qualquer representante, mas todo mundo já ouviu e continua ouvindo em desenhos animados e filmes antigos. É a música mais famosa dos Estados Unidos, mas em contrapartida, uma das mais anônimas.

Essa união de arte gráfica e música produziu uma obra muito bacana, eu ouço a música, leio no livro sobre aquele artista e viajo... Esse livro é importado, e pelo conteúdo muito específico, não tenho a impressão que algum dia venha a ser lançada uma edição brasileira - mas se tratando do crédito que Robert Crumb tem aqui no Brasil, não acho que isso seja impossível, já que há um album lançado pela Conrad chamado Blues, só com histórias sobre o estilo predileto de Crumb.

Editora: Abrams Comicarts
Páginas: 240
Disponibilidade: importado
Avaliação: * * * *

Hoje, com a internet, é muito mais fácil conhecer qualquer tipo de artista do que na época que Crumb produziu os cards. Caso você se interesse em conhecer alguns destes velhos e bons músicos, e tem dificuldade para conseguir importar o livro, aí vai a lista de artistas compilados no cd, para serem caçados na internet (boa sorte!):

Blues - Memphis Jug Band, Blind Willie McTell, Cannon's Jug Stompers, Skip James, Jaybird Coleman, Charley Patton, Frank Stokes.

Country - "Dock" Boggs, Sherlor Family, Hayes Sheperd, Crockett's Kentucky Mountaineers, Burnett & Rutherford, East Texas Serenades, Weems String Band.

Jazz - Bennie Moten's Kansas City Orchestra, "King" Oliver's Creole Jazz Band, Parhman-Pickett Apollo Syncopators, Frankie Franko & His Louisianians, Clarence Williams' Blue Five, "Jelly Roll" Morton's Red Hot Peppers, Jimmy Noone.

E mais: os desenhos dos 36 músicos de blues presentes no livro podem ser encontrados aqui (infelizmente sem os textos). Se alguém achar os desenhos dos outros músicos, me informe o link que eu coloco no blog.