segunda-feira, 29 de junho de 2009

Persépolis - Marjane Satrapi


Conheci Marjane no ano passado, através do filme Persépolis e... me apaixonei! Marjane é uma garotinha que nasceu no Irã, presenciou a revolução islâmica, sofreu um bocado com a guerra contra o Iraque, viveu como uma estranha numa terra estranha na Europa e criou a Graphic Novel Persépolis, obra super-elogiada e vencedora do prêmio de melhor história em quadrinhos da feira de Frankfurt em 2004 que conta sua história e que foi transformada em longa-metragem em 2007.

Persépolis foi originalmente lançada em quatro volumes, entre 2000 e 2003, e agora está no mercado brasileiro na forma de compilação com os quatro volumes encadernados. A obra de Marjane Satrapi é feita de desenhos simples e em preto-e-branco, mas que passam bastante sentimento e complementam o texto autobiográfico, que alterna situações cômicas e trágicas. Até o lançamento do filme eu nunca tinha ouvido falar desta HQ, mas acompanhando os poucos filmes baseados em quadrinhos que satisfazem os fãs, Persépolis é um filme muito bacana, que por si só agrada. Recentemente, com uma promoção que deixou o preço do álbum acessível (no momento está custando R$ 28 do site da Saraiva, o preço cheio é R$ 41), pude comprovar que o filme foi bem fiel ao original, com o mesmo traço da desenhista, mas ainda assim faltam algumas passagens só publicadas no papel.

Persépolis é uma autobiografia bem ao estilo American Splendor (outra HQ que foi muito bem transformada em filme), escrachada, engraçada, debochada, mas que ao mesmo tempo mostra situações dramáticas acerca da violência presente no Irã entre as décadas de 1970-90 e da própria vida da autora, que se identifica como “iraniana na Europa e européia no Irã”. O uso do véu, a proibição de qualquer tipo de diversão presente no ocidente (incluindo festas e música), a xenofobia, as situações inusitadas, tudo isso está presente em Persépolis. Recomendo a qualquer pessoa que curta biografias e História, independente de ser fã de quadrinhos ou não.

Editora: Companhia das Letras
Páginas: 352
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Memórias de um Anarquista Japonês - Osugi Sakae




Pra falar a verdade, eu nunca tinha ouvido falar de Osugi Sakae, mas fui seduzido pelo título inusitado, característico dos livros alternativos da editora Conrad, e pelo preço baixíssimo num evento de anime em São Paulo. "Memórias de um anarquista japonês" é justamente o que o título anuncia, mas não só, pois como todas as autobiografias decentes, ultrapassa as fronteiras do narcisismo para nos apresentar uma visão de mundo, neste caso o Japão extremamente repressivo e militarizado nas décadas que precederam a invasão da China, Coréia e sudeste asiático e o ataque a Pearl Harbor.


Conhecido como "anarquista erótico", Sakae conta sua trajetória desde as primeiras lembranças até se tornar um completo anarquista na prisão. Como se pode presumir, um rebelde não se faz num ambiente agradável e livre de conflitos, então somos apresentados a um garoto que, quando fazia besteiras, buscava a vassoura para a mãe bater nele, mas alguns anos depois é expulso da escola militar após uma briga que terminou num ferimento grave causado por uma facada. Sua escrita passeia pelo deboche e humor e é razoável, mas o que vale mesmo é a descrição do Japão do início do século XX por alguém que vivenciou tudo aquilo. O cristianismo, por exemplo, que é o retrato da caretice para nós, era para os japoneses uma forma de resistência à sociedade tradicional opressiva - era radical ser católico no Japão! As memórias presentes neste livro vão até sua saída da prisão, período no qual o anarquista (que apresentava gagueira) ficou praticamente mudo e só comia arroz branco.

Osugi Sakae viveu intensamente a rebeldia, foi preso por isso, teve relações amorosas conturbadas e acabou sendo assassinado por militares em circunstâncias que chocaram a própria sociedade repressiva da época - durante um encontro de anarquistas na Europa, é preso, deportado e, chegando ao Japão, é espancado até a morte juntamente com sua mulher e um sobrinho de apenas seis anos, em 1923. Daí em diante, a violência do Estado japonês prosseguiu até que as bombas atômicas fossem lançadas em Hiroshima e Nagasaki.

Editora: Conrad
Páginas: 181
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

terça-feira, 23 de junho de 2009

O Livro Negro do Colonialismo - Marc Ferro (org)




Quando me formei na faculdade de História, há três anos atrás, mamãe cismou que queria me dar um presente de formatura. Eu não faço questão desse tipo de coisa, mas como já havia dado a ela o desprazer de não participar de festas de formatura, nem ao menos uma cerimônia de colação de grau, resolvi aceitar a oferta. Como eu podia escolher o que quisesse (até certo limite de valor, e contanto que tivesse a ver com o fato de eu estar me formando - meu pedido inicial de bonecos Marvel Legends foi negado), pedi a ela o livro mais caro, quer dizer, o livro que eu teria mais dificuldades em adquirir com meus recursos de rapaz recém-formado, um livro grande, imponente, organizado por um historiador de renome internacional, com uma capa chocante: o Livro Negro do Colonialismo. Anos depois de ganhá-lo, finalmente obtive o tempo e a estabilidade mental necessários para a leitura desta obra coletiva de 957 páginas.

Hoje em dia existem vários livros negros: do capitalismo, do cristianismo, dos Estados Unidos (que também já li), mas me parece que o primeiro foi o Livro Negro do Comunismo (que também tenho e hei de ler). Só para se ter uma idéia, este livro foi editado no Brasil pela Biblioteca do Exército, e tem um prefácio de um general das antigas dizendo: “Estão vendo, nós estávamos certos em perseguir e torturar os comunistas”. Não que o comunismo tenha sido um sistema impecável, muito pelo contrário, senão o seu livro negro nunca teria existido, mas historiadores de renome que escolhem escrever um livro negro do comunismo antes de um livro negro de diversas outras coisas muito piores como, por exemplo, o colonialismo, merecem uma resposta intelectual a altura. O Livro Negro do Colonialismo foi justamente produzido com essa intenção.

O Livro Negro do Colonialismo, como se pode imaginar ao olharmos para a miséria de mundo que vivemos hoje em dia, apresenta muitos capítulos, escritos pelos mais variados especialistas. Sua divisão se dá por espaço e cronologia – seguindo, aliás, as etapas da dominação. A primeira parte apresenta o suplício dos povos que inicialmente sofreram nas mãos dos europeus, e que, em minha opinião, foram os que mais sofreram na história da humanidade: o massacre dos povos indígenas – e nesse contexto, por assim dizer, um capítulo se dedica aos nativos da Austrália.

Porque eu acho que ninguém sofreu mais na história do que estes povos? Simplesmente porque eles foram dizimados de forma muito mais dramática do que qualquer outro povo. Peguemos como exemplo os judeus, que foram sistematicamente eliminados durante a II Guerra Mundial. Foi uma aberração da humanidade, ainda mais se pensarmos que chegamos até o século XX para testemunharmos isso, mas ainda assim foram “só” 6 milhões que morreram. Ao massacre dos armênios nas mãos dos turcos no início do século XX podemos pensar da mesma forma: milhões foram dizimados, mas a cultura persistiu, ambos os povos estão aí.

E quanto aos índios de todas as partes da América e da Austrália? Você conhece algum povo que mantém sua cultura preservada (não digo nem intacta, mas pelo menos íntegra), no México, no Peru ou no Brasil, depois de toda “assimilação”? Nos Estados Unidos, muitos dos povos tradicionais hoje são proprietários de grandes redes de cassinos... Os especialistas não chegam, e acho que nunca chegarão, a um consenso sobre a quantidade de gente que morreu durante a colonização da América, mas só para se ter uma idéia, alguns povos foram dizimados antes mesmo de entrar em contato com os europeus, vítimas de doenças espalhadas através de animais. Aos que sobreviveram, sobrou a desarticulação de seus antigos modos de vida, exploração, alcoolismo, degeneração moral, humilhação e finalmente assimilação. Renato Russo estava certíssimo, “todos os índios foram mortos”.

Mas essa é só minha opinião pessoal sobre o assunto, ainda estamos na página 116 deste grande livro negro, ainda tem muito sofrimento pela frente. Os próximos a cair em desgraça fazem parte de alguns povos africanos com menos sorte que outros. Em 1537, a Igreja decidiu que os indígenas eram seres humanos, e não podiam ser escravizados. Para que suas fazendas e minas na América não parassem por falta de mão-de-obra, os europeus começaram a comprar pessoas que haviam sido capturadas por povos vizinhos em guerras na África - elas ficaram de fora do pronunciamento do papa... Começa a sangria do continente, que depois de séculos resultaria justamente em seu enfraquecimento e abriria o caminho para mais uma dominação. O número de pessoas trazidas para a América também gera e sempre gerará discordância entre os especialistas, mas quem realmente se importa com este tipo de coisa não vê diferença entre dez mil ou dez milhões de pessoas exportadas como bichos.

Como o tráfico de escravos é apenas uma conseqüência do colonialismo, o livro negro não reserva mais do que 44 páginas para ele. Muito sangue, suor e lágrimas ainda vão rolar, que sobre bastante espaço para quem foi violado em seu próprio espaço – e os africanos vão voltar a dar as caras antes de se chegar perto do fim. A sanguinolência continua ainda na América, agora no momento em que a maioria dos nativos já estavam exterminados, e os que sobraram estavam em vias de serem absorvidos pelo novo sistema. Esta parte do livro conta com dois grandes capítulos explicativos sobre temas pouco explorados nos livros de história, acerca da questão da colonização da América, e mais dois pequenos capítulos sobre a Guiana Francesa e o Haiti – aliás, este é um dos méritos deste livro: abre espaço para temas diferentes, que não se encontram em qualquer lugar.

Os próximos a sentirem a fúria da ganância são os asiáticos. Indonésios, vietnamitas, chechenos, todo mundo ainda vai sofrer, mas nenhuma colonização na Ásia foi mais emblemática do que a atividade inglesa na Índia, principal colônia do império britânico durante séculos. Dois grandes capítulos explicam desde o início dessa dominação, como um empreendimento particular, até a luta de Gandhi e a retirada dos súditos da rainha. Na linha dos temas alternativos, há também um capítulo dedicado às travessuras dos russos no Cáucaso, que sustentam até hoje uma ferida difícil de cicatrizar na Chechênia, e uma análise da colonização japonesa, a única promovida por um país oriental, mas igualmente cruel.

A última parte do globo a sentir a presença dolorosa dos europeus foi a África, conquistada depois de sangrar bastante com o tráfico de escravos, e a área que mais sente até hoje os efeitos da colonização. Depois de um capítulo meia-bomba sobre a colonização árabe em Zanzibar, aparece uma das melhores partes do livro negro, um pequeno artigo sobre o apartheid na África do Sul, explicando suas origens e seu desenvolvimento – muito bem escrito e útil, já que eu nunca havia lido algo que tratasse especificamente este assunto tão importante. Confesso que, depois da parte dos massacres dos indígenas, esta foi a que mais me chocou. Logo em seguida, três capítulos abordam a colonização da Argélia, a principal colônia francesa – essa predileção se explica pelo fato do livro ter sido escrito majoritariamente por franceses. Os dois primeiros foram escritos pelo próprio Marc Ferro, organizador da obra, mas sua escrita é enjoativa e me decepcionou; já o terceiro abrange as independências de diversos países da África francesa, e é muito esclarecedor.

A penúltima parte do livro foi batizada de “O destino das mulheres”, e me pareceu meio apelativo para agradar um certo público. Chata e dispensável, é prosseguida por “representações e discursos” que aborda questões como o anticolonialismo, o racismo proveniente de ideologias dos povos que dominaram e aspectos culturais da colonização na produção de músicas e filmes. Há ainda um epílogo chamado “quem pede reparações, e por quais crimes?”, só para não terminar o livro assim, sem conclusão, apesar de todos os capítulos serem independentes.

O que achei do livro? Sensacional, de altíssimo nível, e muito útil, não só para minha vida profissional, mas para minha formação como cidadão. Esse é o tipo de coisa que todas as pessoas deveriam conhecer, para não ficar falando por aí besteiras calcadas em preconceitos.

Editora: Ediouro
Páginas: 957
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

O Portal de Rashomon - Ingrid Parker




Este livro é uma mistura de policial com ficção histórica. Faz parte de uma série de livros com o personagem Akitada Sugawara, um funcionário público do Japão do século XI que costuma desvendar casos. Nesta aventura, Sugawara é requisitado pelo seu antigo professor para solucionar um caso de chantagem na universidade em que estudou, e para isso preenche uma vaga de professor assistente. Durante a investigação, ocorrem alguns assassinatos, e várias tramas paralelas são desenvolvidas.

A história corre num bom ritmo, e os personagens secundários são bem produzidos, com características particulares bem definidas e boas inclusões no roteiro. Apesar de algumas soluções de crimes serem altamente improváveis (característica básica de livros policiais), gostei bastante deste livro, e espero o lançamento no Brasil de outros livros da série.

Ingrid Parker é professora universitária aposentada da Universidade de Virginia (EUA) e pesquisadora do Japão do século XI, e criou a série de Akitada Sugawara no final da década de 1990. Apesar de ganhar alguns prêmios literários e ter livros traduzidos para diversos idiomas, é pouco conhecida aqui no Brasil – nem mesmo os editores brasileiros a conhecem, visto que, na orelha da edição brasileira, é apresentada como um homem! Eu mesmo nunca tinha ouvido falar dela, e só descobri porque peguei o livro emprestado de um amigo que ganhou de natal e não gostou. Mas para mim foi uma boa descoberta, e espero que seus livros se popularizem no Brasil e ganhemos traduções de outros livros seus – as versões importadas têm praticamente o mesmo preço da nacional.

Editora: Best Seller
Páginas: 383
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

O Livro Perigoso para Garotos - Conn Iggulden e Hal Iggulden



Todo garoto precisa de coisas legais para fazer e conhecer, ou seja, uma cultura própria da idade, mais ou menos difundida igualmente entre todos os povos. Quando eu era um deles, tinha que recorrer a diversos meios para descobrir coisas legais como dinossauros, histórias reais de aventuras e bichos ameaçadores (até hoje eu guardo um livro do instituto Butantan com a catalogação de cobras, aranhas e escorpiões, todo rabiscado). Também tinha que me virar para aprender a fazer tinta invisível ou jogar xadrez, e algumas coisas eu sempre desejei, mas nunca fiz porque simplesmente não encontrei onde ensinasse – construir uma casa na árvore ou um carrinho de rolimã, por exemplo.

A partir de agora, nenhum garoto passará por este tipo de problema. “O Livro Perigoso para Garotos” é a enciclopédia que sempre faltou nas vidas de moleques de todas as gerações. Escrito pelos irmãos Conn e Hal Iggulden (sendo o primeiro o autor das séries de ficção histórica sobre Júlio César e Gengis Khan), este compêndio reúne tudo que um garoto precisa conhecer ou saber fazer para ter uma juventude feliz e crescer sem complexos ou traumas: pescaria, quadrinhos, códigos secretos, primeiros socorros, histórias de piratas e exploradores, bolinhas de gude, planetas, truques com moedas, comandos para cachorros e mais um monte de tópicos fundamentais para aproveitar ao máximo a melhor fase da vida. Apesar de ser classificado como infanto-juvenil, é irresistível para qualquer garoto, desde o que está aprendendo a ler até o que já está usando frauda geriátrica.

Pra mim foi uma grande recordação de tantas coisas que eu fiz na infância, e mais algumas descobertas de coisas que ficaram pelo caminho. No verso do livro está escrito: “Traga de volta as tardes de domingo e os dias longos de verão”. Como eu escrevi anteriormente, na minha época de garoto não existia uma enciclopédia para garotos tão legal como essa, e acho que ela veio na hora certa, como uma reação ao momento atual em que garotos se interessam mais em ir para lan-houses atualizar seus orkuts do que passar as tardes soltando pipa, andando de bicicleta ou brincando com comandos em ação com os amigos – coisas que eu fiz e não trocaria por nada.

Após o sucesso deste livro (é best-seller lá fora), foi lançado o contraponto feminino, chamado “O Livro para Garotas Audaciosas”, que dei de presente para minha irmã de 11 anos. Depois vou dar uma olhada, esse também parece ser interessante, tem coisas como golpes de karate e movimentos de surf. E ela, que tem metade da alma de um garoto, também vai ler o meu. Independente do sexo e da idade, “O Livro Perigoso para Garotos” é leitura obrigatória para descobrir e entender melhor uma coisa importantíssima da vida, que se chama diversão. Como é grande para os padrões de crianças e adolescentes, dá pra ficar lendo por bastante tempo durante o período de aulas e de frio, e testar todas as técnicas durante o verão.

Editora: Galera Record
Páginas: 319
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *