sexta-feira, 16 de maio de 2014

Carrie, a Estranha - Stephen King

Stephen King é um dos autores mais bem sucedidos do mundo. Inúmeras adaptações de suas dezenas de livros e centenas de contos já foram produzidas para cinema, tv e quadrinhos, e certamente você já viu alguma coisa como Cemitério Maldito, O Iluminado, Colheita Maldita, ou mesmo os menos macabros como Conta  Comigo, À Espera de um Milagre e Um Sonho de Liberdade. Eu pelo menos cresci vendo seus filmes (os mais macabros, quero dizer) e ouvindo bem alto no meu quarto Pet Sematary (pedido pessoal do autor para que os Ramones criassem a música tema do filme), mas nunca tinha lido nenhum de seus livros. Resolvi tirar a limpo esse débito com seu primeiro livro publicado, Carrie (que aqui no Brasil inclui o subtítulo A Estranha desde que o primeiro filme foi lançado).

Esse livro foi escrito no início da década de 1970, quando King ainda era um escritor amador. Insatisfeito com mais uma decepção no difícil trajeto para o sucesso, ele joga fora o manuscrito de Carrie, mas sua mulher recupera o documento e o convence a tentar  a publicação mais uma vez. O quanto disso é verdade e o quanto é lenda eu não sei, o fato é que a partir de então sua carreira engatou a marcha e, dois anos depois, seu livro já estava adaptado para o cinema com grande repercussão e ótima aceitação do público, se tornando referência no cinema e na literatura de suspense e terror.  

Talvez o sucesso tenha a ver com temas abordados e a forma de como a história foi contada. Diferente de outras criações em que o sangue e a violência são por si só a atração para consumidores ávidos por esses produtos, Carrie se baseia em meios mais profundos e bem trabalhados, mas sem que haja falta de violência e sangue - pelo contrário, o sangue é até um dos elementos fundamentais na trama. Um dos temas é o fanatismo religioso, que até voltaria a aparecer em Colheita Maldita, por exemplo, e certamente não foi uma novidade para a literatura e o cinema de terror (me lembro de O Bebê de Rosemary agora). Contudo, outra questão tem mais destaque, e até onde sei nunca tinha sido levantada na forma de crítica na cultura pop: o bullying, esse elemento tão presente na cultura norte-americana (bem como no resto do mundo ocidental, porém em menor grau). Talvez pela extrema competitividade existente na sociedade norte-americana, o bullying fosse algo tão corriqueiro naquela época que chegava a ser aceito como normal, o que me parece não ter deixado de existir até hoje, apesar de não ser mais tão aberto como outrora. Tanto que, uma das ofensas mais comuns entre eles é a palavra loser (perdedor).

A história se passa em uma cidade minúscula no interior dos Estados Unidos, daquelas bem estereotipadas, onde todos se conhecem e não há nada para os jovens fazerem além de sexo e uso de drogas e álcool. Carrie é uma adolescente de 16 anos com sérios problemas psicológicos, resultado de uma criação abusiva e repressiva por sua mãe fanática religiosa e dominadora. Reclusa e totalmente diferente de seus pares, a menina é constantemente alvo de piadas e gozações. Mas há algo em Carrie que a diferencia dos demais jovens espalhados por todo o país na mesma situação de humilhação que ela passa: desde seus primeiros anos de vida, ela apresenta uma estranha reação ao estresse emocional, despertando poderes sobrenaturais (porém, o interessante é que existe uma explicação científica para isso, e alguns seres humanos, apesar de poucos, já haviam apresentado). Após a humilhação derradeira no baile de formatura da escola, Carrie é tomada por uma fúria sem limites que desperta o nível máximo de seus poderes - a famosa cena do baile, que acredito que qualquer um pelo menos já tenha ouvido falar.

Stephen King é um escritor de histórias que algumas pessoas podem não apreciar e não dar valor, mas há que se levar em conta que, apesar de temas não tão sérios e sem comparação com os grandes nomes da literatura, sua escrita tem qualidade, e o livro prende a atenção do leitor, mesmo já sabendo o que vai acontecer. A história é contada com uma narração tradicional em terceira pessoa mesclada com trechos de livros fictícios sobre o incidente (um relato de uma sobrevivente, a transcrição do inquérito oficial e trabalhos de especialistas no assunto), uma narrativa original. Carrie é uma leitura interessante, bacana mesmo para quem não é aficionado nesse estilo, mas parte da bibliografia básica para fãs de terror e suspense.

Editora: Suma de Letras (Objetiva)
Páginas: 200
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Lost City of the Incas - Hiram Bingham

Se hoje Machu Picchu é um ícone nos destinos de viajantes do mundo inteiro, muito se deve à sua condição de cidade perdida, ou seja, que ficou longe dos olhos de quase toda a humanidade durante séculos, até ser redescoberta por Hiram Bingham em 1911. Tendo a noção de que havia feito talvez a maior descoberta arqueológica de todos os tempos, Bingham decidiu contar a peripécia em Lost City of the Incas, em 1948.

O livro se divide em três partes, que parecem três livros diferentes: a primeira é um livro de História sobre a civilização Inca, narrando seus primórdios até seus últimos dias, além de explicar aspectos fundamentais de sua cultura; a segunda parte é uma narrativa de uma viagem de aventura na selva peruana, quando o arqueólogo conta sua trajetória até encontrar a cidade perdida; o último terço se transforma num livro de arqueologia, explicando as escavações em aspectos técnicos, os resultados e a interpretação de seu trabalho. Não é só uma divisão retórica, são realmente três livros diferentes, com abordagens e resultados distintos, o que me fez me dividir em minha avaliação.

A primeira parte me pareceu bem satisfatória, uma explicação simples, sem muito academicismo, para ambientar qualquer leitor no teor do livro. A segunda foi para mim a melhor, já que sou apaixonado por viajar e ler narrativas de viagens alheias - e essa é uma narrativa bastante cativante, de um americano em contato com uma cultura bem diferente à que estava acostumado, num ambiente difícil e desconfortável. Até aí o livro anda muito bem, mas a última parte é um suplício, uma leitura enfadonha - como já era de se esperar de um texto sobre arqueologia, dada minha experiência anterior com esse tipo de trabalho.

Hiram Bingham nasceu no Avaí, e além de arqueólogo e explorador, foi político e militar. Sua façanha de ser o descobridor de Machu Picchu é contestada pelo fato de algumas pessoas já terem chegado lá alguns anos antes: um alemão na década de 1860, dois peruanos no início do século e dois missionários em 1906, além dos moradores da região. Entretanto, mesmo que essas pessoas tivessem alcançado a cidade perdida antes, o mérito de torná-la conhecida para o mundo foi de Bingham. A cidadela foi descoberta por acaso, através de um palpite de Bingham, guiado por um garotinho que conhecia a área e estava totalmente coberta de vegetação e infestada de serpentes. Hiram Bingham interpretou erroneamente o local como a última cidade dos incas que ele procurava - Ollantaitambo, que posteriormente foi descoberta em outro lugar, porém sem nenhum brilho. Machu Picchu é hoje um dos destinos de viagem mais famosos do mundo. Não tem uma visitação tão grande como o Coliseu ou Teotihuacan por causa da distância dos centros urbanos, mas ainda assim recebe uma horda de turistas, muitos deles predadores de patrimônio histórico, o que põe em risco esse legado deixado para toda a humanidade.

Encontrei esse livro numa loja em Cusco, quando viajei para conhecer Machu Picchu em 2012. É o livro mais fácil de se encontrar por lá, vendido em todos os cantos da cidade por preços bem baixos, em inglês ou espanhol - acho que é meio como uma leitura obrigatória para quem se interessa. Fora do Peru, não é difícil encontrá-lo pela internet, mas não há edição em português e dificilmente alguém vai achá-lo para vender em uma loja por aqui. Mesmo se você nunca foi a Machu Picchu, recomendo a leitura se gostar de história ou relatos de viagem. Se você já foi ou pretende ir, não deixe de ler, é obrigatório para melhor compreensão desse lugar. E se você não pretende visitar Machu Picchu, mude de ideia: é magnífico, e mesmo abarrotado de turistas de todos os tipos, ainda se consegue descobrir alguns cantos de paz e silêncio para contemplar a natureza e as ruínas de uma civilização perdida na beira de abismos sublimes.

Editora: ABC
Páginas: 252
Disponibilidade: importado
Avaliação: * * * *