sexta-feira, 31 de julho de 2009

Ero-Guro: O erótico-grotesco de Suehiro Maruo


Ero-Guro não é para qualquer leitor. As situações mostradas nos quadrinhos de Suehiro Maruo podem causar diversos tipos de sentimentos negativos, da repulsa ao ódio contra esse pervertido que ousa mostrar todas as insanidades saídas de sua mente perdida, difíceis até de conceber um paralelo com a realidade. Mesmo simples menções ao que ocorre no folhear das páginas dessa obra maldita podem estragar o resto do dia de pessoas sensíveis e sem estômago suficientemente forte. Portanto, se você se inclui nessas categorias ou em semelhantes, sugiro que pare de ler este texto agora.

Para começar, não acho que o título seja coerente com a obra. Ero-Guro é uma simplificação do termo "erótico e grotesco", mas eu não consegui encontrar traço de erotismo em nenhum dos nove contos. Não posso considerar nem mesmo como pornografia, pois acho que esse termo abarca situações sexuais menos doentias do que coprofilia, banho de urina ou sexo com velhas decrépitas mostradas no presente livro. Para mim, só sobra o grotesco, o nojento, o desagradável, o detestável.

A capa do livro, propositalmente contida (mas com a advertência "quadrinhos adultos") pode omitir o conteúdo, mas já no índice o nome de contos como "Receita para uma Sopa de Merda" ou "O Grande Masturbador" preparam o terreno para o que está por vir. Seguem-se então bizarrices de todo tipo, desde mutilações até um garoto faminto se alimentando de uma lombriga que acabara de sair de seu próprio ânus, representadas nas belíssimas ilustrações de Suehiro Maruo, que na verdade se sobressaem em relação ao texto com seus contrastes preto e branco, os pequenos detalhes e a utilização de técnicas diferentes do mangá clássico em algumas páginas. Na maior parte, o sadismo e o prazer resultante da humilhação ou do horror alheio predominam como temas primários. Fora isso, as referências à arte são frequentes: "O Grande Masturbador" é o título de um quadro de Salvador Dali e "Uma Temporada no Inferno" um livro de Rimbaud, dentre outras.

Ero-Guro é, antes de tudo, uma coletânea de histórias de terror, com assassinatos, psicopatas, canibais, mas o aspecto principal é, obviamente, a perversidade das situações. Esse é o ponto forte da obra, a intenção de chocar, já que a arte é isso, e não uma simples representação do mundo sem pretensões. Ao ler este livro, dispa-se dos preconceitos e do que foi estabelecido pela sociedade para não rejeitá-lo logo no primeiro conto, mas não muito, para que não se perca o efeito da ojeriza desta leitura.

A editora Conrad já lançou outros dois livros desse abominável autor: "O Vampiro que Ri" e "Paraíso: o Sorriso do Vampiro", que, se traduzem os cenários insanos de sua mente da mesma forma que em Ero-Guro, valem uma conferida.

Escolhi uma dentre as muitas passagens desagradáveis do livro para fechar este texto: "Quando eu era criança, sem querer, tive a chance de experimentar o gosto da merda, obviamente era a minha própria. O escritor ladrão Jean Genet já escrevia: 'A imundice abomina outras imundices'. É uma frase célebre. Ainda criança, quando sentia vontade de ir ao banheiro, tinha que correr até a minha casa. Até hoje, não consigo fazer minhas necessidades nos banheiros públicos de estações de trem e parques. Quanto ao sabor da merda, mais do que fedido, é amargo. Se não acredita em mim, recomendo que experimente você mesmo. - Ass.: Eu - "

Editora: Conrad
Páginas: 225
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *



quarta-feira, 15 de julho de 2009

Um Estranho numa Terra Estranha - Robert A. Heinlein


O título deste livro é deliciosamente tentador, sobretudo para os adolescentes. Quem, com menos de 20 anos, não passou boa parte da vida se sentindo um estranho numa terra estranha? Comprei este livro lá pelos meus 15 anos, não lembro se por causa da minha identificação com o título, mas é mais provável que tenha sido mesmo vontade de conhecer este grande clássico da ficção científica, categoria de filmes e livros que amo desde que me conheço como gente (ou desde "Inimigo Meu" na Sessão da Tarde). O fato é que naquela época eu não tinha maturidade para compreender a profundidade desta obra ou para ler um livro com mais de quinhentas páginas, e parei na metade. Para mim, a ficção científica ainda significava tiros barulhentos e explosões em pleno espaço sideral.

Na vida adulta, passei a compreender que a ficção científica séria, na verdade, é uma sagaz crítica à sociedade. Se em "Duna" Frank Herbert atenta para o risco ambiental (isso já na década de 1960), "Um Estranho num Terra Estranha" é a explanação de toda hipocrisia da sociedade da época, o que pouco mudou até hoje em dia e torna o livro bastante atual. Reiniciei a leitura deste livro numa época em que eu estava me sentindo justamente como o título sedutor, quando trabalhava muito em vários lugares chatos com pessoas sem graça, e finalmente "grokei" (na língua do personagem principal, algo como compreender, apreender, absorver ou qualquer outra coisa que você entenda ao ler o livro).

O livro começa com uma frase solta, impossível de ser mais minimalizada: "Era uma vez um marciano chamado Michael Valentine Smith" (além de ser bastante engraçada, algo como "Era uma vez um tirolês chamado Jamal", ou "Era uma vez um judeu chamado Christian". O nome foi propositalmente escolhido pelo autor para se opor aos nomes impronunciáveis com que alienígenas são normalmente batizados nos livros de ficção científica). Na verdade, Michael é um ser humano criado em Marte, e trazido adulto para a Terra (admitindo-se seres racionais e uma sociedade em marte). Todo o desenvolvimento da história se baseia nisso, um ser que nunca teve contato com a cultura terrestre e que, de repente, se vê compelido a conviver com toda nossa esquisitice, tais como moral, religião, sexualidade e tudo mais - fora a gravidade esmagadora de um planeta maior que Marte.

A primeira dificuldade de Michael é lidar com o assédio e a curiosidade de toda a humanidade acerca de um marciano, e logo depois as coisas ficam piores para o pobre visitante. Se por um lado o marciano conta com poderes extraordinários para livrar-se de situações de risco, por outro ele simplesmente não consegue encarar pressões de pessoas próximas e constantemente sofre catalepsia. Com o tempo ele aprende a suportar tudo isso e perde sua ingenuidade perante a maldade humana, e no anonimato começa a compreender a realidade terrestre e logo passa a se colocar numa posição de domínio como um grande líder religioso, na tentativa de iluminar as pessoas. Contar mais que isso seria estragar o prazer da leitura.

"Um Estranho numa Terra Estranha" teve uma influência marcante na época de seu lançamento. Por atacar a mediocridade da sociedade ocidental com seus dogmas sexuais, religiosos e materialistas, o livro foi objeto de perseguição para os mais conservadores, e modelo para a contracultura, principalmente pelo desapego às coisas materiais e a liberdade sexual propagados por Michael. Apesar das críticas à sexualidade reprimida, em algumas passagens fica clara uma ponta de machismo e homofobia, mas a interpretação é ambígua: pode tanto ser a visão do autor como a da personagem Jill, utilizada para confrontar a mente aberta de Michael e seu amigo e professor das coisas da vida terrestre Jubal Harshaw. Para mim ficou a dúvida, mas, se relevado, isso não tira a beleza da obra.

Existe um profissão criada no livro, de "testemunha juramentada", exclusiva para pessoas com memória eidética, que não podem mentir, mas não podem tirar nenhuma conclusão dos fatos presenciados, e a capacidade de dedução da pessoa é totalmente omitida. Uma pesquisa na internet me atentou para uma comparação não observada por mim no momento da leitura: a semelhança entre as "testemunhas juramentadas" e os "mentats" do livro "Duna", que realmente existem. Outra curiosidade é uma cria maldita da obra de Heinlein, a "Igreja de Todos os Mundos", criada em 1962, um ano depois do lançamento do livro, e inspirada na instituição de mesmo nome presente no livro.

Robert Anson Heinlein ganhou o prêmio Hugo por este livro (uma premiação específica da literatura de ficção científica e fantasia), e é considerado um membro de uma espécie de santíssima trindade do gênero, ao lado de Isaac Asimov e Artur Clark. O livro já ganhou seguidas edições lá fora, porém por aqui infelizmente está esgotado - mas é fácil encontrá-lo em sebos por preços módicos. Uma lenda diz que Heinlein é responsável indireto pela criação da Cientologia, aquela pseudo-religião seguida por Tom Cruise: a seita teria sido resultado de uma aposta dele com o também autor de ficção científica Lafayette Ronald Hubbard, que teria saído vencedor ao criar uma religião e ganhar muito dinheiro com ela. Mas é claro que isso são só boatos, afinal, quem seria tão desonesto a ponto de criar uma religião só para tirar dinheiro de otários? Por favor, não respondam essa...

Editora: Record
Páginas: 527
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * * *


domingo, 12 de julho de 2009

O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde

Você conhece alguém que trocou sua alma pela beleza eterna? Eu conheço várias pessoas que já fizeram isso, e acabo de conhecer mais uma: Dorian Gray. Personagem do excelente livro de Oscar Wilde, a lamentável história do sr. Gray começa com uma sedução, a sedução de si mesmo, um jogo de vaidade que se transforma em narcisismo doentio. Durante uma festa da alta-sociedade, o pintor Basil Hallward conhece o jovem Dorian Gray e fica fascinado por sua beleza. Desenvolve-se então uma paixão platônica e o pintor toma Dorian como modelo para sua mais perfeita obra, o retrato de Dorian Gray. Paralelamente, Dorian conhece Henry Wotton que, com suas idéias sobre a beleza, estimula ainda mais o narcisismo do jovem. Obcecado, Dorian Gray troca sua alma pela beleza eterna e descobre que o resultado prático é a inexistência do envelhecimento em seu corpo pela corrupção de seus atos: para cada atitude vil de Dorian, seu retrado ganha alguma ruga ou deformidade, enquanto o seu corpo permanece o de um jovem - fato descoberto ao acaso, quando ele despreza uma pretendente que comete suicídio. A partir de então, uma trilha de maldade e loucura se desenvolve através das páginas do clássico de Oscar Wilde.

O ponto mais interessante do livro, na minha visão, foi a identificação da maldade com o belo, e não com a feiura, como geralmente este tema é apresentado desde as obras infantis. Além da óbvia discussão sobre a beleza e o que o ser humano é capaz de fazer para alcançá-la, "O Retrato de Dorian Gray" é uma crítica à alta-sociedade britânica da época vitoriana, encarnada principalmente na figura do hedonista Henry Wotton. Sociedade esta que, apesar de representar o país mais esplendoroso da época - o império onde o sol nunca se punha - fez tantos de seus súditos sofrerem. Um deles foi justamente Oscar Wilde, que na época do lançamento do livro foi perseguido por causa de seu relacionamento com outro homem, chegando até a ser preso por isso. Wilde foi submetido a trabalhos forçados e, ao sair da prisão em 1897, se mudou para Paris, onde adotou uma vida menos excêntrica e morreu de meningite três anos depois.

"O Retrato de Dorian Gray" apresenta diversas passagens homoeróticas (muito parecidas com algumas partes da obra de Platão), o que favoreceu ainda mais as acusações de sodomia que pesavam contra o autor irlandês. Como resposta aos que consideravam seu livro imoral, Wilde respondeu no prefácio da segunda edição: "Não existe livro moral ou amoral. Os livros são bem ou mal escritos. Isso é tudo". Independente da polêmica, "O Retrato de Dorian Gray" é um excelente romance (o único de Oscar Wilde, já que o restante de sua obra são contos e peças de teatro), disponível em diversas edições - desde as mais baratas coleções de clássicos até edições bilíngues - e até em audio-livro (que foi como "li"; foi minha primeira experiência com audio-livros, e gostei. Apesar de parecer ser mais fácil, requer o mesmo nível de atenção de uma leitura). Há também alguns filmes antigos baseados na obra, e um inglês que tem previsão de lançamento para este ano.

Voltando à pergunta com a qual iniciei o texto, conheço várias pessoas que vendem a alma para conseguir beleza eterna. Quantas pessoas já passaram fome na vã expectativa de ter o corpo mais bonito? Quantas mulheres já morreram na tentativa de ter seios maiores e menos flácidos? Quantas viagens, obras na casa e cursos para os filhos foram adiados por causa de caros tratamentos estéticos? Na nossa sociedade, que cultua mais o corpo do que o bem-estar, a cultura e a satisfação pessoal, "O Retrato de Doria Gray" permanecerá atual ainda por muitas gerações.

Editora: várias

Páginas: variável

Disponibilidade: normal

Avaliação: * * * * *




domingo, 5 de julho de 2009

O Anticristo - Friedrich Nietzsche


Se eu pudesse juntar um time de futebol só com figuras contrárias à moral e à religião de sua época (como fizeram os comediantes do Monty Pyton com os filósofos gregos contra alemães, com Confúcio no apito e os santos filósofos nas bandeirinhas), eu armaria um meio-de-campo com Voltaire e Marquês de Sade na contenção e Nietzsche armando o ataque para Sartre e Dawnkins (quem sugerir a contratação de Toninho do Diabo para a lateral esquerda merece ser banido do futebol e da filosofia!). Eu daria a camisa 10 para o controverso filósofo alemão pela sua emblemática obra "O anticristo".

A obra de Friedrich Nietzsche é caracterizada por normalmente não apresentar idéias fechadas em um único livro, sendo elas trabalhadas continuamente em diversas obras. Assim é o ataque de Nietzsche à religião, inicialmente apresentado em "A genealogia da moral" (este, por sua vez, uma continuidade às ideias do livro "A gaia ciência"), mas radicalizado em "O Anticristo". Por esta razão, o pensamento de Nietzsche, apesar de não ser muito difícil, não pode ser compreendido com a leitura de apenas um de seus livros. Este foi o primeiro livro de Nietzsche que li, e para entendê-lo completamente precisei de leituras de apoio.

A crítica de Nietzsche ao cristianismo baseia-se no fato desta religião impedir a formação do Übermensch, o super-homem, uma "evolução" que nasce da vontade de poder e rechaça a moral decadente. Piedade, compaixão e humildade seriam valores da moral dos escravos. Para o bem da humanidade, o mais fraco deveria perecer, dando lugar a este novo homem. O cristianismo rejeita o forte, o mais capaz, e abraça o mais fraco, o humilde, sendo, portanto, um empecilho à chegada do Übermensch. Este desprezo de Nietzsche pelos mais fracos se traduziu, em sua vida, na oposição ao socialismo, ao liberalismo e a tudo relativo à coletividade. Não por acaso sua doutrina serviu de base para Hitler e cia e até hoje influencia neonazistas. Só esqueceram de avisar a este pessoal o sentido da palavra anacronismo. Outro aspecto que seduz essa turma é a presença de diversas passagens antissemíticas em "O Anticristo", já que o judaísmo é a base do cristianismo.

Pode parecer estranho, mas "O Anticristo" não é uma cartilha de aviltamento a Jesus Cristo. Todas as críticas à doutrina cristã são direcionadas a quem desenvolveu a religião após a morte do messias, principalmente o apóstolo Paulo. "Já a palavra 'cristianismo' é um mal-entendido, no fundo só houve um cristão, e esse morreu na cruz." Já em "Assim falou Zaratustra", Nietzsche escreve: "Certamente aquele hebreu morreu muito cedo..., ele mesmo haveria desmentido sua doutrina se tivesse chegado à minha idade! Era suficientemente nobre para desmenti-la!"

Quem espera de "O Anticristo" um roteiro de ideias para satisfazer seu próprio ateísmo hoje em dia vai se decepcionar ou cair na mesma armadilha dos neonazistas, pois o livro faz muito mais sentido no contexto da filosofia de Nietzsche do que para nosso pensamento atual sobre a religião. Mesmo sendo pequeno, de fácil compreensão e contando com a ferina escrita de Nietzsche, só interessa a quem busca melhor compreensão sobre este interessante representante da filosofia do século XIX que até hoje influencia muita gente, não sendo uma leitura divertida ou de passatempo, com algumas partes monótonas. "O Anticristo" é de fácil acesso, existindo diversas edições para todos os gostos (a que li foi a edição espanhola da figura acima).

Editora: várias
Páginas: cerca de 120
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

Livro Digital


sexta-feira, 3 de julho de 2009

China: o renascimento do império - Cláudia Trevisan


Com o crescimento de importância da China no cenário internacional e os jogos olímpicos de 2008, era natural que aparecessem muitos programas de tv e livros a respeito do país nos últimos anos. Nesta onda foi publicado o livro "China: o renascimento do império", da jornalista Cláudia Trevisan, que viveu um ano como correspondente em Pequim, tempo suficiente para conhecer algumas das peculiaridades e esquisitices da vida chinesa.

O livro de Cláudia Trevisan é um amontoado caótico de informações interessantes sobre o gigante asiático, conseguindo alternar temas como superstições, olimpíada, aids, escrita chinesa e todas aquelas maluquices que você cansou de ver na televisão no ano passado, com a vantagem de estar tudo compilado em 236 páginas e sem aquela linguagem histérica estilo Globo Esporte que nós, inimigos da televisão, tanto odiamos. Uma introdução à China através das impressões de uma compatriota que, como qualquer um de nós que viajasse para lá, observou, vivenciou e não entendeu metade da realidade do outro lado do mundo, e nos contou tudo isso a seu modo ocidental, numa linguagem bastante acessível a todo tipo de público e de fácil digestão mental. Uma boa leitura para alguém como eu, que nunca havia estudado nada sobre o milenar país. Aprovado.

Editora: Planeta
Páginas: 236
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *