domingo, 19 de junho de 2011

O Existencialismo é um Humanismo - Jean-Paul Sartre

Em meados do século XX, a corrente da filosofia denominada existencialismo estava em alta, seguida fielmente por alguns e combatida ferozmente por outros. O termo existencialista era utilizado para se referir a variadas situações, algumas sem relação nenhuma com a ideia original. Era sofisticado incluir o termo em conversas com os amigos, mesmo que nenhum dos interlocutores compreendesse muito bem o assunto.

Apesar de as ideias existencialistas terem se originado no século XIX, com um filósofo dinamarquês chamado Soren Kierkegaard, foi Jean-Paul Sartre quem transformou-as em doutrina, inclusive criando o termo, que foi rejeitado por filósofos de ideias semelhantes, como Martin Heidegger.

Até a década de 1940, o existencialismo podia ser estudado através de livros difícies para o grande público, desses que até o título já causa estranheza, tipo Ser e Tempo, ou O Ser e o Nada (títulos que, diga-se de passagem, também contribuem bastante para piadinhas em relação à filosofia). Foi então que, para esclarecer questões sobre o existencialismo e rebater algumas críticas que Sartre proferiu uma palestra chamada O existencialismo é um humanismo, tornando-se posteriormente um livro.

Este pequeno livro é um meio de ter uma breve introdução ao existencialismo através do próprio autor, algo raro no meio da filosofia, no qual a maioria dos autores recusa-se a simplificar seu pensamento a esse ponto, seja por receio de banalizar e deturpar suas ideias ou por pura soberba intelectual mesmo (Sartre também se encaixa num desses casos, já que esse livro não foi aprovado por ele). Numa primeira parte, Sartre expõe os princípios do existencialismo rebatendo críticas veiculadas por diversos setores; a parte final é um debate de Sartre com a plateia, no qual o filósofo responde a algumas contestações.

Mas afinal, o que é o existencialismo? Bem, não é meu propósito aqui explicar correntes filosóficas (até porque eu não teria condições para fazer isso decentemente), e sim sugerir boas leituras. Posso dizer simplesmente que o existencialismo é um conjunto de ideias muito fascinante, que passa longe da abstração acadêmica e se encaixa bem no mundo em que vivemos, que trata de liberdade e responsabilidade do ser humano, e por isso fez a minha cabeça desde o início da minha vida adulta - foi interessante reler este livro e ver como essas ideias foram importantes na minha formação, e o quanto delas ainda persiste em mim até hoje, mesmo sem que eu possa dizer que algum dia pude me classificar como um existencialista nato. O existencialismo é um humanismo é um ótimo meio de ter uma visão inicial sobre o assunto e se apaixonar por essa corrente filosófica que tem uma vantagem para quem gosta de filosofia mas não pretende devorar livros obscuros de filósofos difíceis: o existencialismo foi tratado em diversas obras literárias de leitura agradável, por autores como Albert Camus e o próprio Sartre - e foi por isso que agora, depois de anos, li novamente esse livro: para relembrar os conceitos e entender melhor um livro de Sartre que encontrei numa feirinha e pretendo ler em breve, chamado A Náusea.

Editora: Vozes (o texto também pode ser encontrado na coleção Pensadores, da editora Abril, fácil de achar em sebos)
Páginas: 84
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

Livro em PDF

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Mundo Fantasma - Daniel Clowes

Se você não é nerd, não tem obrigação de saber que Mundo Fantasma (Ghost World) é a principal obra de Daniel Clowes, um dos maiores nomes dos quadrinhos alternativos. O que eu e muitos outros semelhantes não entendíamos era por que um trabalho fundamental como esse, lançado nos Estados Unidos em 1997, teve que esperar até 2011 para ser editado aqui no Brasil, já que coisas menos importantes de Clowes têm edições nacionais há bastante tempo, mas agora que finalmente podemos comprar Mundo Fantasma em qualquer livraria, ganhamos também uma explicação convincente: os direitos estavam reservados a uma editora que faliu antes que pudesse publicar o álbum, até que a editora Gal resolveu a situação e conseguiu fechar o negócio, que acredito que será muito lucrativo, mas mesmo que não seja, pelo menos terá a honra de publicar essa maravilha da nona arte.

Mundo Fantasma mostra a vida de duas amigas, Enid e Becky, jovens entediadas e inadaptadas presas na sociedade americana das décadas de 80-90. A mediocridade de seu entorno e a ação dos hormônios próprios da idade as levam a buscar válvulas de escape em trotes, sexo, consumo de artigos peculiares, fofocas e brincadeiras de mau gosto com estranhos. Apesar de o álbum ser composto por histórias curtas (originalmente publicadas na revista Eightball, no final da década de 80), pode-se encontrar um sentido na sequência delas: o difícil processo de superação da adolescência e a entrada na vida adulta.

Os desenhos de Daniel Clowes são perfeitos para o que o artista procura passar: as representações dos personagens variam de monótonas a ridículas, e por mais simples que sejam, seus traços são apaixonantes. Os cenários retratados me parecem aquilo que tenho em mente sobre o cotidiano norte-americano, um ambiente aparentemente equilibrado, eficiente, mas em suas entrelinhas cheio de contradições e decadência. Para mim, Mundo Fantasma compõe, na esfera dos quadrinhos, o que os filmes de Kevin Smith ou as músicas das bandas grunge representaram na década de 90.

Em 2001 foi lançado um filme baseado nos quadrinhos, com muitas passagens idênticas, mas com roteiro bastante diferente da obra original, porém nem por isso deixa de ser um filme excelente. Dirigido por Terry Zwigoff (o mesmo do filme sobre Robert Crumb), com Tora Birch e Scarlett Johansson novinhas e Steve Buscemi.

Eu já tenho Mundo Fantasma escaneado há muitos anos, ainda não tive contato com essa nova edição e, portanto, tudo que posso escrever é sobre a obra em si, mas pelo que li em resenhas na internet, parece ser bem feitinha, com extras interessantes. Contudo, independente da edição ser de qualidade ou não, o que importa nesse caso é o conteúdo, e seu lançamento é uma oportunidade para quem não conhece. É uma obra de quadrinho maravilhosa, um dos melhores álbuns para mim, está aí minha dica.

Editora: Gal
Páginas: 84
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

terça-feira, 7 de junho de 2011

Revista Samba - vários autores


No ano passado, na postagem sobre a Rio Comicon, prometi que escreveria sobre uma publicação alternativa que chamou minha atenção, a revista Samba. Como sempre cumpro minhas promessas, mesmo que quase sempre com bastante atraso, aí está.

Como já escrevi sobre a dita convenção, limito-me a iniciar meu relato da parte em que eu estava tentando me locomover com minha irmã no abarrotado salão que abrigou o evento, observando uma série de fanzines toscos em mesinhas vazias que davam pena, até ficar impedido de andar entre a fila de gente que esperava um autógrafo de Milo Manara e uma muvuca que se acotovelava para alcançar uma mesa cheia de revistas, de onde alguém gritava "Samba 2! Samba 2!" Na hora pensei: "Que porra é essa de Samba 2 que esse cara não para de gritar?", mas confesso que o que despertou meu interesse foi algo parecido com o que acontece com uma mulher do tipo consumista quando vê um monte de outras semelhantes amontoadas em volta de um camelô na rua - o melhor letreiro para um vendedor, que significa "tem coisa boa e barata aqui".

Quando consegui chegar ao "balcão", peguei um exemplar aberto da tal Samba 2, e de cara senti a diferença entre essa publicação e os inúmeros fanzines xerocados em folha A4 dobrada que proliferam nesse tipo de evento. Uma revista em formato 18x26, com uma bela pintura na capa de papel de boa qualidade, daqueles que agradam ao tato. No miolo, diferentes estilos de desenhos, algumas histórias coloridas, do minimalismo quase idiota a traços mais sombrios, séries de pinturas sem textos a textos quase sem desenhos, mas o grande diferencial era uma historinha em 3D e os óculos que acompanham a revista. Levei pra casa, e com mais tempo e tranquilidade para apreciar melhor o trabalho, pude comprovar a qualidade, tanto do acabamento quanto da criação artística da maioria dos autores dessa obra coletiva. Histórias curtas, a maioria levando para o lado do humor, algumas melancólicas e o restante simplesmente nonsense.

Fico realmente feliz quando vejo que artistas independentes - seja de quadrinhos, música ou qualquer outro ramo artístico - conseguem criar e veicular trabalhos dessa categoria, e entrei no blog da revista para comprar o primeiro volume, lançado em 2008. O número de páginas é menor, mas o formato e o tipo de conteúdo são os mesmos, sendo que alguns personagens aparecem em ambos os volumes, porém sem histórias seriadas. Este primeiro volume ganhou um prêmio de melhor revista na Feira de Quadrinhos do Piauí, em 2009, e talvez esse reconhecimento tenha estimulado a continuidade do trabalho. Espero que venha a ser lançado logo o próximo volume e que essa moçada esperta de Brasília encabeçada por Gabriel Góes, Gabrieal Mesquita e Lucas Gehre sirva de exemplo e estímulo para o restante dos quadrinistas independentes do Brasil.

Editora: independente
Páginas: 64 e 136
Disponibilidade: blog da revista ou eventos de quadrinhos.
Avaliação: * * * * *