quinta-feira, 27 de maio de 2010

The Rough Guide to Reggae - Steve Barrow e Peter Dalton

Se você é daqueles que, ao ouvir a palavra Reggae, só lhe vem à cabeça Bob Marley e Cidade Negra, está na hora de ler "The Rough Guide to Reggae". Neste ótimo guia, Steve Barrow e Peter Dalton contam a história deste envolvente gênero musical desde os primórdios da cultura jamaicana até as tendências atuais, passando por diversos estilos como o ska, o rocksteady, o dub e o dancehall, fases um pouco diferentes do roots reggae, ritmo mais conhecido por ser representado principalmente por Bob Marley.

O livro é dividido cronologicamente, bem ilustrado, com caixas de texto para personagens importantes e curiosidades, e em cada capítulo há seleções com os principais discos representantes de cada estilo, comentados e classificados de acordo com sua importância. Os últimos capítulos abordam o reggae fora da Jamaica (EUA, Inglaterra e África), e ao final há ainda um glossário das gírias utilizadas nas músicas, uma cronologia e uma sucinta referência de livros e páginas na internet. O texto, como qualquer guia, é generalista, mas capta bem os detalhes mais relevantes e cumpre o difícil objetivo de apresentar bem a história do reggae em menos de 500 páginas. Essencial para quem gosta de guitarras marcadas e metais à vontade, mas não sabe por onde entrar neste mundo de paz, amor, felicidade, justiça e liberdade que é o reggae. Ler este livro há alguns anos contribuiu bastante para o meu vício nessa rebel music e por boa parte do conhecimento que tenho dela, já que, pessoalmente, não conheço ninguém que goste com quem eu pudesse trocar ideias e aprender alguma coisa. O reggae é um dos gêneros que mais atraem a simpatia das pessoas, mas por outro lado um dos que as pessoas menos conhecem.

Para quem é chato e não suporta reggae, está de mal com a vida, ou entediado com a mesmice da cultura pop, recomendo que leia este guia e baixe na internet qualquer coisa de Bob Marley, Burning Spear ou Skatalites, feche os olhos, abra sua mente e se entregue ao ritmo das batidas, às linhas de baixo consistentes e à criatividade dos metais. Se mesmo assim não funcionar, mas você achou interessante a estrutura do guia, há diversos outros livros na coleção, como rock, jazz, música cubana, Beatles, Elvis e até fado, além de guias sobre viagem, história, restaurantes, esportes e o que mais você possa imaginar, mas até onde sei, nenhum deles tem edição brasileira.

Editora: Rough Guides
Páginas: 484
Disponibilidade: normal (importado)
Avaliação: * * * * *

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas - Robert Pirsig


Livros de viagens, Filosofia e Literatura Contemporânea são três coisas que adoro ler, logo, eu deveria adorar "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas - uma investigação sobre valores", não fosse um quarto fator nessa equação: o livro é muito chato!

Escrito por Robert Pirsig, a ideia, apesar do pouco apelo comercial, até que foi boa: ele e seu filho, viajando de moto pelas famosas estradas dos Estados Unidos, bem ao estilo Easy Rider, em meio a lições de filosofia e mecânica de motocicletas. Conta-se que o original foi rejeitado por 121 editoras (recorde no Guiness), mas desde seu lançamento em 1974, conquistou milhões de fãs pelo mundo, sendo não muito difícil encontrar intelectuais de orelha de livros citando-o por aí como seu "livro de cabeceira"...

O personagem principal narra sua viagem com seu filho, e paralelamente há uma narração sobre seu passado e sua trajetória megalomaníaca no mundo da Ciência e da Filosofia em busca de algo inédito e inalcançável. Fala-se sobre muitos conceitos filosóficos interessantes, mas o narrador é um mala, e seu filho mais ainda! Sem contar que a moto em que eles viajam é uma porcaria e precisa de reparos e manutenção constantes. O livro segue então exatamente o ritmo de uma moto velha: corre fácil nas estradas e dá prazer a quem está viajando por belas paisagens, mas quando dá defeito, para e demora um tempão para pegar novamente; quando ela pega de novo, você volta ao ritmo que estava e aproveita a viagem, mas logo logo ela para de novo e te deixa na mão - em outras palavras, eu lia umas dez páginas muito interessantes e pensava, "agora vai!", mas aí voltavam umas cinquenta páginas de besteiras intelectualoides do pai e malcriações do filho. Até que eu desisti da viagem com esses dois chatos e voltei pra casa de ônibus - ou seja, não cheguei ao final da leitura e vendi o livro.

Este livro me foi recomendado por um professor de Filosofia, e provavelmente ele pode vir a ser recomendado a você por algum destes que o consideram "livro de cabeceira". Minha opinião sobre "Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas" é minoria, é só dar uma olhada na internet para ver quantas resenhas elogiosas (e mais sérias do que esta) existem sobre ele. Por isso, se você ficar tentado a ler, se foi recomendado por algum guru ou simplesmente se você quer conquistar alguém intelectual que tenha gostado deste livro, vai à luta. Mas se o seu objetivo for uma viagem filosófica por belas estradas, pelo menos utilize um transporte mais confiável e leve alguém agradável, e não uma criança mimada e chata.

Editora: Martins Fontes
Páginas: 441
Disponibilidade: normal
Avaliação * *



domingo, 2 de maio de 2010

Dividir para Dominar - H. L. Wesseling


Há décadas, o mundo acompanha nos noticiários os trágicos acontecimentos na África pós-colonial: guerras entre grupos étnicos historicamente rivais, fome, economias nacionais atrasadas e todos os problemas que os países não-desenvolvidos passam. Muitas explicações foram dadas ao longo dos anos e reproduzidas pela mídia e nos livros didáticos, tais como “a Europa não respeitou as diferenças e particularidades dos povos africanos”, “a África, depois de explorada, foi deixada pelos europeus à própria sorte”, “grupos rivais foram colocados em um mesmo espaço colonial”.

Todas estas explicações são de conhecimento público e são ensinadas aos estudantes, porém de forma vaga e incompleta: fala-se que os países europeus dividiram a África entre si, mas geralmente não se entra em detalhes de como ocorreu tal divisão (e quando é apresentada tal explicação, recorre-se ao mito da Conferência de Berlim, na qual os europeus teriam partilhado a África da forma mais simples o possível, com um mapa sobre uma mesa rodeada por chefes de Estado das potências envolvidas).


Foi buscando esclarecer para o público o processo de partilha da África pelos europeus que o professor holandês Henk L. Wesseling (Universidade de Leiden) escreveu o livro “Dividir para Dominar: A Partilha da África – 1880-1914”, desmistificando certos aspectos fantasiosos, herdados do frenesi europeu da própria época da partilha e propagados até os dias de hoje.


A importância de “Dividir para Dominar” se dá pelo tema central que o autor explora no livro. Diferentemente de abordar somente como aconteceu a colonização dos territórios e as consequências desta dominação, Wesseling explora as relações entre os países europeus envolvidos na partilha, admitindo que na África do final do século XIX e início do século XX, “as decisões importantes eram no fim tomadas por políticos europeus, embora freqüentemente muita coisa acontecesse antes”. Para o autor, a história da África durante o período (1880-1914) foi feita mais pelos europeus do que pelos africanos. “Por isso é que as decisões e opiniões dos europeus ocupam um lugar central nesse livro”. Wesseling afirma na introdução que sua visão é “antiquada”, mas apresenta bem os argumentos que a legitimam durante as 464 páginas do livro. Apesar de tal posição, o autor é ousado ao promover uma abordagem diferenciada, buscando a compreensão de “como” ocorreu a partilha entre os países envolvidos, ao invés de se fixar somente no tradicional “porquê” dela (apesar de também investigar as motivações de cada um dos países em colonizar territórios africanos).


Numa abordagem panorâmica, Wesseling divide seu livro baseando-se em critérios geográficos e ao mesmo tempo cronológicos, pois para ele a partilha da África começa no norte do continente, partindo em direção ao sul e terminando novamente no norte. Por isso, o livro é iniciado com a disputa entre a França e a Grã-Bretanha no norte da África (sobretudo no Egito) na década de 1880, prossegue com a entrada de novos participantes do “jogo diplomático” à medida que a partilha segue para o sul do continente (Portugal, a Bélgica – na figura de Leopoldo – e a Alemanha), e tem seu epílogo novamente no norte, com a conquista do Marrocos, já no século XX.

Logo na introdução do livro, o autor já apresenta um ponto importante a ser abordado: a diferença entre partilha e possessão. Sobre a clássica apresentação dos mapas da África em 1880 e 1914 lado a lado, muito comum em livros didáticos e enciclopédias, onde cada parte do território africano apresenta uma cor representando a que país “pertencia”, Wesseling rechaça tal visão deturpada e afirma que as respectivas cores representam não o domínio concreto, mas o reconhecimento das outras potências europeias sobre a autoridade que cada país poderia exercer no continente africano.


É nessa ótica que Wesseling vai traçar sua tese e explorar o tema. O livro é basicamente um tratado sobre as relações diplomáticas entre os europeus interessados na colonização da África e as manobras utilizadas por seus participantes para conseguir cumprir seus objetivos. A tese da preponderância das decisões europeias sobre os rumos da África é a todo momento explorada em diversas páginas do livro: o processo de afirmação do domínio é sempre aos modos europeus, desde a autoridade regional que “cede” os direitos através de uma marcação em algum documento, semelhante a uma assinatura de contrato, algo totalmente alienígena a algumas culturas africanas da época, até a pura e simples intimidação através da via militar. Entretanto, apesar de o autor sempre afirmar sua tese, são expostos argumentos ao longo do próprio livro que negam uma passividade que tal tese pode por ventura parecer defender. As dificuldades encontradas pelos europeus nas resistências africanas, sobretudo nas regiões do Sudão e da África Oriental, mostram que, mesmo decidindo o destino dos africanos, os europeus não tomaram decisões sem situações determinantes, não houve a famosa demarcação de protetorados e colônias no mapa sobre a mesa da Conferencia de Berlim. Por mais que as decisões finais fossem europeias, as resistências africanas determinaram as possibilidades destas decisões.

Outro ponto para qual o autor atenta diz respeito às atitudes dos europeus entre si. Wesseling afirma que as nações europeias não chegaram a ultrapassar os limites das negociações diplomáticas no processo da partilha, apesar destas terem sido na maioria das vezes acaloradas e de França e Inglaterra quase terem chegado a um conflito armado em questões referentes à África Ocidental. Entretanto, se o conflito armado não foi promovido pelos Estados europeus, alguns de seus cidadãos o fizeram, e por isso Wesseling dispõe de longas páginas para narrar o conflito ocorrido entre colonos de origem holandesa e inglesa no sul da África conhecido como Guerra dos Bôeres.

As biografias também ocupam um número considerável de páginas na referida obra. Como o autor admite na introdução que o livro “preocupa-se sobretudo com as pessoas e suas motivações”, dando “mais ênfase aos fatores individuais que aos de grupos, aos concretos que aos abstratos”, estão presentes no trabalho as histórias pessoais dos principais envolvidos no processo de partilha da África, geralmente de forma sarcástica e bem-humorada, com detalhes às vezes pouco elogiosos, mas que talvez expliquem o porquê das motivações dos homens que promoveram este episódio da História. Muitos historiadores podem não dar muita importância para as biografias, mas pelo menos na obra de Wesseling, através delas temos pistas de, por exemplo, porque Gladstone ou Bismark modificaram suas idéias sobre o colonialismo e passaram a participar da “corrida pela África”, o que levou Leopoldo a iniciar sua cruzada pessoal obsessiva por uma colônia (onde quer que ela fosse), que influência tiveram as histórias sobre Gordon ou o paxá Emin sobre a opinião pública nos países envolvidos na partilha ou o que motivava homens como Peters ou Stanley a promover suas aventuras que tanto encantaram os povos de todo o mundo através dos jornais, de certa forma legitimando a exploração do continente africano aos olhos da população.


Por sua capacidade de apresentar aspectos desconhecidos ao público e desfazer-se de vícios e meias-verdades reproduzidas ao longo dos anos, e por ser uma novidade historiográfica para os pesquisadores e estudantes brasileiros, “Dividir para Dominar: A Partilha da África – 1880-1914” merece especial atenção de todos os interessados na História da África, e tem potencial para abrir as portas para pesquisas na área, que ainda carece de novidades, e a para a melhor formação de especialistas brasileiros sobre o assunto.


Editora: Revan / UFRJ

Páginas: 464
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *