segunda-feira, 14 de julho de 2008

A escravidão na África - Paul E. Lovejoy


A História tem modas, e tirando as muito momentâneas provocadas por datas comemorativas (transferência da corte, 1968, imigração japonesa), a bola da vez aqui no Brasil é a História da África. Em relação à História européia, o estudo sistemático e sério sobre a África é muito recente, coisa de algumas décadas, e mais recente ainda é sua popularização, mas já vemos os efeitos da lei de 2003 que obriga o ensino de História da África nas escolas, em alguns livros didáticos, nos cursos de pós-graduação e na reformulação do currículo das faculdades de História. Eu mesmo embarquei nessa onda e fiz minha pós em História da África, já que na minha época de faculdade ainda não existiam disciplinas afins, nem mesmo eletivas, e eu não queria ficar ultrapassado nesse ponto. Confesso que, pelo fato do curso ter tido uma qualidade muito abaixo do esperado, eram raras as vezes que eu assistia a um sábado inteiro de aula, sendo mais comum eu chegar, assinar a lista e nem saber como é a cara do professor, mas sempre me esforcei individualmente lendo todos os textos e indo muito além da bibliografia básica, coisa que faço até hoje para fortalecer meus conhecimentos a respeito do assunto. E por isso resolvi ler “A escravidão na África – uma história de suas transformações”, de Paul E. Lovejoy, um livro fundamental para os estudiosos da área.

Lovejoy faz aqui uma obra de síntese, apresentando o panorama da escravidão em todas as regiões da África, em diversos momentos históricos, seja sob a égide dos europeus ou dos próprios africanos, que já a praticavam tradicionalmente, mas que isso não sirva de justificativa histórica para o tráfico de escravos para a América, já que antes se tratava de uma escravidão doméstica de linhagem, diferente da escravidão desenvolvida nas grandes plantações de cana e café. Não se sabe quando a escravidão teve início na África, mas o fato é que perdurou até a década de 1930 em algumas áreas. É, já estava acontecendo Copa do Mundo, vôos comerciais, cinema falado e ainda existia escravidão no mundo, dá para acreditar? Ma pensando melhor, não é nada surpreendente, já que uma década depois ainda viria a ocorrer o Holocausto, e o apartheid só terminaria meio século mais tarde...

O livro é iniciado com uma breve explicação sobre aspectos fundamentais da escravidão na África, sua importância na configuração social, a influência do islamismo e o tráfico de escravos, e depois parte para uma abordagem mais particular para as três regiões destacadas pelo autor: África islâmica, Costa Ocidental e África Central e Oriental. Há uma progressão temporal através dos capítulos, e percebe-se claramente as mudanças ocorridas através dos séculos em que o tráfico de escravos foi se desenvolvendo, e o inferno que a África foi se tornando por causa da demanda de escravos dos europeus, que contribuiu para o aumento das razias (tipo de guerras com o fim de escravizar prisioneiros), da instabilidade política e do caos total.

Outro mérito deste livro é a discussão a respeito da autonomia da África em relação à sua História: os europeus tiveram óbvia influência no desencadear dos acontecimentos no continente negro, mas não foram eles que determinaram sua História, mas sim as situações vividas na própria África, desde a questão da escravização até as lutas contra a escravidão, determinadas pela reação dos escravos, e não só pelo abolicionismo inglês, como muito já foi mostrado erroneamente. Já o lado negativo do livro são algumas partes muito específicas sobre certas regiões africanas, digamos, algumas páginas dedicadas à quantidade de escravos utilizados na plantação de cravo em Zanzibar na década de 1840, coisas do tipo.

“A escravidão na África – uma história de suas transformações” é uma das leituras básicas da História da África para historiadores e professores nos dias de hoje, esclarecedor e, para os que não são familiarizados com o assunto, surpreendente. Mas apesar de ser uma obra de síntese, a linguagem é especializada, requerendo conhecimentos prévios do leitor, e muitas vezes maçante. Se você não é da área, não se dê ao trabalho de ler suas quase 500 páginas; em caso de dúvida ou curiosidade, consulte o professor de História mais próximo de você.

Editora: Civilização Brasileira
Páginas: 497
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

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