segunda-feira, 14 de julho de 2008

As crônicas de Artur - Bernard Cornwell



Meu interesse pela lenda de Artur começou muito antes de eu saber que esta série existia (na verdade, nem sei se na época já existia mesmo). Qualquer criança (pelo menos da minha época) já ouviu falar dessa história, meio que impregnada na sabedoria popular como um Príncipe Valente, um Davi e Golias ou um Saci-Pererê, e desde então eu já simpatizei com ela. Mas meu interesse maior veio depois que eu li um gibi chamado "Camelot 3000", que mostrava Artur e os cavaleiros da Távola Redonda reencarnados no futuro. Anos depois, eu descobri o primeiro volume da trilogia de Cornwell, li freneticamente e comprei o segundo volume, mas por questões de tempo fui deixando pra depois, pra poder ler com mais calma, até que me dei conta de que não lembrava mais de certas passagens importantes do primeiro volume. Foi então que eu resolvi relê-lo em 2007 e comecei a ler "O inimigo de Deus" no primeiro dia de 2008, finalizando a epopéia semanas depois.

"As crônicas de Artur" são uma série de Bernard Cornwell em três livros que narram a defesa da Britânia (atual Inglaterra) contra as invasões anglo-saxônicas a partir do século V, liderada por uma líder chamado Artur, o mesmo da lenda, mas o qual o autor se recusa a chamar de "rei Artur". A saga trata a lenda de Artur de uma ótica mais realista, baseada em estudos arqueológicos que contestam a existência de Artur como um rei, mas sim como um general que liderou os britânicos contra os invasores saxões. E o realismo não se resume a isso: os personagens são tratados como seres humanos sem nenhuma idealização de lendas. Merlim não é aquele bruxo recluso e misterioso, mas sim um druida que, apesar de respeitado e temido como o mais poderoso sacerdote pagão da Britânia, apresenta atitudes nada nobres. Artur é um homem bom e justo, mas não recusa fazer acordos de conseqüências dramáticas para seu povo para cumprir objetivos maiores. Lancelot está longe de ser o cavaleiro mais corajoso. E por aí vai. É o gênero "romance histórico", pelo qual cada dia me interesso mais.

No primeiro volume da série, “O rei do Inverno”, são apresentados os personagens clássicos, mas à primeira vista a maioria deles só tem mesmo os nomes em comum com a lenda arturiana. Mordred não é o inimigo de Artur? Guinivere não é a rainha apaixonada que trai Artur com seu melhor cavaleiro, Lancelot, e ambos se sentem profundamente arrependidos? Galahad não é o mais puro dos cavaleiros que busca o Santo Graal? Nimue não é a dama do lago que leva Merlin para a perdição? Afinal, Artur não é o “Rei Artur”? Todas estas perguntas pairaram sobre minha cabeça das primeiras até a última página deste volume, mas parece que a genialidade de Bernard Cornwell foi capaz de transformar estas “incorreções” – que poderiam chocar um apreciador da lenda de Artur - em ingredientes viciantes da trilogia, que fazem com que o leitor peça mais e queira saber logo como se desenrolará a trama.

Fora este choque inicial, “O rei do Inverno” mostra a transformação do narrador, Derfel (lê-se Dervel), de um jovem inseguro em um guerreiro respeitado e temido pelos adversários e, posteriormente, em uma incompreensível figura pacata e subserviente a um de seus piores opositores. É claro que esta incompreensão também é resolvida através das páginas da trilogia.
Um dos pontos fortes da narrativa de Cornwell são os detalhes das batalhas e a narração em primeira pessoa de Derfel durante as mais de 1500 páginas da saga. É muito interessante como o autor consegue passar a impressão de que o narrador às vezes esconde seus reais sentimentos, assim como é muito forte o sentimento de nostalgia presente nas ocasiões importantes da vida de Derfel, mas principalmente nas pequenas coisas, como na verdade são os nossos sentimentos a respeito do passado saudoso.

O inimigo de Deus é o segundo livro da trilogia. Confesso que o primeiro volume é muito superior ao segundo, já que este compreende períodos menos tensos da vida dos personagens na maior parte da obra, mas tem o mérito de apresentar reviravoltas e explicações importantes para a trama. A meu ver, o primeiro volume tem um final muito menos aberto e menos dependente de seu volume posterior do que o segundo, o que faz com que este deixe o leitor ainda mais nervoso em devorar logo o terceiro volume da série.

Excalibur é a última parte da trilogia. Tão empolgante quanto os outros livros, este volume ainda tem o mérito de (além de obviamente finalizar a saga) apresentar uma coerência com a lenda arturiana: o terceiro volume coloca os papéis dos personagens clássicos em seus devidos lugares. Mas além disso, em Excalibur Cornwell se responsabiliza em promover a redenção de certos personagens que passamos a odiar nos outros dois volumes, e punir aqueles que merecem, para o prazer do leitor!

Ao mesmo tempo em que devorava as páginas rapidamente para saber logo o destino dos personagens (principalmente Derfel, o narrador, que desde as primeiras páginas do primeiro volume é apresentado no final de sua vida, tão diferente do que ele narra sobre a sua juventude, e por isso a curiosidade aumenta ainda mais), eu não queria terminar o livro, porque isso significaria que a maravilhosa epopéia chegaria ao fim. Mas felizmente não foi isso que aconteceu após a última página, pois posso dizer que o autor me deixou bastante à vontade para imaginar os últimos momentos de Derfel, por quanto tempo e de quantas maneiras eu quiser, e me deu a chance de, caso seja meu desejo, continuar acreditando que Artur não morreu, mas foi levado para Avalon para se curar de seu ferimento mortal e espera calmamente o dia em que irá retornar para nos trazer de volta uma era em que homens se faziam lembrar pelo seu valor e suas realizações, e não por estarem “na casa mais vigiada do Brasil” ou coisas deste nível...

Independente se você gosta de história ou não, "As crônicas de Artur" valem muito à pena como uma leitura deliciosamente viciante, tanto pela imaginação delirante de Bernard Cornwell como pela sua magnífica habilidade como contador de histórias. Se você ainda não conhece o autor, comece por “As crônicas de Artur”, como eu comecei, e garanto que logo em seguida você nem vai saber qual o próximo livro deste autor.
Editora: Record
Páginas: 544 + 513 + 529 = 1586 (os três volumes)
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

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