quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O Crepúsculo do Macho - Fernando Gabeira


Outubro de 2008. Faltavam poucos dias para as eleições municipais no Rio de Janeiro, e obviamente só se falava nisso, além das tragédias sensacionalistas de sempre. Procurando despretensiosamente algo para ler em uma das bibliotecas que tenho acesso às minhas leituras - no caso, a do meu avô - meu olhar bate coincidentemente direto no livro “O Crepúsculo do Macho”, do candidato Fernando Gabeira e, na onda das musiquinhas de candidatos nos carros de som, pintou a oportunidade de tirar algum proveito dessa época tão deprimente.

“O Crepúsculo do Macho” é continuação direta de “O que é isso Companheiro?”, livro que li após ver o excelente filme de Bruno Barreto e adorei. Na verdade, o filme representa o último capítulo do livro, quando o embaixador americano é seqüestrado pelo MR-8, mas o original aborda bastante o que veio antes deste episódio; já “O Crepúsculo do Macho” começa logo após a extradição de Gabeira – que estava preso e foi trocado pela libertação de outro embaixador.

O ex-guerrilheiro / jornalista / escritor / fotógrafo / deputado federal / defensor da maconha e agora candidato derrotado à prefeitura do Rio de Janeiro apresenta seu exílio por diferentes países de modo não muito convencional, sem uma marcação muito clara da cronologia e com divagações e expressões de sentimentos muito acentuados. Como é de se esperar de um livro deste autor, e ainda mais com este título, “O Crepúsculo do Macho” é regado de sexo, drogas e rock’n’roll, mas se você acha que vai se deparar com conteúdo homossexual por causa desse título sugestivo, está enganado. Não há nada disso nas suas páginas, muito pelo contrário, o que se lê são casos de pegação com suecas, alemãs e amiguinhas brasileiras dos velhos tempos. Se você me perguntar então o porquê deste título, não saberei responder com precisão, mas me aprece que ele se refere a mudanças na sua vida durante o exílio, a começar pela decepção e o distanciamento dele com a luta da esquerda – fato que lhe garantiu o status de “desbundado”, termo da época usado para apontar os rebeldes que largavam a luta.

“O Crepúsculo do Macho” é, além de um relato histórico de um rebelde que participou ativamente deste período negro da História do Brasil, um agradável livro autobiográfico que mostra os sentimentos de um homem participativo em um mundo que desabava, e de onde estava, este homem não podia mais fazer nada para mudar o curso da história. “O que é isso Companheiro?” termina com a frase “Tchau Vera Cruz, Tchau Santa cruz, Tchau Brasil”, dita por um homem dentro de um avião partindo para a Argélia. “O Crepúsculo do Macho” termina com este homem no mesmo lugar, mas na direção contrária, retornando após a anistia, profundamente modificado em seu interior, e prestes a vestir sua sunga de crochê na praia e escandalizar a sociedade até hoje.

Editora: Codecri
Páginas: 245
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *

Resenha relacionada: Entradas e Bandeiras - Fernando Gabeira

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Utopias Piratas: mouros, hereges e renegados - Peter L. Wilson


Piratas: bandidos renegados que cruzam os mares roubando e saqueando, sem lei nem rei, ao sabor do vento, seguindo seus instintos básicos na boemia e luxúria em cada porto ou inferninho em terra firma, subvertendo a ordem e sabotando o sistema, seja lá de que época for. Tem como não gostar deles? Os piratas existiram em diferentes épocas e locais do mundo, e existem até hoje (da maneira clássica, como os que saqueiam a costa da Somália em busca de resgates de milhões de dólares, ou pós-moderna, roubando propriedade intelectual ao invés de bens físicos). Um desses lugares foi o norte da África, durante o século XVII, e sobre esta especificidade Peter Lamborn Wilson nos conta alguma coisa em “Utopias Piratas: mouros, hereges e renegados”.

Ausente em qualquer livro didático ou obra geral de história, a região conhecida como Barbária abrangia a costa africana compreendida entre a Líbia e o Marrocos atuais, e pertencia ao Império Otomano, porém com certa liberdade e autonomia. Em seu livro, P. L. Wilson nos apresenta aspectos surpreendentes sobre esta região, analisando suas principais bases piratas – Trípoli, Tunis, Argel e Salé (atualmente capitais de Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos, respectivamente). Nada de anormal existiria nesses antros de bandidos que permitisse um estudo surpreendente para o público não especializado, não fosse a forte presença de europeus que fugiam de suas terras e se estabelecessem em territórios maometanos, promovendo conseqüentemente sua conversão ao islamismo. E é justamente esta a preocupação central do autor: quem eram estes homens que largavam a Europa, se convertiam e passavam o resto de suas vidas lutando contra seus conterrâneos? Quais eram suas motivações? Que diferenças havia entre o modo de vida das sociedades cristã e muçulmana que determinavam essa vira-casaca?

Apesar de dedicar capítulos próprios para cada uma das principais cidades citadas acima, o autor tem como sua principal preocupação Salé, a seu ver uma república proto-democrática, talvez o elo perdido entre a Grécia clássica e as democracias contemporâneas. Passando pela análise social, econômica e cultural dos locais abordados, o autor apresenta casos específicos e biografias de piratas célebres e observadores externos, enchendo o livro de transcrições de fontes escritas, que em algumas ocasiões cansam. A escrita de Wilson é leve e com muito bom humor, como já é característico dos livros da editora Conrad que seguem esta linha.

“Utopias Piratas” é uma obra agradável a pessoas que já torceram para Robin Hood ou Han Solo, que se interessam por personagens históricos como Lampião, Lamarca ou Zumbi, ou que pelo menos tentam entender (mesmo sem concordar com) ações de tipos como Carlos Chacal, Osama Bin Laden, o IRA ou o Sendero Luminoso. Afinal, membros de entidades estudantis, hooligans, punks, hackers e até mesmo senhoras pertencentes a alguma dessas pastorais, todos eles, se tivessem vivido há 300 anos na Europa, teriam ficado tentados a se juntar aos piratas de Salé.

Editora: Conrad
Páginas: 190
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Marx sem ismos - Francisco Fernandez Buey


Marx criou idéias revolucionárias a respeito do capitalismo e da questão da riqueza no mundo, mas num certo ponto de sua vida chegou a admitir: “eu não sou marxista”. Não que depois de velho ele tenha se cansado de tudo aquilo, a famosa frase só nos mostra que, ainda com o rebelde vivo, seu pensamento foi modificado a tal ponto que nem ele mesmo concordava com o que diziam sobre seus escritos presentes em “O Capital” ou “Manifesto Comunista”, o que dirá se ele tivesse conhecido Stalin ou Mao. Francisco Fernandez Buey apresenta em “Marx sem ismos” justamente o que propõe o título: uma análise das idéias do pai do comunismo de acordo com o mundo onde viveu, sem interpretações distorcidas ou adaptadas para a realidade do século XX.

Me parece que este livro agrada a qualquer tipo de leitor, pois me foi recomendado por um professor universitário muito fera em marxismo, e eu, que tenho conhecimentos limitadíssimos sobre o assunto, também achei excelente. O autor apresenta as idéias de Marx de forma cronológica, analisando paralelamente os momentos da vida do pensador, e como estes influenciaram seu pensamento e sua produção. Uma biografia intelectual, escrita de forma simples e descontraída.

Em “Marx sem ismos”, temos à disposição os principais preceitos marxistas bem elucidados, sem erudição acadêmica extrema, mas num nível acima de livros da série “ em 90 minutos”. Sempre tive medo de encarar um Marx na frente, não por si só, mas por causa de sua influência básica, o filósofo Hegel, que está para a filosofia assim como o Tiamat está para a Caverna do Dragão. Eu não pegava os liros de Marx porque achava que antes tinha que entender Hegel, e desistia. Com esta leitura clara pude conhecer melhor os conceitos de mais-valia, alienação e tudo mais que se tem direito, com exceção do tal do materialismo, única parte que nem assim entendi, mas talvez um dia eu entenda. A leitura começa com um Marx jovem, absorvendo suas influências, e termina com sua obra definitiva, porém inacabada: O Capital. Nesse meio tempo, o Manifesto Comunista, o apoio de Engels, as dificuldades financeiras e tudo mais.

Interessante é a análise do autor sobre questões como “Marx era anti-semita?”, “Marx era totalitarista?”, todas elas respondidas de acordo com a realidade de sua época, e não com os olhos do século XXI. O último capítulo ainda se chama “Dez respostas sobre Marx e os marxismos”, entre elas “O que significa ser comunista, hoje?”. Excelente livro, nota 10, recomendado para todos que desejam conhecer esse conjunto de idéias que não podemos afirmar com clareza se fizeram mais bem ou mal para a humanidade, mas que com certeza o mundo não seria nem um pouco parecido com o que conhecemos hoje se não tivessem existido.

Editora: UFRJ
Páginas: 257
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *