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sexta-feira, 4 de julho de 2014

Mente Espontânea - Allen Ginsberg

Conhecer a vida de um autor, suas experiências, ideias e posições perante sua realidade, é sempre vantajoso para quem aprecia sua obra e busca maior compreensão sobre ela. No caso de alguns esse conhecimento é menos necessário, de outros mais, porém o que dizer da obra poética de Allen Ginsberg, que é basicamente tudo o que o poeta beat experimentou e viveu nos anos mais intensos da história recente da humanidade? Uma biografia ou um livro de memórias poderia ser bastante proveitoso para tal fim, mas no caso de Ginsberg, uma cabeça brilhante que funcionava sempre a mil por hora, me pareceu bem adequado o lançamento de Mente Espontânea - Entrevistas 1958-1996, livro no qual suas memórias e posicionamentos acerca da política, sexualidade, religião e os mais variados temas foram capturados no calor das discussões e após perguntas imediatas, sem tempo para pensar o que dizer para os entrevistadores, seguindo o lema budista tão apreciado pelo fiel seguidor de seus preceitos que Ginsberg foi: primeiro pensamento, melhor pensamento.  

Mente Espontânea é uma coletânea de trinta entrevistas nas mais diversas fases de sua vida, nas quais diversos assuntos são abordados, pelos mais variados tipos de entrevistadores (de ativistas gays a reacionários religiosos ultraconservadores, e até um interrogatório em um julgamento). Seus pensamentos e interesses podem variar de acordo com o ano da entrevista, mas a franqueza em suas respostas e o despudor para abrir sua privacidade a estranhos são as mesmas em qualquer momento, seja explicando métodos de meditação ou divagando sobre o pênis de Jack Kerouac. Ao mesmo tempo em que Ginsberg abre sua mente para seus leitores, histórias e lembranças surgem, elucidando diversas passagens de poemas que podem parecer obscuros numa primeira leitura. 

É verdade que de trinta entrevistas não podemos considerar todas excelentes, já que alguns temas podem não agradar a todos - utilizar uma entrevista inteira para, por exemplo, explicar aspectos técnicos de poesia não é bem a coisa que alguém que não é poeta de ofício vá se interessar -, mas a maioria delas é um deleite para os fãs de Ginsberg e, mais do que isso, tais entrevistas são essenciais para os que desejam se aprofundar em seu universo e do movimento beat em geral. É uma pena que a obra de Allen Ginsberg não seja tão difundida no Brasil, até porque, como eu já disse anteriormente, seu trabalho é bem atrelado à sua realidade e sua linguagem é deveras heterodoxa para uma tradução adequada, mas eu recomendo o esforço de pelo menos se tentar conhecer esse grande poeta que a cada dia me encanta mais com seus trabalhos revolucionários que estou conhecendo mais profundamente aos poucos, processo que se intensificou mais ainda depois da leitura dessa coletânea.

Editora: Novo Século
Páginas: 615
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

p.s.: o livro chegou a mim com a seguinte dedicatória: "Acredito em fazer por merecer nosso caminho, mas também acredito em um presente inesperado. - Borboletas - Charles Bukowski" "Obrigada por surgir. Da sua." - Obrigado digo eu, boba...

sábado, 17 de dezembro de 2011

Escritores em Ação - vários autores

Quem gosta de livros sabe que, após a leitura de alguns trabalhos de um autor querido (às vezes logo o primeiro já é suficiente), surge a necessidade de ultrapassar o limite da ficção criada naquelas páginas e conhecer os detalhes da realidade por trás daquilo, como histórias da vida do autor e o momento em que o livro foi escrito. Quando o vício vira obsessão, o que é comum também e até saudável entre os amantes das letras, a necessidade por informações cresce, e geralmente a mania não se limita a um autor. Para os que são fanáticos por um determinado autor, existem as biografias, não raramente maiores que os próprios trabalhos do autor - exceto para fãs de autores obscuros ou locais, sofredores em potencial. Mas há também publicações que abordam algum determinado estilo ou época literária, abarcando diversos autores.

Para os interessados em literatura do século XX como eu, ainda pode ser encontrado em sebos um livrinho publicado pela Paz e Terra na década de 80, chamado Escritores em Ação, que reúne entrevistas de 14 autores para uma revista francesa chamada Paris Review - a saber: François Mauriac, William Faulkner, Georges Simenon, Alberto Moravia, Trumam Capote, Françoise Sagan, Ezra Pound, T.S.Eliot, Henry Miller, Aldous Huxley, Ernest Hemimgway, Lawrence Durrel, Mary McCarthy e E.M.Foster. Essas entrevistas começaram a ser publicadas em 1953, no primeiro número da revista; alguns estavam ainda produzindo partes importantes de suas obras, outros já estavam no final de suas carreiras, como Huxley, que na época escrevia seu último livro.

Paris Review era uma revista de vanguarda, que rejeitava as convenções da época, e preferia publicar contos e poemas de novos autores do que críticas sobre clássicos da literatura. As entrevistas da Paris Review ficaram famosas por conta da qualidade de seu conteúdo - apesar da inexperiência no campo jornalístico, os entrevistadores realmente conheciam o trabalho de seus entrevistados, o que resultava em perguntas inteligentes e respostas variadas, dependendo do humor do escritor. Nessas entrevistas, mais do que conhecer detalhes sobre as ficções que tanto nos encantam, descobrimos o lado pessoal de nossos heróis literários, mesmo que as perguntas pessoais não tenham tanto espaço. A abordagem central das entrevistas é sempre o processo de criação dos livros, coisas como inspiração, horários de trabalho, origem dos nomes dos personagens, mas as respostas para esse tipo de questões revelam bastante sobre cada um dos escritores.

Apesar de alguns dos entrevistados não serem muito conhecidos aqui no Brasil, é curioso ler sobre todos eles e comparar seus métodos e suas personalidades, para chegar à conclusão que, definitivamente, não há método fixo para se escrever um livro. É certo que quatro fases da produção de um livro existem para todos: a experiência ou vivência do autor, a meditação sobre aquilo, o rascunho e a revisão. O que varia, e muito, é o tempo de cada uma dessas fases. Alguns autores ficam com determinada ideia durante anos em sua mente, e subitamente escrevem sobre aquilo um dia. Outros observam alguma cena e logo poem-se a escrever, mas podem demorar anos no desenvolvimento. Há também os que concluem rapidamente um texto, porém gastam muita energia em sua revisão, a ponto de o texto revisado não ter mais quase nenhuma relação com o original. 

Horários e locais de trabalho também variam bastante, bem como a produtividade de cada um. Georges Simenon, por exemplo, escrevia seus romances em poucos dias - e não por acaso produziu cerca de 500 livros em sua vida. Françoise Sagan era uma adolescente de 19 anos quando publicou seu primeiro romance; Henry Miller passou por muita coisa na vida até ter seu primeiro livro aceito por uma editora, quando já tinha mais de 40 anos. E quanto às personalidades do autores? Trumamn Capote só conseguia se concentrar para escrever deitado no sofá, fumando e bebendo café. Aldous Huxley foi um verdadeiro gentleman inglês com os jovens entrevistadores, enquanto Hemimgway não fazia nenhuma questão de esconder seu humor devastador com perguntas que julgava cretinas: "O fato de eu estar interrompendo um trabalho sério para responder a estas perguntas prova que sou tão estúpido que deveria ser seriamente castigado. Eu o serei. Não se preocupe." - respondeu o escritor mais machão da história ao ser perguntado se achava fácil "passar de um plano para outro, ou prossegue até terminar o que começa". 

Comprei esse livro há cerca de 10 anos, quando ainda não estava esgotado na editora, e na época só li os capítulos que me interessavam, sobre Miller, Huxley e Hemimgway, pegando o livro novamente para ler todas as entrevistas só depois desse tempo todo. É um livro fácil, pode ser lido aos poucos, e muito interessante para quem gosta dessa fase literária. Só não crie expectativas de descobrir como escrever um romance a partir dos métodos desses autores, definitivamente não vai dar certo.

Editora: Paz e Terra
Páginas: 339
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *