quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O Turno da Noite, vol.1 - André Vianco

Ouvi falar deste autor através de amigos nerds como eu, que curtem ficção científica, super-heróis, histórias de terror e afins. André Vianco, um escritor que cria histórias de vampiros ambientadas no Brasil. Minha curiosidade cessou quando encontrei um livro seu com desconto no site da livraria que geralmente faço compras. Na verdade eram uma trilogia encadernada e dois outros livros por R$ 80 – o preço cheio é R$ 160. Eu sei que não se compra 5 livros de um autor que nunca se leu, mas, assumo, caí na armadilha da promoção.

Logo que chegaram os livros, fiquei insatisfeito com os dois separados, pois na verdade eram duas histórias em quadrinhos contando as origens dos vampiros da saga de Vianco. Não que eu não goste de quadrinhos, pelo contrário, é meu hobby principal desde que aprendi a ler, o problema é que se trata de uma coisa tão malfeita, com desenhos (pretensamente) no estilo mangá tão ridículos que já estão separados para serem vendidos no Mercado Livre.

Ignorando os gibis medíocres, comecei a ler a tal trilogia, denominada “O Turno da Noite”. Apesar de ser uma continuação de livros anteriores de André Vianco, dá para entender perfeitamente, já que as referências não são obscuras para fãs ardorosos. A história narrada começa com quatro jovens que recentemente foram transformados em vampiros. Sem saber o que fazer e para onde ir, são aliciados por Inácio, outro vampiro mais experiente, recebendo proteção e certos mimos (tipo um apartamento de luxo e algumas bolsas de sangue!) em troca da prestação de certos servicinhos – matar pessoas, todas elas aparentemente más, como traficantes e assassinos de mendigos. Por que Inácio, cheio de poderes vampirescos, precisa de quatro calouros para estes serviços? Até o final da trilogia isto deve ser revelado, mas eu não descobri porque parei logo depois de terminar o primeiro volume (tentei ler algum spoiler na internet, mas parece que ninguém se interessou em escrever sobre este livro...).

É um livro ruim? Não, não chega a tanto. É simplesmente... sem graça. A escrita de André Vianco não é fraca, mas também não se destaca, e a história não é excitante, não prende a atenção, não pede mais. Após a leitura do primeiro volume, perdi completamente o interesse, tentei começar o segundo, mas a leitura foi se arrastando, se arrastando, até que tomei coragem de assumir que fiz merda comprando logo um monte de livros de um autor que só havia ouvido falar bem. Talvez seus livros anteriores, os que o deixaram famoso, sejam melhores, mas talvez a necessidade de lançar livros regularmente tenha feito o autor escrever uma obra fraquinha, e essa foi a primeira impressão que tive, me desestimulando a ler outros de seus livros.

Editora: Novo Século
Páginas: 240
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

Livro Digital



sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Lobo das Planícies - Conn Iggulden

Sempre achei fantástica a história de Gêngis Khan, simplesmente por ter sido o homem que formou e comandou o maior império que a humanidade já conheceu. Acompanhando em livros, filmes e programas de TV, passei a admirá-lo como exemplo de força e liderança, sempre buscando mais informações sobre esta grande personalidade, quando foi lançado “O Lobo das Planícies”, primeiro livro da série de Conn Iggulden que apresenta a história de Gêngis Khan na forma de romance, estilo conhecido como ficção histórica.

Comecei a gostar de ficção histórica logo na adolescência, através de um livro chamado “Jovita: Missão Trágica no Paraguai”, mas me encantei mesmo com a série de Bernard Cornwell sobre o rei Artur, resenhada no início deste blog. Com o tempo passei a enjoar do estilo repetitivo deste autor, e buscando novos representantes cheguei a Conn Iggulden.

Em “O Lobo das Planícies”, Conn Iggulden mostra a formação do impiedoso conquistador, desde seu nascimento como filho de um cã (chefe tribal mongol) até suas primeiras vitórias como líder militar, passando por todas as dificuldades e momentos de limiar entre a vida e a morte que o fizeram forte. A impressão que tive com este primeiro livro foi muito boa, seu estilo é agradável, em terceira pessoa (diferente de Cornwell, que narra em primeira pessoa como se todos os seus personagens fossem o mesmo), leve, sem descrições enfadonhas e com uma história que, se não apresenta muitas surpresas, pelo menos diverte e prende o leitor para saber até que ponto a história de Gêngis Khan será mostrada neste primeiro volume da série.

Conn Iggulden começou a se enveredar pela ficção histórica com uma série sobre Júlio César (outro grande conquistador – será essa a fixação do autor?), mas escreveu também um best-seller chamado “O Livro Perigoso para Garotos”, um infanto-juvenil que me surpreendeu após uma rápida folheada na livraria, e que pretendo ler futuramente e dar para meu afilhado quando ele atingir idade suficiente. Certamente este autor foi uma boa descoberta neste ano intenso de leituras.

Editora: Record
Páginas: 419
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

Livro Digital

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Quarup - Antônio Callado



Quarup é mais um grande clássico da literatura que tentei ler durante este ano cheio de descobertas literárias. Influenciado pelos elogios a este livro de Antônio Callado, peguei-o na biblioteca da escola onde trabalho para verificar se realmente era isso tudo que os outros falam. Mais uma vez me dei mal em cair na propaganda da “alta literatura”. Pode-se argumentar que Quarup é sofisticado, a escrita de Antônio Callado é fina e muito bem trabalhada e que o tema histórico explorado é bastante interessante. Não me oponho a nenhuma das defesas expostas acima, mas... precisava ser tão chato?

A trama do livro se inicia no final do governo Vargas, pouco antes de seu suicídio, e se estende até a ditadura militar. O personagem principal é Nando, um jovem padre pernambucano que sonha em construir uma sociedade indígena baseada nas missões jesuíticas do século XVIII no interior do país, mas com o passar do tempo suas vivências e o contato com a sociedade da capital lhe desiludem e ele vai largando seus ideais e se torna um novo homem.

O pano de fundo não é original (um padre que larga a batina, essa é velha), mas a ligação com a história do Brasil é bem feita e a forma de escrever de Callado é muito bonita, mas teria um efeito mais positivo se o tamanho da história fosse menor. O autor enrola muito, tornando bem difícil a leitura das 601 páginas desta obra clássica. Em alguns trechos, com a boa intenção de passar ao leitor o caos e a velocidade do pensamento dos personagens, o autor alarga um mesmo parágrafo em até cinco páginas! Boa idéia de Antônio Callado, só falta agora algum outro escritor aprimorá-la para não encher tanto o saco de seus leitores. Nem as tantas passagens de sexo e drogas (ainda não tinha rock´n´roll naquela época) são suficientes para amenizar a exaustão mental causada por esta leitura.

Não agüentei ler todo o livro, cheguei até a metade com a sensação de que as coisas não aconteciam e eu estava perdendo meu tempo de outras boas leituras. Minha curiosidade em saber como terminava a história não foi maior que meu tédio, mas graças à uma pesquisa rápida na internet pude dar um ponto final a esta questão e agora tenho uma certeza: Antônio Callado nunca mais!

Editora: Nova Fronteira
Páginas: 601 (se você agüentar até o final)
Disponibilidade: normal
Avaliação: * *

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

The Beatles: A Biografia - Bob Spitz


Quando Bob Spitz decidiu escrever a biografia dos Beatles, certamente sabia que o trabalho teria que ser proporcional à grandeza da banda mais importante de todos os tempos. Daí saiu “The Beatles: A Biografia”, uma obra grandiosa em todos os sentido – da quantidade de páginas ao refinamento na exploração de uma das mais famosas histórias do mundo contemporâneo, uma lenda moderna.

“The Beatles: A Biografia” é uma história muito bem contada, que passaria perfeitamente como um roteiro de filme por causa da grande quantidade de passagens lendárias, já contadas milhares de vezes através das últimas quatro décadas. Mas o diferencial em contar novamente uma história contada e recontada, quase que já na sabedoria popular, é a complexidade com que Spitz trata sobre a vida dos quatro rapazes de Liverpool e dos personagens coadjuvantes – parentes, namoradas, esposas, empresários, produtores, amigos, fãs e todos que os rodeavam. Não faltam detalhes curiosíssimos sobre todos, a começar pela cidade-base desta história. Cada um que teve alguma influência sobre os personagens é analisado e relacionado com o Fab Four.

Bob Spitz trata com toda honra os principais feitos dos Beatles, desde os recordes batidos na época da beatlemania até as revoluções musicais de Sgt. Pepper e companhia, mas não por isso deixa de apresentar o lado negativo de cada um deles (menos de Ringo, que definitivamente é um cara legal) e das pessoas relacionadas, incluindo as que ainda hoje vivem, já que geralmente os biógrafos tendem a amaciar com quem ainda pode reclamar. Spitz não tem constrangimento algum em mostrar, desde os primórdios da banda, as personalidades de John, Paul e George influenciando os rumos da história da banda (positivamente ou negativamente), as mancadas de Brian Epstein, a segurança de George Martin, a malandragem de dezenas de aproveitadores e, obviamente, a interferência de penetras, principalmente (é óbvio) Yoko Ono – fã de Beatles que não odeia Yoko Ono não é fã de Beatles.

Acho que “The Beatles: A Biografia” foi o melhor investimento em livros que fiz este ano. Comprei em promoção por quase a metade do preço e me diverti por várias semanas, mas mesmo pelo preço cheio (R$ 99) valeria à pena, pois este é daqueles livros que de tanto ler você acaba viciando e sentindo falta depois de terminar. Definitivamente recomendado a todos os fãs de rock e a quem se interessar por como se formou a música de hoje em dia.

Editora: Larousse
Páginas: 982
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

domingo, 16 de novembro de 2008

Assassinato no Expresso do Oriente - Agatha Christie


“Assassinato no Expresso Oriente” é a mais famosa aventura de Hercule Poirot, detetive belga criado por Agatha Christie que viciou alguns milhões de jovens na leitura através de gerações. A fama desta criatura e sua criadora são tão grandes que até minha irmã, de quem não se tem notícias de ter lido outro livro na vida, conhece e já leu este livro. Mas pelo incrível que pareça, depois de centenas de livros detonados, eu ainda não conhecia esta obra tão banalizada. Não dava para morrer sem ler pelo menos um livro de Agatha Christie, fosse para falar bem ou mal.

Peguei emprestado o tal do “Assassinato” com um amigo que passou pela ordem natural das coisas e leu alguns volumes das aventuras de Poirot durante a adolescência (obrigado D.Pedro!) e iniciei a experiência com alguns anos de atraso, como se estivesse vendo um episódio de Changeman ou jogando um cartucho de Master System – ou lendo Harry Potter daqui há 20 anos. A trama do livro é classicamente policial: um assassinato num trem, diversos suspeitos que estavam presentes no momento do crime, nenhuma possibilidade de fuga e Hercule Poirot no lugar chave no momento certo, o único que pode desvendar um crime que se complica a cada página.

Não sou fã de filmes policiais, e acho que nunca tinha lido um livro deste estilo, e esperava algo diferente do que li. Adoro lógica, e achei que este tipo de história corresse mais para este lado, mas minha impressão sobre este livro é que apelou-se mais para a fantasia; apresentam-se evidências, provas, mas achei que as conclusões do ilustre detetive foram um tanto... paranormais! Não que ele fosse um mutante ou coisa parecida, mas chegar à conclusão final juntando as evidências contraditória e loucas que se apresentam, não sei, foi mais para adivinho do que detetive. Elas até batem no final, mas me pareceu meio apelação. “Assassinato no Expresso Oriente” é um livro razoável na apresentação do crime e nas ações posteriores, chega a cativar inicialmente e instigar o leitor, mas dava para ser mais lógico e menos fantasioso no seu desfecho. Afinal, qual a graça de um livro onde o objetivo é descobrir o mistério e, no final, a autora inventar uma explicação louca, com um mínimo de coerência, só para zoar com o leitor?

Editora: Nova Fronteira
Páginas: 223
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

domingo, 2 de novembro de 2008

O Livro Verde do Aiatolá Khomeini


Em 1979, Aiatolá Khomeini assumiu o poder no Irã, no lugar do Xá Mohammad Reza Pahlavi, que era apoiado pelos EUA. Foi a chamada “Revolução Islâmica”, que reorganizou todas as esferas da vida no Irã e marcou o início de uma nova ordem no Oriente Médio, dificultando as coisas para os ianques. Começou aí um confronto que dura até hoje, e na época surgiu um interesse súbito na figura do aiatolá, comparável a Bin Laden depois de 11 de setembro de 2001. Nessa onda, já em 1979 foi publicado para o público ocidental “O Livro Verde dos princípios políticos, filosóficos, sociais e religiosos do Aiatolá Khomeini”, uma compilação das idéias do líder iraniano contidas em seus três livros-chave: “O Reino do Erudito”, “A Chave dos Mistérios” e “A Explicação dos Problemas”, que somam mais de mil páginas e seriam maçantes para o público não-muçulmano (ou para os muçulmanos sem neuroses).

Logo no início da leitura, percebe-se claramente que sua edição foi direcionada pelo “inimigo” ocidental, pois a edição dos temas é visivelmente conduzida no sentido de uma exposição pejorativa e tendenciosa para ridicularizar os ensinamentos do aiatolá – trabalho que não deve ter sido nem um pouco difícil, dadas as excentricidades contidas nas páginas desta “obra”. Pobres árvores que até hoje são sacrificadas para a produção desta baboseira, que serve de lavagem cerebral para uns malucos fundamentalistas, e fonte de gargalhadas para outros como eu.

Com a intenção de ridicularizar os “princípios” do aiatolá, os organizadores do livro verde adotaram a seguinte estratégia: após um breve capítulo inicial onde são expostos os princípios políticos da República Islâmica do Irã (que supostamente seria “constitucional e democrática”, mas de onde a lei provém do Corão, os países ocidentais são ditaduras, as artes são proibidas, os homens e mulheres têm direitos diferentes...), começa a (auto) ridicularização aberta. Nas “citações históricas”, fiquei sabendo, por exemplo, que Sócrates foi um grande teólogo que se refugiou numa gruta para adorar ao Deus único, e por isso foi condenado à morte pelo sultão. Já Platão foi um “grande filósofo, conhecido pelos seus princípios monoteístas e por saber muito de ciência divina. Nasceu no reino de Artaxerxes, filho de Dário(...)”. Já sobre Aristóteles, a coisa fica mais pesada: “Aviceno disse que ninguém jamais conseguiu contradizer as suas teses. Não obstante, mais tarde, o francês Descartes julgou descobrir falhas nelas. Mas os especialistas constatarão facilmente a que ponto as pretensões de Descartes em matéria de filosofia e teologia são infantis e sem fundamento!” Ou seja, descobriram novas fontes históricas que provam que os filósofos gregos eram, na verdade, persas, que os persas, na verdade, eram monoteístas, ou que os gregos, na verdade, eram governados pelo imperador persa, ou que, na verdade, eram governados pelo sultão, que na verdade não era um título de governantes muçulmanos, mas já existia na antiguidade, ou que na verdade os filósofos gregos nasceram depois do advento do Islã. Quer dizer, acho que não entendi muito bem as lições de história do aiatolá, mas pelo menos descobri que Descartes não é nada disso que falam, não fundamentou o pensamento moderno e era, na verdade, só um fanfarrão!

O escrachamento continua nas “citações sociais e religiosas – leis divinas que regem a vida cotidiana”. Uma delas, contida na parte “Da maneira de urinar e defecar”, é a seguinte: “em três casos é absolutamente necessário purificar o ânus com água: quando os excrementos foram evacuados com outras impurezas, sangue, por exemplo; quando algo impuro tiver roçado o ânus; quando o orifício anal ficou mais sujo do que de costume. Fora esses três casos, pode-se lavar o ânus com água, ou limpá-lo com um pano ou uma pedra.” Está escrito exatamente isso, com uma pedra! A lição continua com “não é necessário limpar o ânus com três pedras ou três pedaços de pano, uma só pedra ou um só pedaço de pano bastam. Mas, se se limpa o ânus com um osso ou com coisas sagradas, um papel contendo o nome de Deus, não se pode fazer as orações nesse estado.” Eu juro que é tudo verdade, quem não acreditar que compre o livro e leia com os próprios olhos!

No livro verde, há regras para quase tudo: casamento, sexo, refeições, orações, purificação de coisas, banhos... e seguem-se absurdos lógicos, físicos e morais, que facilmente caem em contradição. Se eu fosse fazer um “melhores momentos”, teria que transcrever quase que o livro todo aqui, mas vamos aos melhores-melhores momentos. Por exemplo, no Irã a homossexualidade é rigidamente coibida, mas encontrei vários furos que, se não chegam a permitir, pelo menos não a proíbem. “A mãe, a irmã e a filha de um homem que tiver sido sodomizado por outro homem, não pode casar com este último, mesmo no caso de os dois homens ou um deles não ser púbere.”“Se o homem sodomizar o filho, o irmão ou o pai de sua esposa após o casamento, este permanecerá válido”. E a sodomia entre homem e mulher também é regrada: “Durante a menstruação da mulher, é preferível o homem evitar o coito, mesmo que não a penetre completamente – ou seja, até o anel da circuncisão – e que não ejacule. É igualmente desaconselhável sodomizá-la.” Se, mesmo assim, o cara não aguentar e dar umazinha, ele tem que doar uma quantia de ouro aos pobres, variável de acordo com qual dia da menstruação ele transou. Mas... “sodomizar uma mulher menstruada não torna necessário este pagamento”. Por que tanta preocupação com a regulamentação da sodomia em um país onde ela é proibida?

Possivelmente existem trechos menos ridículos no original, mas a intenção primordial era agredir o inimigo, não apresentar uma verdadeira imagem do mesmo. Apesar de divertido para nós, com certeza este livro foi mal-entendido por leitores menos críticos e provavelmente gerou mais preconceito em relação a povos muçulmanos do que um real conhecimento sobre eles. Até porque estes “ensinamentos” foram criados pelo aiatolá Khomeini, líder religioso do Irã, não se estendendo à grande pluralidade de povos que têm como religião o Islã. Podem existir muitos muçulmanos que sigam ideias absurdas como as expostas neste livro, assim como cristãos, judeus, budistas, jainis, ou qualquer outra religião, mas mesmo que, para mim, as ideias religiosas não passem de superstição, fraqueza e medo da morte, a grande maioria de fiéis não se baseia em loucos como Khomeini para decidir com qual mão deve limpar o ânus após ir ao banheiro. Sou a favor da publicação irrestrita de qualquer material, seja o livro verde, o Mein Kampf de Hitler ou da bíblia cristã, mas que haja uma introdução crítica para as mentes menos capazes. Parece idiota, mas não subestimemos pessoas que não sabem a diferença entre árabe, turco e muçulmano, pessoas essas que são capazes de colocar um G.W. Bush por oito anos no comando da nação mais perigosa do mundo.

Editora: Record
Páginas: 133
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O Crepúsculo do Macho - Fernando Gabeira


Outubro de 2008. Faltavam poucos dias para as eleições municipais no Rio de Janeiro, e obviamente só se falava nisso, além das tragédias sensacionalistas de sempre. Procurando despretensiosamente algo para ler em uma das bibliotecas que tenho acesso às minhas leituras - no caso, a do meu avô - meu olhar bate coincidentemente direto no livro “O Crepúsculo do Macho”, do candidato Fernando Gabeira e, na onda das musiquinhas de candidatos nos carros de som, pintou a oportunidade de tirar algum proveito dessa época tão deprimente.

“O Crepúsculo do Macho” é continuação direta de “O que é isso Companheiro?”, livro que li após ver o excelente filme de Bruno Barreto e adorei. Na verdade, o filme representa o último capítulo do livro, quando o embaixador americano é seqüestrado pelo MR-8, mas o original aborda bastante o que veio antes deste episódio; já “O Crepúsculo do Macho” começa logo após a extradição de Gabeira – que estava preso e foi trocado pela libertação de outro embaixador.

O ex-guerrilheiro / jornalista / escritor / fotógrafo / deputado federal / defensor da maconha e agora candidato derrotado à prefeitura do Rio de Janeiro apresenta seu exílio por diferentes países de modo não muito convencional, sem uma marcação muito clara da cronologia e com divagações e expressões de sentimentos muito acentuados. Como é de se esperar de um livro deste autor, e ainda mais com este título, “O Crepúsculo do Macho” é regado de sexo, drogas e rock’n’roll, mas se você acha que vai se deparar com conteúdo homossexual por causa desse título sugestivo, está enganado. Não há nada disso nas suas páginas, muito pelo contrário, o que se lê são casos de pegação com suecas, alemãs e amiguinhas brasileiras dos velhos tempos. Se você me perguntar então o porquê deste título, não saberei responder com precisão, mas me aprece que ele se refere a mudanças na sua vida durante o exílio, a começar pela decepção e o distanciamento dele com a luta da esquerda – fato que lhe garantiu o status de “desbundado”, termo da época usado para apontar os rebeldes que largavam a luta.

“O Crepúsculo do Macho” é, além de um relato histórico de um rebelde que participou ativamente deste período negro da História do Brasil, um agradável livro autobiográfico que mostra os sentimentos de um homem participativo em um mundo que desabava, e de onde estava, este homem não podia mais fazer nada para mudar o curso da história. “O que é isso Companheiro?” termina com a frase “Tchau Vera Cruz, Tchau Santa cruz, Tchau Brasil”, dita por um homem dentro de um avião partindo para a Argélia. “O Crepúsculo do Macho” termina com este homem no mesmo lugar, mas na direção contrária, retornando após a anistia, profundamente modificado em seu interior, e prestes a vestir sua sunga de crochê na praia e escandalizar a sociedade até hoje.

Editora: Codecri
Páginas: 245
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *

Resenha relacionada: Entradas e Bandeiras - Fernando Gabeira

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Utopias Piratas: mouros, hereges e renegados - Peter L. Wilson


Piratas: bandidos renegados que cruzam os mares roubando e saqueando, sem lei nem rei, ao sabor do vento, seguindo seus instintos básicos na boemia e luxúria em cada porto ou inferninho em terra firma, subvertendo a ordem e sabotando o sistema, seja lá de que época for. Tem como não gostar deles? Os piratas existiram em diferentes épocas e locais do mundo, e existem até hoje (da maneira clássica, como os que saqueiam a costa da Somália em busca de resgates de milhões de dólares, ou pós-moderna, roubando propriedade intelectual ao invés de bens físicos). Um desses lugares foi o norte da África, durante o século XVII, e sobre esta especificidade Peter Lamborn Wilson nos conta alguma coisa em “Utopias Piratas: mouros, hereges e renegados”.

Ausente em qualquer livro didático ou obra geral de história, a região conhecida como Barbária abrangia a costa africana compreendida entre a Líbia e o Marrocos atuais, e pertencia ao Império Otomano, porém com certa liberdade e autonomia. Em seu livro, P. L. Wilson nos apresenta aspectos surpreendentes sobre esta região, analisando suas principais bases piratas – Trípoli, Tunis, Argel e Salé (atualmente capitais de Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos, respectivamente). Nada de anormal existiria nesses antros de bandidos que permitisse um estudo surpreendente para o público não especializado, não fosse a forte presença de europeus que fugiam de suas terras e se estabelecessem em territórios maometanos, promovendo conseqüentemente sua conversão ao islamismo. E é justamente esta a preocupação central do autor: quem eram estes homens que largavam a Europa, se convertiam e passavam o resto de suas vidas lutando contra seus conterrâneos? Quais eram suas motivações? Que diferenças havia entre o modo de vida das sociedades cristã e muçulmana que determinavam essa vira-casaca?

Apesar de dedicar capítulos próprios para cada uma das principais cidades citadas acima, o autor tem como sua principal preocupação Salé, a seu ver uma república proto-democrática, talvez o elo perdido entre a Grécia clássica e as democracias contemporâneas. Passando pela análise social, econômica e cultural dos locais abordados, o autor apresenta casos específicos e biografias de piratas célebres e observadores externos, enchendo o livro de transcrições de fontes escritas, que em algumas ocasiões cansam. A escrita de Wilson é leve e com muito bom humor, como já é característico dos livros da editora Conrad que seguem esta linha.

“Utopias Piratas” é uma obra agradável a pessoas que já torceram para Robin Hood ou Han Solo, que se interessam por personagens históricos como Lampião, Lamarca ou Zumbi, ou que pelo menos tentam entender (mesmo sem concordar com) ações de tipos como Carlos Chacal, Osama Bin Laden, o IRA ou o Sendero Luminoso. Afinal, membros de entidades estudantis, hooligans, punks, hackers e até mesmo senhoras pertencentes a alguma dessas pastorais, todos eles, se tivessem vivido há 300 anos na Europa, teriam ficado tentados a se juntar aos piratas de Salé.

Editora: Conrad
Páginas: 190
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Marx sem ismos - Francisco Fernandez Buey


Marx criou idéias revolucionárias a respeito do capitalismo e da questão da riqueza no mundo, mas num certo ponto de sua vida chegou a admitir: “eu não sou marxista”. Não que depois de velho ele tenha se cansado de tudo aquilo, a famosa frase só nos mostra que, ainda com o rebelde vivo, seu pensamento foi modificado a tal ponto que nem ele mesmo concordava com o que diziam sobre seus escritos presentes em “O Capital” ou “Manifesto Comunista”, o que dirá se ele tivesse conhecido Stalin ou Mao. Francisco Fernandez Buey apresenta em “Marx sem ismos” justamente o que propõe o título: uma análise das idéias do pai do comunismo de acordo com o mundo onde viveu, sem interpretações distorcidas ou adaptadas para a realidade do século XX.

Me parece que este livro agrada a qualquer tipo de leitor, pois me foi recomendado por um professor universitário muito fera em marxismo, e eu, que tenho conhecimentos limitadíssimos sobre o assunto, também achei excelente. O autor apresenta as idéias de Marx de forma cronológica, analisando paralelamente os momentos da vida do pensador, e como estes influenciaram seu pensamento e sua produção. Uma biografia intelectual, escrita de forma simples e descontraída.

Em “Marx sem ismos”, temos à disposição os principais preceitos marxistas bem elucidados, sem erudição acadêmica extrema, mas num nível acima de livros da série “ em 90 minutos”. Sempre tive medo de encarar um Marx na frente, não por si só, mas por causa de sua influência básica, o filósofo Hegel, que está para a filosofia assim como o Tiamat está para a Caverna do Dragão. Eu não pegava os liros de Marx porque achava que antes tinha que entender Hegel, e desistia. Com esta leitura clara pude conhecer melhor os conceitos de mais-valia, alienação e tudo mais que se tem direito, com exceção do tal do materialismo, única parte que nem assim entendi, mas talvez um dia eu entenda. A leitura começa com um Marx jovem, absorvendo suas influências, e termina com sua obra definitiva, porém inacabada: O Capital. Nesse meio tempo, o Manifesto Comunista, o apoio de Engels, as dificuldades financeiras e tudo mais.

Interessante é a análise do autor sobre questões como “Marx era anti-semita?”, “Marx era totalitarista?”, todas elas respondidas de acordo com a realidade de sua época, e não com os olhos do século XXI. O último capítulo ainda se chama “Dez respostas sobre Marx e os marxismos”, entre elas “O que significa ser comunista, hoje?”. Excelente livro, nota 10, recomendado para todos que desejam conhecer esse conjunto de idéias que não podemos afirmar com clareza se fizeram mais bem ou mal para a humanidade, mas que com certeza o mundo não seria nem um pouco parecido com o que conhecemos hoje se não tivessem existido.

Editora: UFRJ
Páginas: 257
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Guia do Mochileiro das Galáxias - Adam Douglas


Já se imaginou como o último ser humano vivo no universo inteiro, viajando pela galáxia com um amigo que você acabara de descobrir que, na verdade, é um extraterrestre? Este é o divertido pano de fundo para “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, clássico absoluto da ficção científica de Adam Douglas. Olhando assim, percebe-se um pressuposto fantástico para uma comédia surrealista, mas infelizmente o livro rende muito menos do que se pode esperar.


De tanto ouvir dizer bem desse livro, resolvi conhecê-lo neste ano de leitura extrema, e tamanha expectativa potencializou minha decepção. Não que seja um livro ruim, mas com a repercussão que causa até hoje e seu teaser intrigante, não dá para esperar o que ele realmente é: um livro razoável, com algumas passagens muito engraçadas e inteligentes, mas em sua maior parte apresentam-se piadas fracas e metáforas óbvias para fazer críticas à mediocridade humana.


“O Guia do Mochileiro das Galáxias” conta a história de Artur Dent, um homem comum que, por intermédio de um extraterrestre disfarçado de humano, descobre que o planeta Terra deixará de existir em alguns minutos. A sorte dele é que seu amigo e.t. está fazendo uma pesquisa de campo para o tal guia, e antes que o planeta vire cinzas ele descola uma caroninha e leva Dent junto. A partir de então, dá pra imaginar que vem muita aventura e confusão pela frente, mas o autor exagera um pouco e inventa situações muitas vezes absurdas até para uma obra de ficção científica. Algumas passagens são realmente engraçadas, alguns personagens bem trabalhados (os robôs da nave são hilários) e a explicação sobre a criação de nosso planeta é bacana, mas infelizmente a graça pára por aí, pois a maior parte não cola. Uma pena.


Existem outros quatro volumes da série. De repente, se eu encontrar num sebo ou biblioteca eu pego para ler no futuro, mas acho que com R$ 20,00 (preço nas livrarias) dá pra conseguir coisa melhor.

Editora: Sextante
Páginas: 204
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

Livros Digitais

sábado, 20 de setembro de 2008

Eric Clapton: A Autobiografia


Eric Clapton, guitarrista com status de divindade, passou décadas se drogando, bebendo, transando com as mais lindas garotas, se divertindo pacas ao redor do mundo e fazendo muitas merdas com a própria vida, mas desde a década de 1990 ele diz que parou com quase tudo isso, montou uma família e finalmente lançou um livro contando como tudo isso aconteceu. Definitivamente, o rock’n’roll está morto e enterrado, mas como eu gosto muito de história, decidi dar uma conferida em “Eric Clapton – a autobiografia”.

Apesar de o rock estar nas minhas entranhas desde que saí da infância, nunca fui muito fã de Clapton, que leva sua carreira muito para o lado do blues, estilo que não sou aficionado. É só mais um músico que ouço sem fixação, mas sem desconsiderar sua genialidade na guitarra. O que me levou a ler este livro foi o simples fato do cara ter vivido os anos mais loucos do rock’n’roll – estilo musical que morreu em 1996, com o fim dos Ramones, última banda a encarnar o espírito do rock.

Além de Clapton contar as maiores loucuras, irresponsabilidades e escrotices que um astro do rock podia promover, através das páginas de sua autobiografia são apresentadas situações curiosíssimas com outros músicos que cruzaram sua carreira, como Rolling Stones, Beatles, Bob Dylan, Jimi Hendrix e sobretudo George Harrison, grande amigo de Clapton e meu beatle predileto. Seria um livro excelente se as memórias terminassem na década de 1980, pois nos últimos capítulos o guitarrista fala sobre coisas sem graça como sua vida em família e sua abstenção alcoólica.

Adoro biografias, para mim são formas diferentes de se contar a história do que quer que seja – nesse caso, a história do rock’n’roll. Não desqualifico os livros de memórias pessoais como este, mas com certeza neste tipo de biografia perde-se muito, já que é uma visão pessoal, parcial e comprometida com as pessoas próximas do autor. Percebe-se que a cada capítulo o livro fica menos intenso e com menos revelações chocantes, pois passa a falar cada vez mais de pessoas vivas e que convivem com o autor ainda hoje. Por exemplo, até o momento em que ele conhece sua atual esposa, não há um capítulo do livro (exceto o primeiro, quando ele ainda é criança) que Clapton não fale de mulheres que ele pegou e puladas de cerca em suas inúmeras turnês, mas depois de seu casamento não se fala mais nesse assunto. São coisas que é melhor evitar para não serem necessárias desculpas esfarrapadas depois.

Mais do que simples memórias, me pareceu que a autobiografia de Eric Clapton teve um sentido de reconhecer o quão babaca ele foi com diversas pessoas em sua vida e tentar se desculpar e se mostrar arrependido por muitas vezes ter ferido ou tratado os outros como lixo. Clapton é um dos maiores guitarristas de todos os tempos, não um escritor de verdade, por isso seu estilo é fraco, levado pela linguagem, com vícios e gírias, especialmente um “na real” que se repete constantemente. A tradução também não ajuda com a falta de virgulas, a troca de “estada” por “estadia” durante todo o livro e um impressionante “estensos” na página 110 que passou batido pela revisão. Não se espera de um livro como esse uma obra-prima da alta literatura, mas sim histórias fascinantes sobre vários deuses sagrados do mundo do rock. Diversão garantida para quem curte.

Editora: Planeta
Páginas: 399
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

As crônicas saxônicas vol.1 e 2 - Bernard Cornwell


Estes são os livros que mais me desapontaram neste ano. Não os piores, mas os que eu mais depositei esperanças de uma boa leitura e não tive uma resposta satisfatória. “As crônicas saxônicas” partem de dois pressupostos fortíssimos: (1) foram escritas por Bernard Cornwell, autor das “Crônicas de Artur”, um de meus livros prediletos, e (2) contam histórias de vikings, um dos povos que mais me fascinam. Depois das “Crônicas de Artur”, li “O tigre de Sharpe”, que apesar de divertido não achei lá essas coisas, mas pensei que fosse uma exceção na sua obra. Mas depois de ler os dois primeiros volumes das “Crônicas saxônicas” começo a pensar que na verdade Bernard Cornwell é daqueles autores de um livro só.

Logo no início do livro, percebi uma coisa que já tinha ficado meio evidente em “O tigre de Sharpe”, que é a repetição de um modelo que deu certo na criação dos personagens de seus livros, mas entre as crônicas saxônicas e as de Artur as semelhanças entre os personagens são tantas que fica parecendo que Uthred, o protagonista das crônicas saxônicas, é a reencarnação de Derfel, o herói das crônicas de Artur. As mais evidentes estão listadas a seguir:

- O personagem principal tem uma namoradinha abusada, sádica e totalmente anti-cristã.
- A mulher do chefe é escrota e não gosta do protagonista.
- O personagem principal zomba do cristianismo, mas no futuro se converte, apesar de continuar acreditando na religião anterior.
- O personagem principal sabe (ou aprende a) ler, e nisso inclui-se também o livro de Sharpe.

As semelhanças são tão grandes que chega ao cúmulo de o último capítulo de ambos os livros terem o mesmo título (“A parede de escudos”). Um pouquinho mais de criatividade não faria mal a ninguém, sobretudo aos seus leitores!

Além dessas identificações desagradáveis, o estilo de Bernard Cornwell, que eu tanto apreciei nas crônicas de Artur, começa a ficar enjoativo para mim. Se não bastassem todas as semelhanças descritas acima, o estilo marcado faz parecer ainda mais que ambos os livros têm o mesmo narrador. Não sei se é problema da tradução, pois li um capítulo de outro livro seu (“Gallows Thief”) no original em inglês, e gostei muito. Posso até tentar daqui pra frente ler só o original, mas não sei, tem algo que já está saturado em sua escrita, como uma mania meio irritante de fechar quase todos os capítulos com uma frase solta do parágrafo. Outra furada que percebi na leitura das crônicas saxônicas foi a narração em primeira pessoa durante a infância do herói, pois ele pensa, age e fala como um adulto, o que fica bizarro e patético.

As “Crônicas saxônicas” contam a saga de Uthred, um menino saxão que vivia num forte na Inglaterra até a chegada dos invasores vikings, que matam sua família e o raptam e criam com seus modos de vida. Uthred então se transforma num autêntico viking, mas já adulto, por ironia do destino, passa novamente para o lado dos saxões, habitantes estabelecidos há alguns séculos na ilha, e tem que lutar contra seus antigos companheiros e sua religião em favor do rei Alfredo e do cristianismo. O que mais me interessou nesta leitura foi o simples fato de abordar a história dos vikings. Isso por si só já me encantou, apesar das limitações já explanadas, pois eu realmente amo os vikings, queria ter nascido um deles para simplesmente invadir a terra dos outros, roubar sua comida, queimar suas casas, estuprar suas mulheres, matar, decapitar, eviscerar, mutilar, e morrer lutando, e depois de tudo isso ser recompensado indo para o Valhalla (como se fosse o paraíso) e passar o resto dos dias lutando e pegando todas as mulheres lá até o Ragnarok (a batalha final dos deuses, como se fosse o Juízo Final). A única coisa que nunca entendi nas lendas vikings é o lance das mulheres, já que elas não entravam no Valhalla. Mas deixa pra lá, a lenda é agradável dessa forma, não quero nem imaginar em chegar lá e me deparar com um monte de cuecas...

Até o momento foram lançados quatro volumes da série, mas depois da leitura dos dois primeiros perdi a vontade de continuar. O primeiro é legal, e a história em si, com descrições de batalhas e estratégias de guerra, impulsionou minha leitura, apesar da decepção inicial com a falta de criatividade na construção dos personagens. Já o segundo começa muito melhor que o primeiro, me fazendo achar que a história enfim andaria num ritmo melhor. Até a metade do livro fiquei com os olhos grudados e ansioso para ver o desenrolar das coisas, mas então começou o momento “O império contra-ataca” da trama, ou seja, quando o inimigo vira o jogo e quase derrota o herói, e até o final do volume ficou numa lengalenga que fez me arrastar na leitura e perder a vontade de continuar até o final da saga. De repente eu até termino daqui a alguns meses (já comprei os outros dois mesmo...), mas agora perdi o interesse completamente, muito pela qualidade regular do livro, mas acho que sobretudo porque após as fantásticas “Crônicas de Artur” esperava muito mais de Bernard Cornwell, e esta decepção me deixou com um pouco de raiva.

Para curtir as histórias e lendas dos guerreiros vikings, mais instrutivo e encantador do que ler a “Crônicas saxônicas” é ouvir a música “Cold Wind to Valhalla”, do Jethro Tull, ou ler os quadrinhos do Thor da década de 80.

Editora: Record
Páginas: 364 (vol.1) e 387 (vol.2)
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

domingo, 7 de setembro de 2008

Queimado queimado, mas agora nosso! - Rosely Forganes


Acho que o mercado de mapas políticos deve ser lucrativo. Ano sim, outro também, surgem novos países para serem incorporados nos atlas, e ficamos sem saber absolutamente nada sobre estes caçulas, isso quando chegamos a reconhecer sua existência. Um desses novatos é o Timor Leste, que só não é o debutante máximo porque ano passado surgiu mais alguma coisa lá pelos Bálcãs (que eu também só fiquei sabendo porque a seleção da Sérvia foi desmembrada).

No caso do Timor, ainda teve alguma repercussão na mídia brasileira, por causa da proximidade lingüística (é uma ex-colônia portuguesa) e porque foram mandados soldados do nosso exército para ajudar na reconstrução do país; mais do que isso foi ignorado por 99,9% da população brasileira, me incluindo aí. Mas este pouco que se soube ficou por conta do trabalho de pessoas como Rosely Forganes, que partiu para lá na cara e na coragem a serviço da Rádio Eldorado e passou alguns meses colhendo informações, vivenciando o sofrimento das pessoas e mandando notícias para nós. No final, todo este trabalho virou o livro “Queimado queimado, mas agora nosso! – Timor: das cinzas à liberdade”.

Para um entendimento melhor do contexto, uma rápida explanação sobre a história do Timor: uma ilha dividida ao meio, na qual a parte oriental permaneceu cerca de 4 seculos como colônia portuguesa. Em 1975, com o fim do domínio português, os timorenses do leste foram dominados pela Indonésia, senhora da parte ocidental da ilha, e assim permaneceram até 1999, quando um plebiscito decidiu pela nova independência. O problema é que a Indonésia não aceitou e iniciou um massacre, através de milícias supostamente autônomas. Neste competente trabalho jornalístico, Rosely Forganes nos conta detalhes de suas três viagens para o Timor, a primeira nos momentos finais da guerra civil, e as outras duas durante a reconstrução do país pelas forças internacionais (2000 e 2001).

A história contada é muito interessante, apresentando o contexto de toda aquela confusão e personagens reais que sofreram num país que foi praticamente todo incendiado pelas milícias. Através de sua leitura, conhecemos desde o morador mais simples de Díli (capital do país) até o maior herói nacional, o líder das forças de resistência Xanana Gusmão. Mas tamanho zelo com o pormenores, se não tornaram o livro demasiadamente grande, às vezes não acrescentaram muito, e me parece que umas duzentas páginas a menos não fariam muita diferença no objetivo, ainda mais pela grande quantidade de entrevistas transcritas. Algumas são extremamente curiosas, como a de um camarada que se diz herdeiro das famílias reais portuguesa e inglesa e da família Kennedy, e por isso tem direitos sobre as economias do Banco Mundial, mas como ele é honesto ele as cede para o povo timorense (!). Já outras não acrescentam muito, e poderiam ser omitidas.

Outra ressalva que faço à obra é a escrita da autora. Apesar de ter feito um excelente trabalho de jornalismo e ter contado uma história surpreendente e inédita para os brasileiros, Rosely Forganes não é escritora de ofício, e seu estilo é arrastado, improvisado e muito fraco, com repetições de palavras e expressões, às vezes até na mesma frase, o que geralmente cansa e torna a leitura das mais de 500 páginas ainda mais longa.

“Queimado queiamdo, mas agora nosso!” vem com um cd intitulado “Vozes do Timor”, com uma série de reportagens que foram ao ar na Rádio Eldorado, com transmissão ao vivo do Timor Leste, através de telefones de bombeiros portugueses ou do jeito que dava para a jornalista se virar. São cerca de 30 minutos de informações e depoimentos chocantes, todos presentes no livro, que como foram ouvidos antes de sua leitura, confesso, levaram este bruto escritor de blog às lágrimas.

Esta resenha é dedicada ao colega Marcelo, leitor do blog que me deu o livro como contribuição para a continuidade desta brincadeira que vai durar até o final do ano, quando eu completar o projeto de 52 (ou mais, quem sabe) livros lidos em 2008. Valeu mesmo, Marcelo! E que sirva de incentivo para outros leitores que quiserem fazer sua contribuição também, hehehe (já recebi outro livro que em breve fará parte do blog, mas quem não chora não mama).

Editora: Labortexto
Páginas: 507
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Tristessa - Jack Kerouac


Na década de 1950 surgiu um movimento nos EUA chamado “Geração Beat”, que se caracterizava por autores "toscos", que escreviam espontaneamente sobre experiências pessoais, sobretudo com sexo e drogas (o rock`n`roll ainda não tinha entrado no meio). É uma chamada interessante que me fez buscar algum representante deste movimento para conhecer melhor, e escolhi Jack Kerouac com seu “Tristessa”, primeiramente pelo fato do autor ser um dos mais famosos escritores do movimento, fazendo um tipo de santíssima trindade com Allen Ginsberg e William S. Burroughs; mas também por “Tristessa” ser o nome de uma música do Smashing Pumpkins, uma de minhas bandas prediletas. Ok, também porque foi o livro mais barato de Kerouac que encontrei...


Tristessa é a história autobiográfica do autor num período passado na cidade do México, quando ele se apaixonou por uma prostituta viciada em drogas, quem dá nome ao título, mas na vida real chamava-se Esperanza. No caminho de outros autores como Henry Miller ou Virginia Woolf, não há uma história com início, meio e fim, o livro se prende mais a sensações, emoções, especulações, impressões através do submundo da capital mexicana. O que mais me impressionou foi a habilidade do autor durante a narração no momento em que as drogas começam a fazer efeito. Não sei se ele estava realmente drogado na hora em que estava escrevendo, o certo é que ele conseguiu passar muito bem a loucura da droga através das páginas, de forma gradual. O texto começa a perder o sentido aos poucos, com o autor tentando fazer amizade com uma galinha que vive no quarto de Tristessa, até chegar a um momento de abstração total, e depois, como se a droga começasse a perder o efeito, o texto volta ao normal. Outra peculiaridade da escrita de Kerouac é a inserção de preceitos budistas em sua obra, resultado de seu interesse pelo assunto na vida real.

Seguindo o estilo Beat, Jack Kerouac tem uma escrita extremamente espontânea, escrevendo o que dá na telha, tanto que num certo ponto ele admite: “Eu agora perdi o fio de meu pensamento”. Era assim que eles escreviam, sem voltar para corrigir nada, o que estivesse na cabeça era escrito, o que causa uma estranheza inicialmente. Em muitos momentos senti falta de algumas vírgulas. Mas senti que o texto perdeu muito com a tradução, pois há alguns jogos de palavras que não encaixaram muito bem no português, bem como a inserção de diversas palavras em espanhol no original que perdem a força junto a uma língua tão parecida.

Em principio gostei de Jack Kerouac e pretendo conhecer outros autores da Geração Beat, mas certamente privilegiarei versões originais, pois este tipo de escrita perde muito com traduções, mais do que o que normalmente acontece. “Tristessa” é uma leitura para uma tarde, e se fosse no original acho que minha avaliação seria superior a regular, mas pelo menos me deixou com a música do Smashing Pumpkins na cabeça durante todo o dia. Agradeço a Jack Kerouac por isso, pois fez meu cérebro esquecer um insuportável jingle de campanha de um candidato a prefeito da cidade onde moro e não voto, que insiste em passar pelo menos umas vinte vezes por dia na porta do meu prédio.

Editora: L&PM
Páginas: 101
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Cinco semanas em um balão - Julio Verne


Desde a leitura de “Atribulações de um chinês na China”, um livro com altos e baixos, fiquei refletindo em relação a Julio Verne. Sempre tive vontade de conhecer sua obra, tendo em vista a quantidade de famosas histórias que encantaram gerações de jovens. Comecei este ano, por acaso, com o livro citado acima, mas minha avaliação foi abaixo do que eu esperava de um autor tão querido. Apesar da história, em alguns momentos, ser um pouco monótona, gostei de seu estilo, e me foi imperioso dar outra chance a Julio Verne, deste vez com um livro mais conhecido e recomendado, “Cinco semanas em um balão”.

E acertei ao dar outra chance a Julio Verne. “Cinco semanas em um balão” não é uma obra-prima, mas é um livro muito divertido, simples, agradável e cheio de aventuras mirabolantes, como é característico de Verne, que ao lado de Stevenson e Kipling representa o espírito europeu do século XIX. O livro narra a grande aventura do Dr. Fergusson, pesquisador inglês, ao lado de seu criado Joe e seu amigo Richard Kennedy, através de uma viagem pela África a bordo de um balão, meio de transporte na época rudimentar e inseguro, o que torna perigoso e emocionante o trajeto permeado de desafios e descobertas maravilhosas. A história por si só já é muito divertida, mas o que torna o livro realmente interessante são as entrelinhas da mentalidade de uma sociedade européia do século XIX, o que vale alguns comentários.

Não se pode ler Julio Verne, como nenhum outro autor, sem compreender seu contexto histórico, sob o risco de avaliar erroneamente sua obra e sua importância para a literatura e o conhecimento da época. Deve-se ler Julio Verne com os olhos de uma pessoa do século XIX, pois este era o público alvo esperado pelo autor, não nós. No século XIX, a ciência avançava a largos passos, emitindo pareceres praticamente incontestáveis, pois as maravilhas que ela trazia consigo – como a luz elétrica, a energia a vapor – a elevavam a um status de salvadora da humanidade; para os homens do século XIX, todos os problemas seriam resolvidos pela ciência. Um deste dogmas científicos era o da superioridade da “raça ariana” sobre a “negróide” e a “mongolóide”. O instigante é que a chamada Época Vitoriana também se caracteriza pela religiosidade e forte moralismo. 

O que hoje entendemos como racismo era incontestável naquela época, não existia sentimento de igualdade racial em lugar algum do planeta, foi preciso acontecer o holocausto na II Guerra Mundial para que o mundo abrisse os olhos para isso. Não seria Julio Verne nem qualquer outro samaritano iluminado que mudaria isso sem qualquer razão histórica. Desculpem-me os adeptos da pré-destinação, mas em minha opinião ninguém é bom por natureza, o homem é fruto de seu tempo, a bondade só existe com cultura e estudo, “a ignorância é vizinha da maldade”. Não duvido que no futuro olhem para o século XXI e não entendam como é que as pessoas permitem uma configuração social excludente como a nossa - tendo otimismo que um dia a humanidade vai mudar nesse aspecto.

A primeira coisa que precisamos para ler Julio Verne é exatamente ter em mente que o autor viveu seu tempo, como qualquer ser humano na História, e relativizar idéias obsoletas e desagradáveis para nós, cidadãos do século XXI. Uma característica da escrita de Verne que hoje em dia pode nos causar repulsa é o racismo presente em alguns trechos. Numa passagem, os personagens se julgam cercados por africanos, mas depois percebem que na verdade são macacos. Os comentários não poderiam ser mais ofensivos:

- Nós julgávamos que te haviam cercado os indígenas.
- Felizmente não passavam de macacos – respondeu o doutor.
- A diferença de longe não é grande, caro Samuel.
- Nem mesmo de perto – replicou Joe.

Em outra parte, os personagens comentam que é melhor negociar com os árabes do que com os negros, porque são “menos selvagens”. Outro preconceito da época largamente difundido do livro é a oposição entre a Civilização (Europa) e a Barbárie (África), incluindo justificativas para o colonialismo europeu. Ao resgatar um missionário francês preso por cinco anos por uma tribo africana, os personagens perguntam por que empreender uma missão perigosa como aquela, no que o religioso responde: “são almas que devemos resgatar”, a velha explicação para a brutalidade do colonialismo. Entretanto, é curioso que o autor não poupe críticas neste sentido também à Europa, pois num certo momento ele questiona se a execução pela forca, prática comum na Europa daquele tempo, não seria também uma selvageria.

A superioridade da ciência também tem espaço garantido em “Cinco semanas em um balão”. “Mas que remédio há senão submeter-se, aceitar de tempos em tempos o que a ciência ensina” é uma das apologias ao grau absoluto de conhecimento da época. Ao homem cabia dominar a natureza e transformá-la em seu proveito. Naturalistas que não relativizarem a leitura ficarão horrorizados com a quantidade de animais caçados por Richard Kennedy, que tem uma fixação em matar que em algumas vezes é freada pelo Dr. Fergusson, mas em outras é até estimulada – caso de animais julgados perigosos, como crocodilos e leões. É engraçado ver que não existia nenhuma noção de cadeia alimentar e equilíbrio da natureza, há uma sugestão no ar de que os animais predadores eram maus e as presas vítimas inocentes. Ainda sobre a ciência, uma característica muito marcante na obra de Verne é a apresentação de novas tecnologias, a explicação de fenômenos que promovem o funcionamento de inventos, como no presente caso a luz elétrica e o próprio balão utilizado pelos personagens. A descrição dos processos químicos e físicos é minuciosa, tudo aquilo era uma grande novidade, o avanço cientifico e tecnológico do século XIX foi fantástico para aquelas pessoas.

Mas de todos os aspectos do livro, o que mais me chamou a atenção foi a apresentação das expedições na África ocorridas na vida real. Até meados do século XIX, quase nada se conhecia sobre a África. As únicas localidades alcançadas por europeus eram pontos na costa africana. Com o impulso imperialista, surgiu a necessidade de conhecer o interior para descobrir as possibilidades de exploração colonial, o que levou à criação de inúmeras sociedades de Geografia e ao envio de diversos aventureiros para aquelas terras até então desconhecidas, fantásticas, que despertavam divagações e ferviam a imaginação dos escritores. Isso se tornou uma mania nacional em toda a Europa. As pessoas acompanhavam as aventuras de personagens reais como Livingstone e Speke através dos jornais. Os exploradores do século XIX eram contratados pelas sociedades de Geografia e também por jornais, incentivados pela procura do público por tais aventuras da vida real. Muitos deles ficavam anos incomunicáveis e depois reapareciam, para delírio do povo. Era comum que alguns deles se perdessem, criando-se assim novas expedições para resgatar os exploradores anteriores.

Julio Verne apresenta brevemente em “Cinco semanas em um balão” a história dos principais exploradores daquele tempo, que aliás serviram de base para todo o livro, pois o autor nunca pisou na África, mas como prova de sua genialidade narrativa descreve as paisagens, vegetações e pontos geológicos com precisão e beleza.

Uma passagem do livro me chamou muito a atenção, veja se você identifica o porquê:
“Se me dais licença meu amo, vou arremessar-lhes uma garrafa vazia. Se lá chegar sã e salva, hão de adorá-la; se se quebrar, farão dos bocados outros tantos talismãs!”
Em outra parte, quando arremessam outro objeto do balão, um deles exclama: “Os negros hão de ficar bem espantados quando encontrarem este objeto na floresta. São capazes de fazer deles ídolos”.
Quem via Sessão da Tarde nos anos 90 vai de cara se lembrar de “Os deuses devem estar loucos”!

Os personagens do livro são muito legais, se completando: o Dr. Fergusson com sua serenidade, liderança e conhecimentos que sempre salvam a trupe; Richard Kennedy com suas habilidades de caçador e prontidão para qualquer parada; e Joe, o fiel escudeiro de Fergusson, o que se pode chamar de uma cara “safo”, que dá o jeito dele em qualquer situação. A escrita de Verne é agradável e divertida, não enjoa nem cansa o leitor com repetições de palavras. Não é o que se pode chamar de excepcional, mas simplesmente posso afirmar que fiquei satisfeito, como depois de uma refeição muito gostosa. Procurarei outros livros de Verne para me divertir, e recomendo “Cinco semanas em um balão”, mas sugiro que sua leitura se faça com um mapa da África ao lado. Para mim foi quase irresistível procurar as localidades presentes no texto e traçar o caminho percorrido pelos três aventureiros, apesar da dificuldade por causa de alguns nomes que não são mais usados hoje em dia.

Editora: Hemus
Páginas: 264
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

terça-feira, 5 de agosto de 2008

SIMPLES - Marcos T. Riyis e Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil - Sonia Rodrigues


Como já é de conhecimento público, sou jogador de RPG há mais de 15 anos e tenho uma grande dívida com esta atividade no que diz respeito à minha formação, desde o estudo forçado de inglês para entender os manuais do AD&D, que na época ainda não haviam sido traduzidos, até o vício pela leitura, o estímulo à criatividade e muitos outros benefícios que o RPG traz para jovens em formação intelectual e de caráter. Mesmo se eu quisesse, não teria como desvincular o RPG da minha história de vida.

O RPG teve influência decisiva nas minhas preferências, uma delas o estudo de História. Assim como eu, muitos jovens devem ter passado por isso: jogavam RPG, resolveram estudar História por causa dos recorrentes temas históricos dos RPGs clássicos, sobretudo Idade Média, começaram a trabalhar com educação e decidiram juntar o trabalho com o RPG. Afinal, qual rpgista nunca sonhou em ganhar a vida jogando RPG? Criar um sistema e viver disso é mais difícil, então por que não utilizar o RPG na educação? Se trouxe inúmeras vantagens à minha formação, por que não aos meus alunos, ainda mais utilizando temas abordados pela disciplina regular? Mesmo com este pensamento latente, garanto que muitos devem ter pensado em se tratar de uma idéia meio doida, sem viabilidade, e alguns devem até ter ficado constrangidos em cogitar tal hipótese, até que descobriram não estarem sozinhos, e que já existem diversos trabalhos e estudos nesse sentido, incluindo teses de mestrado e doutorado.

Desde a época de faculdade eu já sabia da existência deste trabalhos, e quando iniciei minha carreira na licenciatura me senti fortemente inclinado a participar desta inovadora prática pedagógica. Descobri a série mini-Gurps, de fácil acesso, e experimentei em sala de aula, com o apoio de alunos que já conheciam o RPG. Resultado: sucesso absoluto, mesmo com os que não conheciam e com os que conheciam mas achavam que era coisa de nerd otário. Tudo bem, é coisa de nerd sim, mas não de otário. Devido ao resultado, resolvi utilizar o RPG na educação de maneira mais ampla, fora do horário das aulas, e para isso preciso do apoio da Secretaria de Educação, que precisa de um projeto fundamentado. Por isso, recorri a inúmeras teses, paginas de internet e livros de especialistas no assunto. Dois deles são estes aí: “SIMPLES – Manual para o uso do ‘RPG’ na educação, de Marcos Tanaka Riyis, e “Roleplaying Game e a pedagogia da imaginação no Brasil”, de Sonia Rodrigues.

SIMPLES é a sigla para “Sistema Inicial para Mestres-Professores Lecionarem Através de uma Estratégia Motivadora”. Como se pode supor, é um sistema bem básico, para professores que conhecem pouco ou nada sobre o RPG. Obviamente não comprei o livro com o objetivo de aprender a jogar RPG com os alunos, mas sim de entrar em contato com as idéias e as experiências de quem já trabalhou deste modo, e neste sentido o SIMPLES foi bem instrutivo para mim.

Não se trata de uma obra teórica complexa, com fundamentações pedagógicas obscuras, mas SIMPLESmente (hehehe) uma explanação sobre como jogar RPG com os alunos e os resultados pessoais de Marcos Riyis, que apresenta seu sistema, suas justificativas e exemplos. Para mim serviu de grande apoio, sobretudo na questão dos Live Actions, modalidade em que se representa mais corporalmente os personagens, aparentemente de maior apelo aos alunos, mas que eu nunca joguei, não domino muito bem e não tinha idéia de como usar com a garotada. Há também que se destacar algumas atividades corporais interessantes propostas no livro, tendo em vista que o autor é professor de Educação Física, e que eu sou professor de História metido a professor de Educação Física, jogo bola com os alunos e todo ano promovo um evento esportivo, seja mini-PAN (ano passado) ou mini-Olimpíada (este ano) ao lado do professor de Educação Física (o de verdade). As atividades físicas vão cair bem, tanto em Live Actions como nas minhas investidas educacionais esportivas.

Se você se interessar, não adianta procurar em livrarias que não vai encontrar. O livro é de uma editora pequena (Jogo de Aprender), criada pelo autor, e basta entrar em contato com ele para adquiri-lo: www.jogodeaprender.com.br ou marcos@jogodeaprender.com.br. É um cara bacana, que mesmo antes de eu comprar o livro me enviou gratuitamente por e-mail um artigo seu e duas aventuras prontas. Todo o material vai me ajudar bastante.

Em contrapartida, o outro livro já é uma obra teórica mais erudita, sem os exemplos práticos, a primeira tese de doutorado em RPG no Brasil. Mas para a minha surpresa, nada neste livro passa perto da utilização do RPG em sala de aula, como é de se supor pelo subtítulo. A tese trata da leitura e da produção de textos por alunos e jovens jogadores de RPG, mas gira muito mais em torno de obras de literatura do que de RPG.

A autora, que é filha do Nelson Rodrigues, começa apresentando o RPG para quem não conhece (incluindo provavelmente a banca examinadora da tese), partindo no capítulo seguinte para a teorização sobre a fantasia e a ficção, no qual são vomitados diversos filósofos e teóricos da literatura que nunca ouvimos nem ouviremos falar na vida real. Nos capítulos do meio do livro, são apresentados os três RPGs mais populares no Brasil, o AD&D, o Gurps e o Vampiro, a máscara. Nesta parte percebi que o livro não ia terminar bem para mim, pois nota-se que a autora sabe o bastante de literatura para chegar ao título de doutorado, mas não conhece muito bem o RPG, e sobrou para o Gurps, que a autora classifica como “o cálculo e o software na narrativa”. Segundo Sonia Rodrigues, o livro de regras do Gurps é complicado porque as coisas estão dispersas pelos capítulos, como um hipertexto, e sua opinião é de que “para o comum dos mortais acostumado, desde a invenção da escrita, com o predomínio da estrutura linear em textos informativos, a forma do Gurps é algo próximo à tortura mental”. Deve ter sido difícil para ela mesmo, tendo em vista seu desconhecimento de algo tão banal como a sigla NT, que qualquer moleque que começa a jogar RPG sabe o significado (Nível Tecnológico).

Não que a autora odeie RPG, senão ela não produziria uma tese defendendo sua utilização na educação. Ela elegeu um queridinho, e este é o “Vampiro, a máscara”, que na sua concepção privilegia mais o “contar histórias” do que as regras. Tudo isso porque este RPG não é genérico – quando pode-se jogar em qualquer cenário –, é temático, obviamente num mundo onde existem vampiros. A partir de então ela explica o porquê do sucesso entre os jovens, dando a impressão que ela enxerga o “Vampiro” como uma melhoria evolutiva do RPG. É claro que seu interesse certamente seria por um RPG relacionado ao “contar histórias”, mas se ela pesquisasse um pouquinho mais os outros RPGs veria que também existem ambientações extremamente detalhistas para AD&D e Gurps, inclusive sobre vampiros. O problema é que ela só se ateve aos manuais básicos, limitando sua compreensão a respeito do assunto. Esse é um dos problemas que acontecem quando alguém que não faz parte de uma cultura tenta estudá-la e interpretá-la.

Depois deste bloco de apresentação dos principais RPGs, mais teorização no capítulo “Roleplaying Game como produto da cultura de massa”: o que caracteriza uma cultura de massa para Adorno e Cia e como o RPG está inserido nesse contexto. Pura chatice intelectualóide dispensável. Sonia Rodrigues fecha sua tese com um capítulo que mais é uma propaganda sobre o jogo de sua autoria (que inclusive se chama “Autoria”), porque ele é ótimo para ser usado na educação, seu futuro lançamento em versão software, sua contribuição para quem quer ser escritor, mas termina-se sem saber ao certo como este jogo funciona, pois nada a respeito é apresentado previamente.

“Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil” pode ser importante para o ramo por se tratar da primeira tese de doutorado a respeito do tema, pode ter seu brilho teórico-acadêmico, mas antes de mais nada é profundamente chato e em nada ajuda na prática em sala de aula. Pode até servir como um bom argumento para justificar a utilização do RPG com os alunos, mas bastava uma resenha de duas ou três páginas com as principais idéias da autora.

SIMPLES

Editora: Jogo de Aprender
Páginas: 85
Disponibilidade: www.jogodeaprender.com.br ou marcos@jogodeaprender.com.br
Avaliação: * * * *

Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil

Editora: Bertrand Brasil
Páginas: 209
Disponibilidade: normal
Avaliação: * *

sábado, 2 de agosto de 2008

Arqueologia: Estudos e Pesquisas - Carlos Alberto Azevedo


Arqueologia é um tema que sempre achei chato. Já cheguei até a trabalhar com isso durante um tempo, daí meu desinteresse e implicância, já que tinha como obrigação estudar os procedimentos arqueológicos para servir de material para um livro de um canastrão que me contratou. Ver os resultados, descobrir o passado, isso é interessante, mas ser arqueólogo deve ser um porre. Lendo aquilo, eu me perguntava: como é que alguém pode gostar de ficar cavando buraco no chão?

Ainda bem que existem arqueólogos no mundo que cavam os buracos e nos mostram como era o mundo há muito, muito tempo atrás. Este meu interesse, não na arqueologia em si, mas nos resultados dela, me levaram inclusive a uma viagem pelo interior do Nordeste em busca de sítios arqueológicos, e na entrada de um deles encontrei vendendo “Arqueologia: Estudos & Pesquisas”, de Carlos Alberto Azevedo.

Confesso que, por causa da minha quase total ignorância no assunto, nunca tinha ouvido falar do autor, mas se eu estivesse um pouquinho inserido neste mundo real de Indiana Jones e Tomb Rider, já deveria conhecer, já que Azevedo tem um amplo currículo no assunto em universidades européias e tem participação ativa nas pesquisas arqueológicas em seu estado, a Paraíba.

O motivo maior para eu ter comprado este livro foi o fato de eu ter visitado o sítio arqueológico da cidade de Ingá e, apesar de ter ficado impressionado com o que vi, não entendi bulhufas de seu significado. Quando vi o livro, achei que era oportunidade de absorver alguma informação interessante, para ter um acréscimo intelectual, e não só uma admiração estética pelo maravilhoso patrimônio que eu acabara de conhecer.

“Arqueologia: Estudos e Pesquisas” é uma compilação de textos do autor, independentes entre si, divididos em duas partes, de mesmo nome do título. A primeira parte, “estudos”, é o que há de interessante no livro: artigos explicativos sobre diversas modalidades de arqueologia. Excetuando-se o primeiro texto, que é uma leitura crítica de uma outra obra do mesmo ramo, os artigos apresentam questões não muito profundas ou complicadas sobre a disciplina, tomando como exemplo sítios arqueológicos brasileiros, ao alcance de qualquer um, incluindo o sítio do Ingá. Há também textos que tratam da arqueologia submarina no estado da Paraíba e um muito interessante intitulado “Pré-história e ufologia”, uma refutação aos que entendem as marcas deixadas por nossos antepassados como ações de homenzinhos verdes... Meu interesse pelo livro terminou na primeira parte, já que a seqüência, “Pesquisa”, não passa de um apanhado de questões profissionais dos arqueólogos, com descrições técnicas de sítios arqueológicos, resultados de trabalhos e um projeto de pesquisa.

O livro de Carlos Alberto Azevedo é uma produtiva introdução aos leigos que buscam entender alguns segredos desta ciência de procedimentos chatos, mas resultados interessantes. Pelo menos até o final da primeira parte.

Editora: Idéia
Páginas: 143
Disponibilidade: site da editora http://www.ideiaeditora.com.br/
Avaliação: * * *

domingo, 20 de julho de 2008

Ficções - Jorge Luís Borges



Sempre que viajo, procuro ao máximo conhecer aspectos da cultura local, e para alguém que lê tanto como eu uma das primeiras coisas é buscar apreciar a literatura do lugar. Estava com viagem marcada para as terras argentinas, tudo devidamente organizado, os guias consultados, pesos adquiridos, quando me toquei que faltava uma coisa bem importante. Tive vergonha em imaginar que chegaria ao país vizinho sem ter tido contato com absolutamente nada que tivera sido escrito através dos séculos de suas história. Na verdade, já havia lido um grande clássico argentino, Martín Fierro, a epopéia gauchesca, mas já faz muitos anos e numa versão adaptada, na época em que eu estava começando os estudos de espanhol, por isso não lembro muito bem, não conta. Então resolvi escolher logo o maior representante da literatura argentina, Jorge Luís Borges.

Borges é um autor mundialmente conhecido, expoente da alta literatura, mas eu o conhecia apenas porque diversas vezes eu havia visto seu nome no caderno “Prosa e Verso”, do jornal O Globo, na coluna “Meu Clássico”, onde famosos e quase famosos indicam seu livro predileto. A priori tenho um pouco de receio com estes livros e autores muito elogiados, tendo em vista experiências passadas, com caras como Joyce e García Marquez. Mesmo assim, resolvi pegar “Ficções”, até porque era o único livro argentino disponível na estante do meu tio, primeira opção nessas horas.

“Ficções” é um livro de contos, o que reduz a possibilidade de eu não gostar e parar no meio – para um cara escrever um livro de contos e nenhum prestar, tem que ser péssimo, péssimo escrito. Com este estado de espírito, comecei o primeiro conto, com o singular nome “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”. Nas primeiras páginas, uma linguagem confusa, difícil, sem objetividade. Pensei, aquilo não ia terminar muito bem, mas alguma coisa me fazia não largar o conto. Eu estava sendo envolvido aos poucos, como se estivesse sendo seduzido para uma armadilha, até que fui agarrado definitivamente no último parágrafo. Aquilo me chocou! Li imediatamente o segundo, “A aproximação de Almotásim”, e ocorreu a mesma coisa, e foi assim através das páginas do livro. A cada conto que começava, Borges me enganava, fazia eu pensar, “ah, este é fraco!”, o que me obrigava a humildemente pedir desculpas ao final. Começam confusos, e só são compreendidos nas últimas páginas (um deles exatamente na última linha!). Não menos do que três contos eu reli imediatamente após terminar para pegar as sutilezas passadas despercebidas.

Já na metade do livro, reparei meu erro inicial: Borges não tem uma escrita difícil nem rebuscada, mas sim sofisticada, inteligente, como se estivesse utilizando sua incrível capacidade de contar histórias para brincar comigo, rir da minha cara, me sacanear, mas de um modo cordial e amigável, sem querer me humilhar. São freqüentes as citações a artistas, personalidades históricas e filósofos, sobretudo Schopenhauer e Lewis Carrol. Longe da superficialidade de contos que existem simplesmente para contar histórias, transbordam das páginas de “Ficções” discussões interessantíssimas sobre abstrações como o tempo, a realidade, o conhecimento, e sobram recursos da genial mente de Borges, que desenvolve suas tramas cercadas de preocupações com a lógica e a simetria – neste caso, influência clara de Carrol, autor de “Alice no País das Maravilhas”.

Sobre os dois primeiros contos citados acima, Borges explica no prólogo: “Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma idéia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário.” É isso mesmo, tanto nestes dois contos como em “O exame da obra de Herbert Quain” o autor inventa livros e os comenta, de forma tão genial que, na época, leitores portenhos tentavam encomendar os tais livros em livrarias londrinas! Apesar de não ser o melhor conto “O exame da obra de Herbert Quain” deixa clara a capacidade de Borges no sentido da ironia: “Herbert Quain morreu em Roscommon; comprovei sem espanto que o ‘Suplemento Literário’ do Times apenas lhe concedeu meia coluna de piedade necrológica, na qual não há epíteto laudatório que não esteja corrigido (ou seriamente admoestado) por um advérbio.” Hahaha, mais engraçado e ao mesmo tempo inteligente, impossível! E quanto a este: “A fama divulgou que The Secret Mirror era uma comédia freudiana; essa interpretação propícia (e falaz) determinou seu êxito. Infelizmente, Quain já completara os quarenta anos; estava aclimatado ao fracasso e não se resignava docemente a uma mudança de regime.” Hahaha!

Ficções prossegue com “Pierre Menard, autor do Quixote”, uma brincadeira inteligente com Don Quixote e a questão do tempo. “As ruínas circulares”, o texto mais esquisito, é um esquizofrenia delirante sobre os limites da realidade, que só fui entender na última linha. “A loteria em Babilônia” é uma interessantíssima discussão sobre o acaso. Em “O jardim dos caminhos que se bifurcam”, a discussão sobre o tempo é levada ao extremo, bem como realidades alternativas. Este foi tão marcante para mim que, lendo-o após o almoço (quando o sono é inevitável), adormeci, mas estava tão ligado na leitura que sonhei com labirintos, que estão presentes aqui. Já “Funes, o memorioso” fala sobre memória e conhecimento através de um jovem de memória absurda, mas o autor explica no prólogo que “é uma vasta metáfora da insônia”. Quem sou eu para discutir...

Outros contos representam simples histórias inventadas, “ficções” sem discussões sobre temas estranhos, mas nem por isso deixam de ser geniais. “A forma da espada” conta um caso de traição durante a guerra civil irlandesa. É surpreendente, inteligente e mais fácil que os demais, tão bom que li duas vezes seguidas. O mesmo fiz em “Tema do traidor e do herói”, que remete a uma conspiração e manipulação da História, mas se este eu li duas vezes foi para entender, pois é mais complicado. “Três versões de Judas” é uma interessante reavaliação do papel do apóstolo como traidor, e “O sul” fala sobre sentimentos que sinceramente não consigo explicar, mas Borges escolheu este como seu melhor conto.

Apesar de já ter apresentado histórias geniais deste livro, o ponto mais alto tem nome: “A biblioteca de Babel”. Aqui o autor discute tão bem a questão do conhecimento e da realidade que, ao final da leitura, não acreditei que alguém pudesse ter escrito isso, e imediatamente voltei ao início e reli tudo, e só não li mais porque ainda queria conhecer os outros textos. A preocupação com a matemática e a filosofia é mais marcante que em qualquer outro texto, abarcando em poucas páginas diferentes correntes filosóficas, da idéia de realidade passível de conhecimento total ao exatamente oposto, a tentativa inútil do homem em alcançar o conhecimento absoluto. É tão fantástico que não tenho mais o que escrever sobre este conto, só lendo e se emocionando mesmo.

Alguns contos não tem a mesma vitalidade dos anteriores, como “A morte e a bússola”, “O milagre secreto”, “A seita da fênix” e “O fim”, este último com citações a Martín Fierro, que talvez por não conhecer muito bem este livro não aproveitei tão bem. Mas ainda que estes quatro últimos não tenham a mesma força que o resto do livro, não fez a menor diferença: a obra-prima já estava feita.

Editora: Companhia das Letras
Páginas: 176
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

p.s: Nas músicas de Raul Seixas, encontrei pelo menos duas referências a este livro, já que o autor de algumas letras Paulo Coelho é fã declarado de Borges: as músicas “Loteria em Babilônia” e “Judas”, mas procurando com mais calma deve ter mais. Também sou fã do Raulzito, e é sempre interessante conhecer estes detalhes.

sábado, 19 de julho de 2008

Que haja a escrita - Luiz Antonio Aguiar


Muitas vezes nós, leitores por hábito e de coração, somos surpreendidos por estilos ou gêneros que achamos que não é o nosso. “Que haja a escrita” é um daqueles livrinhos catalogados como infanto-juvenil que fazem a alegria também dos jovens mais grandinhos – 25 anos, no meu caso, mas recomenda-se para crianças de até 85, quem sabe até mais. Trata-se de um livro muito instrutivo para qualquer faixa-etária, dos que estão começando a estudar os caminhos da História aos que já se formaram, mas insistem em aprender sempre algo novo.

O livro escrito por Luiz Antonio Aguiar – autor de diversos livros do segmento infanto-juvenil e ganhador do Prêmio Jabuti, mas também de obras ditas adultas como “Almanaque Machado de Assis” – o livro apresenta de forma agradável mitos de criação da escrita de dez povos antigos: gregos, sumérios, egípcios, tuaregues, vikings, maias, celtas, babilônios, hindus e chineses. São pequenos contos de cerca de cinco páginas cada um que majoritariamente mostram situações comuns aos mitos das antigas civilizações: o homem bruto, à mercê dos caprichos dos deuses, recebem de presente a escrita (como qualquer outra coisa da vida humana). Muito instrutivo para, além de mostrar para os adolescentes a estrutura das línguas (alfabetos e escrita pictográfica), apresentar a linguagem e a construção dos mitos, bem como promover um primeiro contato com personagens famosos e marcantes da cultura mundial, como Zeus, Thor ou Shiva. Interessante também é a seção didática, logo após o conto, com duas páginas que explicam a história da civilização retratada e a estrutura de sua escrita, com mapas e simpáticas ilustrações de Salmo Dansa.

Em todos os mitos, fica clara a importância da escrita para o ser humano como qualquer outra invenção. Graças à sua criação, hoje podemos apreciar este maravilhoso e viciante mundo dos livros. Dá para imaginar nossas vidas sem livros, só vendo novelas e ouvindo rádios de música popular? Não, não dá. Então, que haja a escrita!

Editora: Quinteto Editorial
Páginas: 112
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

terça-feira, 15 de julho de 2008

Guia do Solteiro - P.J.O´rourke



O que é ser solteiro? A maioria das pessoas certamente responderá que se trata de um estado civil, mas na verdade, ser solteiro é muito mais do que isso. É um estado de espírito. Eu, por exemplo, passei mais de cinco anos com o estigma de casado em meus documentos, mas graças às minhas atitudes diante dos desafios da vida moderna – cuidados com a casa, hábitos e horários nem um pouco fixos – sempre fui um solteiro de coração.

Apesar disso, eu sentia que alguma coisa estava mudando em minha vida, não sei, estava aos poucos perdendo esta vitalidade dos solteiros, o relaxamento com a panela suja guardada estrategicamente no forno, a poeira soprada para debaixo do sofá, a toalha com murrinha no canto do banheiro, enfim, eu estava me rendendo, ficando careta. Foi quando encontrei em promoção num evento de animes em São Paulo o “Guia do Solteiro – Como fazer de sua casa um confortável chiqueiro”, de P.J. O’Rourke, e decidi que era a hora de fazer meu curso de reciclagem.

Não tenho idéia de como apresentar o livro de forma melhor que o autor fez, por isso vou transcrever o prefácio, intitulado “Agora somos todos solteirões”:

“A vida doméstica como a entendemos é tão natural para nós quanto uma gaiola para um periquito” – George Bernard Shaw
“Este livro destina-se ao verdadeiro solteirão, um homem adulto e bem educado, que nunca se casou e nem pretende fazê-lo.

Somos um grupo seleto, sem compromissos pessoais, entraves sociais, ou pares de meia que combinam. Respiramos o ar frio e puro da solidão (...) Não precisamos, a não ser quando em dúvida sobre alguma receita, dos tediosos e gordurosos laços familiares.

Sherlock Holmes foi um solteirão. E também (...) Nietzsche (...) Voltaire e quase todos os papas. O rei Henrique VIII tentou o tempo todo se tornar um. (...)

O que foi feito dos solteirões de outrora? Dos professores de Oxford? Dos bilionários misantropos casados apenas com a própria ganância? Bem, alguns, no fim das contas, faziam parte daqueles grupos de risco (Patolino, por exemplo, aposto). Outros desistiram, casaram e estão pagando uma fortuna em pensão alimentícia. E o resto de nós se transformou em ‘solteiros’.

Este livro é, portanto, realmente dirigido aos subgerentes regionais de venda, universitários que vivem fora do campus, caras divorciados, jovens que tenham ouvido dos pais um ‘dá o fora dessa casa’ e qualquer um cuja namorada não quer casar porque o primeiro marido dela era um vagabundo. Ou seja, é dirigido a todos os homens que moram em casas com panelas sem cabo.

Este livro também é dirigido aos maridos cujas esposas descobriram as carreiras, a auto-realização, ou que estouraram os limites astronômicos do cartão de crédito. Assim como todos nós, esses solteirões de meio período devem encarar aquele estábulo cujo nome é cozinha.

Na verdade, este livro é também destinado à dona de casa tradicional e mãe que adoraria deixar os filhos em um hotelzinho para cachorro e ir jogar golfe – no que tem o meu total apoio. Vale qualquer bobagem. Pouco importa. A vida doméstica em nossa sociedade já se desintegrou. As crianças chegam em casa e descobrem que seus pais (que, incluindo padrastos e madrastas, somam mais de dez) foram para o trabalho, encontros amorosos, jogar bingo, ou para centros de desintoxicação. (...) Mesmo os recém-casados não passam muito tempo juntos. Principalmente agora que os poucos casamentos duram menos do que a garantia dos eletrodomésticos.

(...) Nós estamos descobrindo, de uma nova forma, o que qualquer velho operário (ou mamãe, se a tivéssemos ouvido) poderia ter nos ensinado: manter uma casa é tão desagradável e imundo quanto minerar carvão, e a remuneração é muito pior.

Assim, no que concerne especificamente a cuidar de uma casa, este livro é dirigido a todas as pessoas. Nós todos somos solteiros agora, ‘estranhos neste ninho que nunca construímos’”.

Não posso negar que este guia foi muito instrutivo para mim, pois me ensinou dicas e procedimentos muito úteis para o meu dia-a-dia. Imagine você só pelo título dos capítulos: “O básico da faxina”, “Por que ter uma casa para limpar?”, “A culinária do solteiro”, “Recebendo visitas”, “Cuidados com o jardim”... Algumas foram tão interessantes que farei um apanhado das principais:

Sala de Jantar – Você pode manter sua sala de jantar limpa comendo na cozinha.
Sala de Estar – Todo mês, mais ou menos, remova as cortinas e jogue fora. Desligue as luzes se não quer que os vizinhos vejam o que você está fazendo. (...) Não use nenhum produto de limpeza de estofados ou tapetes. Se alguma coisa não sair com água quente e sabonete liquido, trata-se provavelmente de alguma coisa que já faz parte do meio ambiente e precisa ser preservada.
Cozinha – Toda cozinha deve ter uma lavadora de pratos. De preferência bem bonitinha, usando apenas um avental e nada mais. Na falta de uma, existe uma abordagem minimalista para evitar pratos sujos: usar pauzinhos chineses e a mão em concha.
Outros cômodos – Feche a porta.
Produtos de limpeza doméstica – Evite todos os produtos de limpeza doméstica que dizem ser eficientes contra a gordura. A gordura é escorregadia e evita que a sujeira grude nos utensílios da cozinha, louças e vidraria.
Controle de insetos:
Baratas – As baratas têm sido duramente atacadas. Elas não mordem, não fedem e nem entram na sua bebida. Quem dera todos os convidados fossem tão bem comportados. (...) Não faça nada a respeito das baratas. Não há nada que você possa fazer mesmo.
Camundongos – Não coloque queijo na ratoeira. Camundongos são mais atraídos por gordura, sebo, pasta de amendoim e encadernações de livros. E, se você examinar essa lista, você verá que, se o camundongo queria, você provavelmente não ia querer. Portanto, não faça nada a respeito deles também.
Ratos – Ratos são outro assunto. Voce tem de fazer alguma coisa a respeito, mas não os envenene pois eles podem morrer dentro das paredes. E um rato morto na parede é uma coisa que pode, eu lhes asseguro, fazer a casa de um solteirão ficar pior do que já está.
Eu vivi uma vez numa casa que tinha ratos. Tomei um punhado de pílulas para emagrecer e fiquei sentado a noite toda com uma garrafa de uísque e um revolver esperando para estourar as suas cabeças. Lá pelas quatro da manhã eu vi um grande número de ratos, muitos deles em alaranjado brilhante e usando roupinhas de balé. Esta técnica não funciona muito bem.

Limpeza da mobília – Não existe como enfiar uma cadeira na máquina de lavar ou mesmo um banquinho do banheiro. A mobília não pode ser limpa. A melhor coisa a fazer é cobrir com alguma coisa tipo a pele de um animal selvagem. Uma loira, por exemplo.

Decoração com álcool:
1-Comece com uma sala vazia tome um drinque generoso.
2-Veja, já parece melhor. Tome mais um.
3-Beba mais um tanto.
4-Ei, este lugar parece ótimo, caramba! Pegou o espírito da coisa? Este é um lugar danado de bom. Parece ótimo.

“A casa de um homem casado dá a ele um lugar para onde voltar. Mas o lar de um solteirão faz melhor do que isso – dá a ele um lugar de onde partir. E, considerando-se a bagunça, quanto mais cedo, melhor.”

É pena que não posso reproduzir aqui as dezenas de fotos didáticas espalhadas pelo livro, que são também muito instrutivas. Uma delas por exemplo mostra o autor com uma borracha d’água regando uma pilha de panelas no chão da cozinha, com a legenda: Faça tarefas difíceis em conjunto. Espere até que o chão esteja realmente sujo para lavar a louça.” Faz sentido.

O autor (por favor, não me faça escrever este nome complicado de novo) escreve para a revista Rolling Stone e é bastante experimentado em livros do mesmo naipe, como podemos perceber em alguns de seus títulos: Holidays in Hell, Give War a Chance, Etiqueta Moderna...

Editora: Conrad
Páginas: 142
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *