terça-feira, 5 de agosto de 2008

SIMPLES - Marcos T. Riyis e Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil - Sonia Rodrigues


Como já é de conhecimento público, sou jogador de RPG há mais de 15 anos e tenho uma grande dívida com esta atividade no que diz respeito à minha formação, desde o estudo forçado de inglês para entender os manuais do AD&D, que na época ainda não haviam sido traduzidos, até o vício pela leitura, o estímulo à criatividade e muitos outros benefícios que o RPG traz para jovens em formação intelectual e de caráter. Mesmo se eu quisesse, não teria como desvincular o RPG da minha história de vida.

O RPG teve influência decisiva nas minhas preferências, uma delas o estudo de História. Assim como eu, muitos jovens devem ter passado por isso: jogavam RPG, resolveram estudar História por causa dos recorrentes temas históricos dos RPGs clássicos, sobretudo Idade Média, começaram a trabalhar com educação e decidiram juntar o trabalho com o RPG. Afinal, qual rpgista nunca sonhou em ganhar a vida jogando RPG? Criar um sistema e viver disso é mais difícil, então por que não utilizar o RPG na educação? Se trouxe inúmeras vantagens à minha formação, por que não aos meus alunos, ainda mais utilizando temas abordados pela disciplina regular? Mesmo com este pensamento latente, garanto que muitos devem ter pensado em se tratar de uma idéia meio doida, sem viabilidade, e alguns devem até ter ficado constrangidos em cogitar tal hipótese, até que descobriram não estarem sozinhos, e que já existem diversos trabalhos e estudos nesse sentido, incluindo teses de mestrado e doutorado.

Desde a época de faculdade eu já sabia da existência deste trabalhos, e quando iniciei minha carreira na licenciatura me senti fortemente inclinado a participar desta inovadora prática pedagógica. Descobri a série mini-Gurps, de fácil acesso, e experimentei em sala de aula, com o apoio de alunos que já conheciam o RPG. Resultado: sucesso absoluto, mesmo com os que não conheciam e com os que conheciam mas achavam que era coisa de nerd otário. Tudo bem, é coisa de nerd sim, mas não de otário. Devido ao resultado, resolvi utilizar o RPG na educação de maneira mais ampla, fora do horário das aulas, e para isso preciso do apoio da Secretaria de Educação, que precisa de um projeto fundamentado. Por isso, recorri a inúmeras teses, paginas de internet e livros de especialistas no assunto. Dois deles são estes aí: “SIMPLES – Manual para o uso do ‘RPG’ na educação, de Marcos Tanaka Riyis, e “Roleplaying Game e a pedagogia da imaginação no Brasil”, de Sonia Rodrigues.

SIMPLES é a sigla para “Sistema Inicial para Mestres-Professores Lecionarem Através de uma Estratégia Motivadora”. Como se pode supor, é um sistema bem básico, para professores que conhecem pouco ou nada sobre o RPG. Obviamente não comprei o livro com o objetivo de aprender a jogar RPG com os alunos, mas sim de entrar em contato com as idéias e as experiências de quem já trabalhou deste modo, e neste sentido o SIMPLES foi bem instrutivo para mim.

Não se trata de uma obra teórica complexa, com fundamentações pedagógicas obscuras, mas SIMPLESmente (hehehe) uma explanação sobre como jogar RPG com os alunos e os resultados pessoais de Marcos Riyis, que apresenta seu sistema, suas justificativas e exemplos. Para mim serviu de grande apoio, sobretudo na questão dos Live Actions, modalidade em que se representa mais corporalmente os personagens, aparentemente de maior apelo aos alunos, mas que eu nunca joguei, não domino muito bem e não tinha idéia de como usar com a garotada. Há também que se destacar algumas atividades corporais interessantes propostas no livro, tendo em vista que o autor é professor de Educação Física, e que eu sou professor de História metido a professor de Educação Física, jogo bola com os alunos e todo ano promovo um evento esportivo, seja mini-PAN (ano passado) ou mini-Olimpíada (este ano) ao lado do professor de Educação Física (o de verdade). As atividades físicas vão cair bem, tanto em Live Actions como nas minhas investidas educacionais esportivas.

Se você se interessar, não adianta procurar em livrarias que não vai encontrar. O livro é de uma editora pequena (Jogo de Aprender), criada pelo autor, e basta entrar em contato com ele para adquiri-lo: www.jogodeaprender.com.br ou marcos@jogodeaprender.com.br. É um cara bacana, que mesmo antes de eu comprar o livro me enviou gratuitamente por e-mail um artigo seu e duas aventuras prontas. Todo o material vai me ajudar bastante.

Em contrapartida, o outro livro já é uma obra teórica mais erudita, sem os exemplos práticos, a primeira tese de doutorado em RPG no Brasil. Mas para a minha surpresa, nada neste livro passa perto da utilização do RPG em sala de aula, como é de se supor pelo subtítulo. A tese trata da leitura e da produção de textos por alunos e jovens jogadores de RPG, mas gira muito mais em torno de obras de literatura do que de RPG.

A autora, que é filha do Nelson Rodrigues, começa apresentando o RPG para quem não conhece (incluindo provavelmente a banca examinadora da tese), partindo no capítulo seguinte para a teorização sobre a fantasia e a ficção, no qual são vomitados diversos filósofos e teóricos da literatura que nunca ouvimos nem ouviremos falar na vida real. Nos capítulos do meio do livro, são apresentados os três RPGs mais populares no Brasil, o AD&D, o Gurps e o Vampiro, a máscara. Nesta parte percebi que o livro não ia terminar bem para mim, pois nota-se que a autora sabe o bastante de literatura para chegar ao título de doutorado, mas não conhece muito bem o RPG, e sobrou para o Gurps, que a autora classifica como “o cálculo e o software na narrativa”. Segundo Sonia Rodrigues, o livro de regras do Gurps é complicado porque as coisas estão dispersas pelos capítulos, como um hipertexto, e sua opinião é de que “para o comum dos mortais acostumado, desde a invenção da escrita, com o predomínio da estrutura linear em textos informativos, a forma do Gurps é algo próximo à tortura mental”. Deve ter sido difícil para ela mesmo, tendo em vista seu desconhecimento de algo tão banal como a sigla NT, que qualquer moleque que começa a jogar RPG sabe o significado (Nível Tecnológico).

Não que a autora odeie RPG, senão ela não produziria uma tese defendendo sua utilização na educação. Ela elegeu um queridinho, e este é o “Vampiro, a máscara”, que na sua concepção privilegia mais o “contar histórias” do que as regras. Tudo isso porque este RPG não é genérico – quando pode-se jogar em qualquer cenário –, é temático, obviamente num mundo onde existem vampiros. A partir de então ela explica o porquê do sucesso entre os jovens, dando a impressão que ela enxerga o “Vampiro” como uma melhoria evolutiva do RPG. É claro que seu interesse certamente seria por um RPG relacionado ao “contar histórias”, mas se ela pesquisasse um pouquinho mais os outros RPGs veria que também existem ambientações extremamente detalhistas para AD&D e Gurps, inclusive sobre vampiros. O problema é que ela só se ateve aos manuais básicos, limitando sua compreensão a respeito do assunto. Esse é um dos problemas que acontecem quando alguém que não faz parte de uma cultura tenta estudá-la e interpretá-la.

Depois deste bloco de apresentação dos principais RPGs, mais teorização no capítulo “Roleplaying Game como produto da cultura de massa”: o que caracteriza uma cultura de massa para Adorno e Cia e como o RPG está inserido nesse contexto. Pura chatice intelectualóide dispensável. Sonia Rodrigues fecha sua tese com um capítulo que mais é uma propaganda sobre o jogo de sua autoria (que inclusive se chama “Autoria”), porque ele é ótimo para ser usado na educação, seu futuro lançamento em versão software, sua contribuição para quem quer ser escritor, mas termina-se sem saber ao certo como este jogo funciona, pois nada a respeito é apresentado previamente.

“Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil” pode ser importante para o ramo por se tratar da primeira tese de doutorado a respeito do tema, pode ter seu brilho teórico-acadêmico, mas antes de mais nada é profundamente chato e em nada ajuda na prática em sala de aula. Pode até servir como um bom argumento para justificar a utilização do RPG com os alunos, mas bastava uma resenha de duas ou três páginas com as principais idéias da autora.

SIMPLES

Editora: Jogo de Aprender
Páginas: 85
Disponibilidade: www.jogodeaprender.com.br ou marcos@jogodeaprender.com.br
Avaliação: * * * *

Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil

Editora: Bertrand Brasil
Páginas: 209
Disponibilidade: normal
Avaliação: * *

Um comentário:

  1. excelentíssima matéria...parabens fernando...com essas suas dicas posso "colorir" mais meu TCC...rsrsrsrrs

    valeu mesmo...
    agora eu quero ler o livro SIMPLES..

    abrsssss

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