quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Hey Ho Let's Go: A História dos Ramones - Everett True

Quem é meu chegado ou já leu algumas coisas aqui no blog sabe que Ramones sempre foi minha banda do coração. Musicalmente posso até preferir outros artistas hoje em dia, afinal conheci esses caras quando tinha uns 12 anos, e obviamente a gente muda muito desde então, mas Ramones é a banda que eu mais me identifiquei durante todo esse tempo. As pessoas me identificam com os Ramones, até meus pais que não tem a menor noção de nada de música sabem disso. Minha avó de noventa e tantos anos com princípio de Alzheimer lê o nome da banda nas minhas camisas e acha super engraçado em como soa ao sair de seus lábios. Meus alunos já se acostumaram a assistir às aulas de História olhando para esse nome estampado também. As pessoas simplesmente ouvem o nome Ramones e se lembram de mim, tanto que no meu último aniversário ganhei do meu amigo Dom Pedro essa biografia lançada ano passado aqui no Brasil - e já não é o primeiro livro sobre os Ramones que eu ganho e faço a resenha aqui no blog esse ano.

Em todos esses anos, busquei e tive acesso a bastante material sobre a banda. O primeiro foi uma revista lançada na década de 1990, especial sobre os Ramones, contando sua história, curiosidades, letras de algumas músicas (naquela época não havia internet para se ter acesso a esse tipo de coisa tão comum hoje, e era uma penúria entender o sotaque nova-iorquino anasalado de Joey quando não vinha a letra no encarte). A revista sumiu, alguém surrupiou, mas desde então foram livros, filmes, sites, tudo o que eu pudesse encontrar sobre eles todos esses anos. De todo esse material, nunca tinha encontrado algo tão produtivo, esclarecedor e divertido como Hey Ho Let's Go: a História dos Ramones

O livro não pode ser considerado a "biografia definitiva" da banda - afinal, quem define uma biografia assim está mentindo ou se iludindo -, mas o motivo para isso é o mesmo que justifica minha opinião positiva sobre ele: Hey Ho Let's Go foi escrito por um cara muito fã dos Ramones, e passa longe da isenção ou imparcialidade. E isso tornou a leitura muito prazerosa para mim. Apesar de diferenças em relação a gostos e preferências por essa ou aquela música ou álbum, os fãs geralmente concordam em determinados pontos, e nesse sentido ler esse livro foi como conversar com um amigo que gosta da mesma coisa que eu (aliás, pessoalmente não conheço ninguém que goste tanto dos Ramones como eu com quem eu possa conversar...). E não são opiniões sempre entusiásticas de uma fanzoca bitolada. Everett True muitas vezes critica asperamente seus ídolos por posições ou trabalhos abaixo do esperado, ainda mais pelo fato de ter acompanhado tudo na própria época dos ocorridos. É aquele fã que vibra com determinado fato e se decepciona com outro, mas não deixa de amar a banda - como acontece em toda relação humana de amor. Essa é uma perspectiva bem legal para um livro que trata de uma paixão compartilhada por milhões ao redor do mundo.

Hey Ho Let's Go é o tipo de biografia musical que prende minha atenção. Além de apresentar a vida e a personalidade de cada pessoa envolvida, trata especificamente sobre cada álbum lançado, analisa cada música contida nele, contando a história por trás da letra e às vezes até a técnica seguida em determinada gravação. Além disso, são abordados shows, clipes e participações em filmes. São informações relevantes sobre passagens às vezes obscuras, como por exemplo o caso de Richie Ramone, um baterista que fez parte da banda durante quatro anos, três álbuns, centenas de shows, alguns clipes e inclusive tem créditos em composições, mas é tão ignorado por todos os que tem alguma relação com a banda que parece que não existiu, ou pelo menos que, por algum motivo ignorado até hoje, ninguém quer que pareça que existiu. Bem como um tal Elvis Ramone, baterista convocado para substituí-lo que durou apenas dois shows, por não se encaixar na sonoridade característica da banda, e logo deu lugar para a volta do antigo baterista Marc Ramone. Até o fã mais fissurado pode encontrar informações antes desconhecidas que chegam ao público através de entrevistas inéditas para o livro.

O autor consegue impor um ritmo legal ao livro. Paralelamente à narrativa cronológica, são inseridos alguns capítulos temáticos como Na Estrada (várias partes), contando casos das muitas turnês que a banda fez; ou Em Busca do Sucesso, que procura resposta para o fato de os Ramones terem procurado ou não ser uma banda famosa, nas palavras de pessoas próximas e deles mesmos. Há também alguns capítulos nos quais as pessoas apontam seus álbuns ou músicas favoritas dos Ramones, o que abre a conversa entre vários fãs além do leitor e o autor. Além disso, a narrativa é cortada dentro dos próprios capítulos com declarações e trechos de entrevistas que não fazem parte daquilo que está sendo tratado ali no momento, mas se encaixa no contexto. O conjunto de tudo isso torna a leitura bem fluida e gostosa. Daquelas que você diz pra si mesmo "só mais um capítulo" antes de tomar coragem para ir lavar a roupa que se acumula no canto do quarto. 

Quando se fala de Ramones, tem que se ter em mente que a banda sempre funcionou em meio a brigas, disputas, rivalidades, durante seus 22 anos foi assim. Os relatos de quem acompanhou seus primeiros shows no CBGB, em Nova York, apontavam quatro moleques maltrapilhos discutindo durante os vinte e pouco minutos que ficavam no palco, sobre qual música tocar, quem errou em qual parte, esse tipo de coisa. A situação se tornava pior a cada ano de convívio, e um fato se tornou um ícone ilustrativo disso no início dos anos 80: Johnny roubou a namorada de Joey, e os dois nunca mais se falaram, mesmo se aturando até o fim da banda. Mais ou menos como os Beatles, cada membro tinha uma personalidade bem peculiar, coisa que eu já falei um pouco na resenha da autobiografia do Johnny Ramone. E como acontece no caso do Beatles, os fãs se veem obrigados a escolher lados, ter seu Ramone preferido. Everett True, escrevendo pela paixão, deixa bem claro sua preferência, principalmente por Joey, e sua antipatia por Johnny - pelas mesmas razões que apontei na resenha anterior. Tanto que, em um dos apêndices, escrito após a primeira edição do livro, ele admite ter recebido a seguinte chamada de um colaborador: "Você subestimou totalmente o papel dele na banda... Ele foi o maior guitarrista de punk rock que já viveu. Ele foi Johnny Ramone. Você deve tentar e finalmente encontrá-lo: ele está muito doente. É possível que não sobreviva." Acabou que ele não teve tempo de entrevistá-lo, Johnny morreu pouco tempo depois. Mas isso demonstra claramente essa preferência do autor, o que pra mim não é um defeito, só mais um mérito desse livro - até porque essa preferência é a mesma que a minha... Quem sabe o que eu teria achado se fosse o contrário?

Os Ramones terminam como banda em 1996, dignamente, sem se prolongar eternamente como velhinhos safados atrás de uma graninha como muitos fazem por aí, completando meio século ou mais de travessuras no mundo do rock. Contudo, a história dos Ramones continua sendo escrita por seus membros, na medida em que sobreviviam mais alguns anos após duas décadas num estilo de vida perigoso - o que você não tem muita chance de sobreviver se não for o Keith Richards. Cinco anos depois, os fãs já ficariam órfãos de Joey, vitima de câncer, seguido nos anos posteriores por Dee Dee e Johnny, o que rendeu alguns apêndices nas edições seguintes do livro nos Estados Unidos e já vieram incluídos aqui para o Brasil. Esse ano perdemos Tommy, o último dos Ramones originais que ainda sobrevivia. Pode ser que nas próximas edições venha mais um complemento aí. Mas a história permanece viva nos membros secundários que sobrevivem, mas principalmente nos milhões de fãs pelo mundo que participaram de cada show, que ouviram compulsivamente cada disco, que contaram com a ajuda das letras e canções rápidas e toscas para conseguir suportar a realidade na qual nunca conseguiram se colocar. Fãs como eu. E Hey Ho Let's Go está aí para manter a história e a paixão.

Editora: Madras
Páginas:480
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *


E ATENÇÃO: ISSO NÃO É UMA MARCA DE ROUPA OU UM MEME DE INTERNET PARA VOCÊ SAIR POR AÍ OSTENTANDO NA CAMISA SEM NEM TER IDEIA DO QUE SIGNIFICA!

A modinha está irritante e já passou da conta. Como disse uma vez o ex-empresário da banda Danny Fields, "Eles venderam mais camisas do que álbuns, e provavelmente mais camisas do que ingressos".

sábado, 13 de dezembro de 2014

O Príncipe - Nicolau Maquiavel

Quem criou o termo "os fins justificam os meios"? Se você bateu o olho e pensou em responder Nicolau Maquiavel... bem, você errou. É claro que seu nome vem à mente quando ouvimos essa famosa frase, mas a verdade é que Maquiavel nunca disse isso, bem como é provável que na maioria das vezes em que alguém cita o adjetivo maquiavélico a pessoa esteja fazendo alguma confusão. 

Esse tipo de situação me estimula a pegar alguns livros de Filosofia de vez em quando, simplesmente pelo que diz a etimologia mesmo, "amor à sabedoria", conhecer o pensamento na fonte, e não me deixar levar pelo que se diz por aí. Procuro os considerados clássicos, aleatoriamente ou por circunstância, e dessa vez escolhi O Príncipe, por interesse pela época renascentista suscitado pela série Os Bórgias, na qual, aliás, o personagem de Maquiavel está muito bem construído, apesar de algumas inconsistências históricas - ele aparece em 1494 como diplomata de Florença, quando, na verdade, nessa época ele ainda não tinha entrado para o serviço público.

O Príncipe é um pequeno manual de governo escrito por Maquiavel para Lorenzo II de Médici,  governante de Florença, durante alguns meses de 1513, tempo que passou exilado. Seu objetivo é ensinar preceitos valiosos ao governante para que conquiste e, principalmente, mantenha o poder, formando um Estado forte e sólido. Essa preocupação é bastante justificável, tendo em vista que, naquela época, formavam-se os Estados modernos europeus - Portugal, Espanha, França e Inglaterra, enquanto a Itália permanecia um amontoado de domínios rivais. Nesse ponto residia a principal preocupação de Maquiavel: o fator militar, problema já bem encaminhado nos Estados centralizados, situação que não seria possível ser equiparada pelas cidades italianas com as soluções utilizadas então - forças auxiliares, mercenários, etc. Portanto, um bom governante seria aquele que, primeiramente, fosse capaz de conquistar e manter o poder através das armas.

Nesse ponto, bem como em qualquer outro, o governante deve ser implacável. Aí se encontra a grande inovação que o pensamento de Maquiavel trouxe para a filosofia política do mundo moderno. Não haveria mais espaço para fórmulas de Estados ideais, como por exemplo a República de Platão. Maquiavel apresenta as opções viáveis em seu tempo, diferente dos filósofos anteriores. A partir de então, determina-se a separação entre ética e política (ou, se preferir, uma ética política de uma moral ou ética religiosa), no sentido de que a manutenção do poder é o objetivo principal, e não mais situações utópicas, como uma cidade perfeita governada por filósofos. O governante (o príncipe) deve fazer o que for preciso para manter seu governo. O livro é cheio de exemplos do tipo: determinada atitude é totalmente reprovável, todos concordamos, ninguém deveria fazer isso, porém, às vezes o príncipe tem que fazer, sob o risco de perder o poder. Daí essa história de "os fins justificam os meios", que Maquiavel nunca escreveu em lugar nenhum, e o adjetivo maquiavélico para determinar que alguém é pérfido, malvado, ardiloso, mesmo que seja em situação que nada tenha a ver com filosofia política ou contexto da Itália Renascentista.

Esse é o tema principal de O Príncipe, fazer o que tiver que ser feito para que o poder seja mantido, mas a discussão se aprofunda um pouco mais. Maquiavel não se limita a dizer o que o príncipe deve fazer, mas também como isso deve ser feito. Se baseando em diversos exemplos da história da humanidade, da realidade de seu tempo e de sua própria experiência como diplomata e funcionário público, o autor faz recomendações do tipo, seja amado ou temido, de acordo com a necessidade, mas nunca odiado. Ou também: se for para punir, que essa punição seja definitiva, sem chance de retaliações, mas se for para beneficiar, que se faça aos poucos, para se criar uma expectativa positiva aos beneficiados.

A leitura de O Príncipe tem esse sentido, o de compreender adequadamente este pensamento, tão importante que influenciou diversas personalidades de épocas posteriores, como Napoleão Bonaparte e Benito Mussolini, e teve atenção de pensadores de nossa época como Antonio Gramsci. Não é uma leitura divertida, em certos pontos torna-se até chata por causa dos inúmeros exemplos de obscuras cidades italianas do século XVI, mas de qualquer forma é um livro bem curtinho e pode se começar e terminar no mesmo dia, dependendo de quanto material extra vem na edição - introduções, notas, essas coisas. São diversas as opções, a que li foi a que está presente na épica coleção Pensadores, da editora Abril. O importante é ter alguma leitura de apoio e colocar o livro em seu contexto para que faça sentido e se tire bom proveito dele. 
 
Editora: várias
Páginas: cerca de 200
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *