terça-feira, 30 de julho de 2013

Lisboa 1939-1945 - Guerra nas Sombras - Neill Lochery

A Segunda Guerra Mundial é provavelmente o tema mais abordado pela história, e consequentemente há uma imensa disponibilidade de títulos sobre seus episódios e personagens nas livrarias. É compreensível: foi travada diretamente pelas principais potências do mundo, praticamente todos os países tiveram uma participação mais intensa do que na Primeira Guerra Mundial (inclusive o Brasil) e determinou os rumos do que se seguiu nas décadas seguintes. Soma-se a isso o fascínio exercido pelas personalidades envolvidas e o inevitável maniqueísmo produzido pelos meios de comunicação, a luta do bem contra o mal, o tempero certo para qualquer história emocionante. Quantas biografias de Hitler, Stalin, Churchill ou Roosevelt já não foram editadas? Quantos lançamentos sobre o Dia D, Hiroshima ou a tomada de Berlim que até hoje merecem locais de destaque nas livrarias? Ao que parece um mercado inesgotável, juntam-se livros de temas específicos sobre pessoas ou lugares que não têm espaço nos grandes manuais, entre estes Lisboa 1939-1945 - Guerra nas Sombras, de Neill Lochery. 


É natural que a princípio Portugal, um país neutro durante a guerra, não tenha tanta relevância para justificar muito material a respeito, mas o que Lochery mostra é justamente que bastante coisa ocorreu em terras lusitanas no período marcado no título. Coisas importantes. E baseado nisso pode-se dividir esta investigação em três setores (apesar de não haver essa divisão no livro): a ação dos países beligerantes em solo português, a posição nada neutra de Portugal quanto à defesa de seus interesses políticos e econômico e a saga dos refugiados em sua desesperada fuga da Europa.

Teoricamente, em território neutro não se pode guerrear. Não oficialmente, ou não em modos tradicionais de guerra. Por isso a espionagem foi a arma óbvia utilizada pelos Aliados e o Eixo, e no meio de ambos, a polícia secreta portuguesa fazendo o que podia para defender a soberania nacional. Por outro lado, Salazar tentava desesperadamente manter Portugal oficialmente fora da guerra e, ademais, lucrar ao máximo com esse posicionamento. O ditador sabia que um leve deslize para qualquer lado significaria a ocupação do pequeno país ibérico por aliados ou alemães. E que movimentos sutis significariam a entrada de mais e mais capitais na economia nacional - mesmo que na forma de ouro alemão espoliado dos judeus...

No meio de inúmeras tramas entre espiões, banqueiros, políticos e oportunistas de todos os tipos, as vítimas do mais amplo conflito mundial encontravam  em Lisboa uma ponta de esperança, uma última escala entre o inferno e a nova vida da América, mas até que finalmente conseguissem alcançar seu intento, passariam por diversas provações na capital portuguesa. E não só os mais humildes tiveram Lisboa como seu purgatório ou, mais ainda, seu local de sacrifício derradeiro: até artistas e importantes peças políticas padeceram lá em meio às maquinações da Segunda Guerra.

Por tantas informações surpreendentes, Lisboa 1939-1945 já seria um livro bem interessante para quem gosta de ler sobre história contemporânea, mas a qualidade da escrita do autor e sua pesquisa séria, cheia de fontes e fotos da época, tornam o trabalho lançado aqui no Brasil no ano passado ainda mais tentador.

Editora: Rocco
Páginas: 312
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

p.s: O livro cita diversas vezes o filme Casablanca. Adoro cinema mas confesso que tenho um pouco de pé atrás em relação a esses grandes "clássicos" do cinema norte-americano, mas nesse caso tenho que admitir: é um filmaço, não é um daqueles mitos criados a partir de porcarias hollywoodianas da época. Recomendo também como aditivo ao livro, ou vice-versa.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Revolução no Futuro - Kurt Vonnegut Jr.

Em um futuro próximo, desenvolve-se nos Estados Unidos uma sociedade extremamente automatizada, na qual os cidadãos são divididos de acordo com seu QI: os mais inteligentes desempenham funções administrativas e de comando, enquanto o resto da população se divide em soldados ou trabalhadores braçais. Apesar de ainda haver diferenças sociais, nada de material falta para as pessoas, todos têm tudo o que precisam para viver bem. Contudo, a presença cada vez maior das máquinas no cotidiano tira dos seres humanos sua autonomia, enquanto o governo, que impede qualquer contestação contra esse modelo perfeito, lhe toma a liberdade. 

O parágrafo acima parece um resumo de uma história de ficção científica de meados do século XX, aos moldes de Aldous Huxley, Ray Bradbury e George Orwell. E é. Primeiro livro de Kurt Vonnegut, Revolução no Futuro ainda não mostra a ótima escrita do autor, limitando-se a criar uma versão pessoal dos grandes livros de distopia da época: uma sociedade aparentemente sem contrastes ou falhas, que ao longo do livro vai se mostrando uma quimera, descoberta por um personagem que se rebela e é reprimido por causa disso.

Paul Proteus tem a vida que todo homem gostaria de levar. Ocupa uma posição de prestígio no sistema social que valoriza a inteligência acima de tudo: ocupa um dos cargos mais altos, tem à sua disposição todo tipo de conforto, vive um casamento perfeito. Aos poucos, começa a perceber que aquela harmonia social não passa de aparência, e que, diga o que disser a propaganda oficial, o povo realmente não está feliz. A partir daí já se pode ter uma ideia do que vem pela frente - ainda mais depois da tradução tosca do título original, "Player Piano". E os clichês não param por aí: a população vive em guetos, tem o cara que abre os olhos do protagonista para a realidade escondida e até o computador que controla os rumos dos assuntos da humanidade.

Debutando na literatura, Kurt Vonnegut não é ainda o grande escritor que se notabilizaria nos trabalhos seguintes. Já se nota aí o embrião de algumas de suas melhores características, como a ironia que seria hilária se não fosse tão sutil e a atenção com as características dos personagens, mas olhando retrospectivamente à luz de seus livros mais famosos, tudo parece um treino, ou uma gestação. Há diálogos realmente engraçados e passagens que prendem o leitor, mas, de modo geral, a história não empolga e parece longa demais nas 400 páginas do livro.

Por sua irrelevância, Revolução no Futuro não tem uma versão brasileira desde os anos 70, mas é facilmente encontrado em sebos. Não é o livro certo para começar a ler Vonnegut ou histórias de distopia - pode ter interesse apenas para quem já é viciado em um ou no outro, ou em ambos, unicamente para fins de aprofundamento. Mas nada de julgar Vonnegut por isso! Como eu disse, é um livro inicial, experimental para o desenvolvimento desse ícone da literatura contemporânea. Não é bom, mas também não chega a ser um livro ruim. Está longe de ser memorável, mas o cara que escreveu Matadouro 5 pode ter esse fato ordinário na sua biografia, ele pode.

Editora: Círculo do Livro
Páginas: 402
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * *