terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O Último Imperador - Edward Behr


Geralmente, bons livros são adaptados para o cinema, mas no caso de "O Último Imperador", aconteceu o inverso. A obra-prima de Bertolucci fez tanto sucesso que foi imperativo (sem trocadilhos) que a impressionante história verídica de P`u-i fosse parar nas prateleiras das livrarias.

Também geralmente, as histórias transformadas em filmes perdem muito de sua qualidade - o que também não é o caso aqui, pois "O Último Imperador" é um filme fantástico, onde se destaca a genialidade do diretor -, mas quase sempre elas perdem algo de seu conteúdo, dadas as limitações de tempo até nos maiores longas metragens. O filme de Bertolucci não foi feito para explicar os pormenores da vida de P`u-i, mas sim apresentar esta figura ímpar na história de uma forma artística insuperável. Lendo o livro após ver o filme, percebe-se que muita informação extra foi incluída nesta biografia, mesmo histórias paralelas de coadjuvantes na vida de P`u-i, para o deleite de qualquer espectador que saiu dos cinemas satisfeito na década de 1980.

A biografia do último imperador da China escrita por Edward Behr começa antes do que se mostra no filme, apresentando a situação na China, que era uma quase colônia das potências europeias, humilhada e praticamente saqueada, e as intrigas palacianas que cercaram a sucessão da maligna imperatriz viúva Tz`u-hsi, predecessora de P`u-i. Só então o livro começa a tratar da vida do último imperador, que aos três anos já fora coroado e tornou-se prisioneiro na Cidade Proibida - a China era uma República, mas os líderes não ousaram destituir o povo deste símbolo presente na história do país desde o terceiro milênio antes de Cristo.

Todo o restante da vida de P`u-i - sua expulsão da Cidade Proibida, a aliança com os japoneses que conquistaram a Manchúria antes da II Guerra Mundial, sua captura pelos comunistas de Mao Tsé-Tung no poder, a prisão e sua transformação em cidadão modelo da República Popular da China - além de serem esmiuçados aos mínimos detalhes, são analisados pelo autor, dando muito mais sentido a diversas passagens do filme. Todos que cruzaram seu caminho - esposas, servos, os poucos amigos que o ajudaram e as muitas pessoas que tiraram proveito de sua posição - também tiveram este cuidado do autor. Depois de todas as informações dispostas nas 280 páginas do livro, cabe ao leitor julgar esta personalidade sem igual: bondoso? inteligente? covarde? mesquinho? manipulador? sincero?

Edward Behr utilizou como fontes de sua pesquisa, além de documentos oficiais, jornais e conversas com pessoas que viveram ao lado de P`u-i, dois livros escritos por personagens desta história: um do tutor do jovem imperador, o escocês Reginald Fleming Johnston, que narrou seus dias na Cidade Proibida, e a própria autobiografia de P`u-i, um livro cheio de meias-verdades escrito por um ghost writer chinês. Intitulado "O Último Imperador da China", também teve tradução para o português, e é encontrável em sebos.

O filme de Bertolucci é uma aula de como fazer um filme, e ganhou uma porção de prêmios pelo mundo. O livro, que ganhou um prêmio Gutemberg, é uma aula de história da China e do mundo contemporâneo traçada ao redor de alguém que viveu diferentes mundos da forma mais intensa possível, alguém que nasceu nobre, muito cedo se tornou imperador e morreu jardineiro e cidadão comunista, talvez sinceramente, talvez por interesse. Veja o filme, depois leia o livro (apesar de esgotado, é fácil encontrar em sebos), e ligue o dvd de novo para atentar aos detalhes.

Editora: Record
Páginas: 281
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * * *

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Fritz the Cat - Robert Crumb


Já citei Rubert Crumb por aqui na resenha sobre a Zap Comix, livro no qual ele é um entre outros excelentes artistas, mas pela sua importância no mundo dos quadrinhos, a editora Conrad publicou há alguns anos boa parte de sua obra em volumes de boa qualidade. A maior parte desta coleção se encontra na minha estante, e um dos livros mais importantes é "Fritz the Cat".

Fritz é um gato antropomorfizado através do qual Robert Crumb criticou a sociedade americana da década de 1960. Ele é um malandro desbocado que faz sexo com todo o tipo de garotas, usa drogas e se mete em situações insólitas muitas vezes alheias à sua vontade. Cada camada social é representada por animais diferentes - por exemplo, os corvos são uma metáfora interessante para os negros, e seus perseguidores, os gatos, são os brancos. Também numa crítica debochada ao macartismo e à fobia anticomunista ainda vivos naquela época, os chineses são retratados como ratos. Outros animais são utilizados somente para representar a diversidade, sobretudo das garotas com quem Fritz transa - jacarés, cadelas, éguas, etc.

O personagem foi inspirado no gato do autor quando criança, "Fred" (segundo suas palavras, "o típico gato miserável, vagabundo e sujo"), e na primeira história ("Vida de Gato"), que é bem diferente das outras, com os gatos em suas formas originais e na única ocasião onde aparecem seres humanos, Fritz é apenas um coadjuvante, sendo Fred a estrela. Estas primeiras páginas são desenhadas a lápis, ainda durante a juventude de Crumb, uma época em que ele desenhava para divertir seus irmãos e evitar ter contato com o resto do mundo. "Vida de Gato", ao invés de zoar com toda a sociedade da época, é uma história simples, inocente (se comparada com o restante) e uma das melhores do livro, mas acho que só pode ser compreendida corretamente por quem tem ou já teve um gato - o que é o meu caso.

O conteúdo começa a ficar mais pesado a partir da segunda história, na qual Fritz, agora bípede e vestido, visita a casa da mãe, revê a irmã que cresceu e acaba trepando com ela. O restante são sátiras a figuras da época - a maioria ainda muito atuais -, como vendedores pilantras, mágicos charlatões, agentes secretos, ídolos do rock, líderes revolucionários. No meio de todas as excelentes histórias, para mim uma se destacou: "Fritz cai fora", que traduz de forma sem igual o climão de fins da década de 1960, meio hippie, meio beatnik, totalmente livre. Aqui, Fritz se cansa de tudo, taca fogo nos seus livros da faculdade (e consequentemente no apartamento que dividia com os amigos), se mete em várias furadas e mete o pé na estrada.

A coletânea "Fritz the Cat" é fundamental na bibliografia básica de quadrinhos por causa da importância histórica do personagem e de sua qualidade, e ignorando erros mínimos, a edição da Conrad merece nota máxima, já que na época de seu lançamento (2004) era a antologia mais completa do gato em todo o mundo, incluindo até desenhos inacabados.

Robert Crumb foi o criador e maior representante dos quadrinhos underground, tendo virado tema do documentário "Crumb", de 1994. Ele está com 66 anos e atualmente se dedica a quadrinizar todo o antigo testamento - palavra por palavra! -, mas quem imagina o lado religioso do autor incorre ao erro: ele mesmo já disse que é exclusivamente pela bela grana que está recebendo para isso - 1 milhão de dólares adiantados só pelo "Gêneses", segundo rumores.

Fritz the Cat nasceu como uma brincadeira entre irmãos, se tornou o principal personagem underground da década de 1960, chegou até a virar uma animação bacana (que dá para encontrar em sites de download) e por causa de todo esse sucesso foi morto pelo seu criador. Sua última história é de 1972.

Editora: Conrad
Páginas: 136
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *



domingo, 13 de dezembro de 2009

O Messias de Duna - Frank Herbert


Para mim, Duna é a melhor série de livros de ficção científica - e talvez a melhor série de livros em geral. Depois que li o primeiro volume da série, demorei mais de um ano para digeri-lo por completo, tamanha a complexidade do universo criado por Frank Herbert. Neste período, pesquisei bastante sobre tudo relacionado à série, li Duna desde o começo mais uma vez para relembrar os muito detalhes e termos criados pelo autor, vi o filme de 1984 (que é uma porcaria!) e só então comecei a ler "O Messias de Duna", o segundo livro da série.

O livro tem início 12 anos após os acontecimentos de Duna, tempo durante o qual a Jihad é estabelecida pelo universo e Paul Atreides comanda o poderoso império através de suas hordas fremem. Atormentado por suas visões do futuro (ou das possibilidades do futuro), o Muad`Dib (como Paul é conhecido entre seus fanáticos seguidores) luta para se desviar de futuros desastrosos e moldar a realidade de acordo com seus planos, enquanto uma conspiração tenta destruí-lo em benefício da grande companhia de comércio, já que o imperador controla sozinho toda a produção de melange, o produto mais importante do universo.

Apesar de ser bom, "O Messias de Duna" não alcança o estrondoso sucesso do primeiro livro, mas para os fãs é uma bela continuação desta maravilhosa saga. Não há tanta ação, e nem tanta reviravolta na história, sendo este volume bastante menor que o primeiro, mas a trama é muito bem elaborada e se transforma quase numa história policial quando se chega ao final e toda a conspiração é finalmente elucidada. O aparecimento de novos componentes do universo de Frank Herbert, como alienígenas e organizações secretas é um prato cheio para quem leu Duna e ficou querendo mais, bem como o destino e o retorno de antigos personagens.

"O Messias de Duna" é fundamental para os fãs da série, mas descartável para quem não leu o primeiro volume, pois para estes será uma leitura incompreensível.

Editora: Nova Fronteira
Páginas: 283
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

Livro Digital


sábado, 5 de dezembro de 2009

827 Era Galáctica - Isaac Asimov


A fantástica imaginação de Isaac Asimov rendeu à humanidade 463 livros, entre diversos temas, mas principalmente ficção científica, gênero que o tornou venerado por milhões de nerds de diversas gerações. Para minha introdução à sua obra, deixei de lado os famosos contos de robôs (como "Eu, robô" e "O Homem Bicentenário") ou a considerada obra prima "Fundação" e escolhi algo menos conhecido, "827 Era Galáctica", primeiro livro da série "Império Galáctico".

Esta série se passa num futuro aparentemente muito distante, no qual a Terra é um planeta insignificante em relação aos outros milhares habitados por seres humanos, assolado por radiação (provavelmente por causa de uma guerra nuclear), e por isso pobre e vítima de preconceito do resto da humanidade espalhada pelo universo. Entretanto, é ignorado que a própria humanidade surgiu aqui e depois se espalhou pelo universo.

A trama se dá em torno de Joseph Schwartz, um alfaiate americano idoso que, caminhando pela rua fazendo planos para sua iminente aposentadoria, é atingido por uma raio que o transporta para o ano 827 da Era Galáctica, uma época em que as pessoas não têm o direito de viver após os 60 anos, devido aos escassos recursos do planeta - exceto personalidades muito importantes. Paralelamente, um arqueólogo chega à Terra para tentar provar que a humanidade tem origem no nosso planeta (o que contraria a teoria vigente de que os seres humanos teriam se originado de forma dispersa), e um cientista e sua filha trabalham em experiências para aumentar as capacidades mentais dos seres humanos, sob a repressão do governo terrestre e um quadro de tensão crescente deste com o império galáctico.

A trama do livro é bastante interessante, nem tanto pelo que acontece com os personagens e o rumo da história, mas sim pela imaginação de um planeta Terra no futuro, suas instituições, sociedade, ecologia e posição política no universo. Os personagens são bons, mas não ótimos, e o final é um pouco previsível. "827 Era Galáctica" está longe de ser um livro sensacional, mas não deixa de ser uma leitura leve e divertida e uma porta de entrada para o poder da obra de Isaac Asimov.

Editora: Hemus
Páginas: 235
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *