Utopia, a sociedade ideal, é imaginada por pensadores desde Platão em A República (pelo menos na cultura ocidental), mas foi no século XVI que o termo foi cunhado por Thomas More através de sua obra mais famosa. Nesses mais de dois mil anos, há diversos exemplos de utopias criadas por filósofos como Santo Agostinho (A Cidade de Deus) ou Tommaso Campanella (A Cidade do Sol), mas no século XIX, com as mudanças trazidas pela revolução industrial, um novo conceito é criado a partir das agradáveis utopias: a distopia, ou anti-utopia, uma sociedade longe de ser ideal (embora pretenda ser), produzida por algum acontecimento ou processo revolucionário - mudança tecnológica, pandemia fatal ou guerra nuclear, por exemplo. A distopia passou então a ser bastante explorada como um subgênero da ficção científica.
Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, pode ser considerado um dos livros de distopia mais famosos da história (ao lado de 1984, de George Orwell, e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury), talvez até mais importante que outros por ter sido escrito já na década de 1930, tendo influenciado desde então diversas obras em várias áreas. Um clássico indiscutível, não por sua qualidade literária - o enredo é cheio de furos e situações improváveis, e os personagens são fracos, superficiais -, mas pelas ideias de uma sociedade repressora, que preza acima de tudo o equilíbrio social, sem conflitos, e não admite interferências individuais em seu curso pré-determinado.
O que promoveu o caminho para a sociedade aparentemente perfeita em Admirável Novo Mundo foi a revolução tecnológica que Huxley presenciava em seu tempo, simbolizada principalmente pelo sistema fordista de produção. A imaginação do autor trabalhou então no sentido de desenvolver uma linha temporal, a partir da década de 1930 do mundo real até seis séculos depois, em que o conceito da linha de produção determinasse a sociedade humana (e não o contrário), a ponto de a própria reprodução ser desenvolvida exclusivamente em laboratórios, através de técnicas precisas que produziriam seres humanos destinados biologicamente ao seu papel na sociedade, de acordo com seus atributos físicos e intelectuais. O processo de imposição dos indivíduos ao seu papel social continua após o nascimento, através de condicionamento psicológico de gostos, responsabilidades e preconceitos. Tudo isso gerava castas bem definidas, dos alfa (dirigentes, de inteligência e estatura elevadas) aos ipsilons (trabalhadores braçais que mal conseguem se comunicar), passando pelas castas intermediárias beta, gama e delta. Por todos estes condicionamentos impostos desde a geração do ser humano, não há possibilidade de transferência de um indivíduo de uma casta a outra.
O controle social continua por toda a vida do indivíduo, com regras que impedem seu contato com qualquer tipo de literatura ou arte anterior à época em que teria ocorrido a grande revolução na sociedade (a época de Ford), bem como a inexistência de conceitos de religião, família e fidelidade sexual ou sentimental entre duas pessoas (por isso o estímulo à liberdade sexual ilimitada, desde a infância). A sociedade do Admirável Mundo Novo não abre espaço para as realizações individuais, e para o caso de qualquer dúvida ou pensamento que desvirtue as regras, todos os cidadãos são quase que obrigados a ingerir o soma, uma droga sem efeitos colaterais que tem o papel de tirar qualquer traço de sofrimento psicológico.
Após ler esta resenha, você deve estar com a impressão de um baita spoiler, e que eu tirei a graça de sua leitura, mas você está enganado. O que escrevi até agora, apesar de dar margem para muito assunto, são só os conceitos básicos do futuro imaginado por Aldous Huxley. Neto de Thomas Huxley, um importante biólogo evolucionista, Aldous era um homem bem inserido no conhecimento científico e social de sua época, e pôde imaginar uma sociedade do futuro em detalhes, desde os meios de transporte até os jornais lidos por cada casta, apesar de não ser estritamente um escritor de ficção científica. A história em si, se não é o forte do livro, também não chega a ser ruim, mas só por este quadro que é exposto nos primeiros capítulos já dá para prever mais ou menos o que vai acontecer (como na maioria das histórias de distopia). Mesmo assim, vejo Admirável Mundo Novo como um livro da minha biblioteca básica, recomendado para as gerações futuras e guardado na estante para releituras.
Vinte anos mais tarde, Aldous Huxley escreveu um prefácio para uma nova edição de Admirável Mundo Novo, onde propunha uma alternativa melhor para o final do livro e admitia algumas falhas de enredo e sobretudo de previsões para o futuro - por exemplo, o autor se ressentia de não ter incluído a energia nuclear, que na década de 1950 dava toda a impressão que seria a fonte energética fundamental no futuro, mas se explica: "O tema do Admirável Mundo Novo não é o progresso da ciência como tal; é o progresso da ciência na medida em que atinge os indivíduos humanos". E ao que parece, a aventura de Huxley na ficção científica nunca mais saiu de sua cabeça, já que em 1958 o autor publicou uma série de ensaios chamada Regresso ao Admirável Mundo Novo. na qual é discutida a manipulação da vontade humana do livro anterior à luz de novas técnicas descobertas neste período. E o tema é novamente abordado em forma de romance em seu último trabalho, A Ilha - o primeiro livro de Huxley que li, e gostei bastante - porém de forma inversa: uma sociedade utópica onde a busca da felicidade de todos os seus membros é o objetivo.
Editora: várias edições (atualmente edição de bolso da Globo)
Páginas: 398 (edição da Globo)
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *
Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, pode ser considerado um dos livros de distopia mais famosos da história (ao lado de 1984, de George Orwell, e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury), talvez até mais importante que outros por ter sido escrito já na década de 1930, tendo influenciado desde então diversas obras em várias áreas. Um clássico indiscutível, não por sua qualidade literária - o enredo é cheio de furos e situações improváveis, e os personagens são fracos, superficiais -, mas pelas ideias de uma sociedade repressora, que preza acima de tudo o equilíbrio social, sem conflitos, e não admite interferências individuais em seu curso pré-determinado.
O que promoveu o caminho para a sociedade aparentemente perfeita em Admirável Novo Mundo foi a revolução tecnológica que Huxley presenciava em seu tempo, simbolizada principalmente pelo sistema fordista de produção. A imaginação do autor trabalhou então no sentido de desenvolver uma linha temporal, a partir da década de 1930 do mundo real até seis séculos depois, em que o conceito da linha de produção determinasse a sociedade humana (e não o contrário), a ponto de a própria reprodução ser desenvolvida exclusivamente em laboratórios, através de técnicas precisas que produziriam seres humanos destinados biologicamente ao seu papel na sociedade, de acordo com seus atributos físicos e intelectuais. O processo de imposição dos indivíduos ao seu papel social continua após o nascimento, através de condicionamento psicológico de gostos, responsabilidades e preconceitos. Tudo isso gerava castas bem definidas, dos alfa (dirigentes, de inteligência e estatura elevadas) aos ipsilons (trabalhadores braçais que mal conseguem se comunicar), passando pelas castas intermediárias beta, gama e delta. Por todos estes condicionamentos impostos desde a geração do ser humano, não há possibilidade de transferência de um indivíduo de uma casta a outra.
O controle social continua por toda a vida do indivíduo, com regras que impedem seu contato com qualquer tipo de literatura ou arte anterior à época em que teria ocorrido a grande revolução na sociedade (a época de Ford), bem como a inexistência de conceitos de religião, família e fidelidade sexual ou sentimental entre duas pessoas (por isso o estímulo à liberdade sexual ilimitada, desde a infância). A sociedade do Admirável Mundo Novo não abre espaço para as realizações individuais, e para o caso de qualquer dúvida ou pensamento que desvirtue as regras, todos os cidadãos são quase que obrigados a ingerir o soma, uma droga sem efeitos colaterais que tem o papel de tirar qualquer traço de sofrimento psicológico.
Após ler esta resenha, você deve estar com a impressão de um baita spoiler, e que eu tirei a graça de sua leitura, mas você está enganado. O que escrevi até agora, apesar de dar margem para muito assunto, são só os conceitos básicos do futuro imaginado por Aldous Huxley. Neto de Thomas Huxley, um importante biólogo evolucionista, Aldous era um homem bem inserido no conhecimento científico e social de sua época, e pôde imaginar uma sociedade do futuro em detalhes, desde os meios de transporte até os jornais lidos por cada casta, apesar de não ser estritamente um escritor de ficção científica. A história em si, se não é o forte do livro, também não chega a ser ruim, mas só por este quadro que é exposto nos primeiros capítulos já dá para prever mais ou menos o que vai acontecer (como na maioria das histórias de distopia). Mesmo assim, vejo Admirável Mundo Novo como um livro da minha biblioteca básica, recomendado para as gerações futuras e guardado na estante para releituras.
Vinte anos mais tarde, Aldous Huxley escreveu um prefácio para uma nova edição de Admirável Mundo Novo, onde propunha uma alternativa melhor para o final do livro e admitia algumas falhas de enredo e sobretudo de previsões para o futuro - por exemplo, o autor se ressentia de não ter incluído a energia nuclear, que na década de 1950 dava toda a impressão que seria a fonte energética fundamental no futuro, mas se explica: "O tema do Admirável Mundo Novo não é o progresso da ciência como tal; é o progresso da ciência na medida em que atinge os indivíduos humanos". E ao que parece, a aventura de Huxley na ficção científica nunca mais saiu de sua cabeça, já que em 1958 o autor publicou uma série de ensaios chamada Regresso ao Admirável Mundo Novo. na qual é discutida a manipulação da vontade humana do livro anterior à luz de novas técnicas descobertas neste período. E o tema é novamente abordado em forma de romance em seu último trabalho, A Ilha - o primeiro livro de Huxley que li, e gostei bastante - porém de forma inversa: uma sociedade utópica onde a busca da felicidade de todos os seus membros é o objetivo.
Editora: várias edições (atualmente edição de bolso da Globo)
Páginas: 398 (edição da Globo)
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *
Livro Digital (português)
Livro Digital (inglês)
Vai de quem diz ser uma sociedade ideal né? É uma sociedade perfeitamente organizada mas totalmente sem liberdade de expressão, o livro mostra uma sociedade controlada por um estado autoritário, eu não chamaria de ideal. Mas é sem dúvida o melhor livro que já li.
ResponderExcluirParece que não, mas ainda tem muita gente saudosa dos tempos da ditadura militar, vivendo no mito que naquela época era melhor porque não havia violência - exceto para os "terroristas" e suas famílias. Você vai gostar de ler George Orwell. A Revolução dos Bichos é um excelente livro, pequeno e fácil de ler, só não escrevi sobre ele ainda aqui porque já li há muitos anos, e teria que dar uma relida pra lembrar detalhes e tal.
ResponderExcluirJá li também, sei que há muita gente que prefere a ditadura, mas tem explicação, aqui em Curitiba onde eu moro todo mundo diz que a ditadura foi fraca e que ninguem sentiu, ela foi mais forte nos grandes centros políticos, até hoje meus pais dizem que a ditadura foi boa, que teve grande prosperidade econômica(o que é fato), mas o nível de alienação do povo do sul é enorme porque não sentiram na pele a censura, meu pais com seus 18~20 anos saía toda noite pra balada e festa, escutava musica livremente.
ResponderExcluirLeia mesmo denovo o revolução dos bichos, é ótimo, e se quiser algumas dicas também leia 2 viagens ao Brasil -Hans Staden e Paraíso Destruído - Frei Bartolomé de Las Casas.
Grato,
Guuh.