segunda-feira, 29 de junho de 2009

Persépolis - Marjane Satrapi


Conheci Marjane no ano passado, através do filme Persépolis e... me apaixonei! Marjane é uma garotinha que nasceu no Irã, presenciou a revolução islâmica, sofreu um bocado com a guerra contra o Iraque, viveu como uma estranha numa terra estranha na Europa e criou a Graphic Novel Persépolis, obra super-elogiada e vencedora do prêmio de melhor história em quadrinhos da feira de Frankfurt em 2004 que conta sua história e que foi transformada em longa-metragem em 2007.

Persépolis foi originalmente lançada em quatro volumes, entre 2000 e 2003, e agora está no mercado brasileiro na forma de compilação com os quatro volumes encadernados. A obra de Marjane Satrapi é feita de desenhos simples e em preto-e-branco, mas que passam bastante sentimento e complementam o texto autobiográfico, que alterna situações cômicas e trágicas. Até o lançamento do filme eu nunca tinha ouvido falar desta HQ, mas acompanhando os poucos filmes baseados em quadrinhos que satisfazem os fãs, Persépolis é um filme muito bacana, que por si só agrada. Recentemente, com uma promoção que deixou o preço do álbum acessível (no momento está custando R$ 28 do site da Saraiva, o preço cheio é R$ 41), pude comprovar que o filme foi bem fiel ao original, com o mesmo traço da desenhista, mas ainda assim faltam algumas passagens só publicadas no papel.

Persépolis é uma autobiografia bem ao estilo American Splendor (outra HQ que foi muito bem transformada em filme), escrachada, engraçada, debochada, mas que ao mesmo tempo mostra situações dramáticas acerca da violência presente no Irã entre as décadas de 1970-90 e da própria vida da autora, que se identifica como “iraniana na Europa e européia no Irã”. O uso do véu, a proibição de qualquer tipo de diversão presente no ocidente (incluindo festas e música), a xenofobia, as situações inusitadas, tudo isso está presente em Persépolis. Recomendo a qualquer pessoa que curta biografias e História, independente de ser fã de quadrinhos ou não.

Editora: Companhia das Letras
Páginas: 352
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Memórias de um Anarquista Japonês - Osugi Sakae




Pra falar a verdade, eu nunca tinha ouvido falar de Osugi Sakae, mas fui seduzido pelo título inusitado, característico dos livros alternativos da editora Conrad, e pelo preço baixíssimo num evento de anime em São Paulo. "Memórias de um anarquista japonês" é justamente o que o título anuncia, mas não só, pois como todas as autobiografias decentes, ultrapassa as fronteiras do narcisismo para nos apresentar uma visão de mundo, neste caso o Japão extremamente repressivo e militarizado nas décadas que precederam a invasão da China, Coréia e sudeste asiático e o ataque a Pearl Harbor.


Conhecido como "anarquista erótico", Sakae conta sua trajetória desde as primeiras lembranças até se tornar um completo anarquista na prisão. Como se pode presumir, um rebelde não se faz num ambiente agradável e livre de conflitos, então somos apresentados a um garoto que, quando fazia besteiras, buscava a vassoura para a mãe bater nele, mas alguns anos depois é expulso da escola militar após uma briga que terminou num ferimento grave causado por uma facada. Sua escrita passeia pelo deboche e humor e é razoável, mas o que vale mesmo é a descrição do Japão do início do século XX por alguém que vivenciou tudo aquilo. O cristianismo, por exemplo, que é o retrato da caretice para nós, era para os japoneses uma forma de resistência à sociedade tradicional opressiva - era radical ser católico no Japão! As memórias presentes neste livro vão até sua saída da prisão, período no qual o anarquista (que apresentava gagueira) ficou praticamente mudo e só comia arroz branco.

Osugi Sakae viveu intensamente a rebeldia, foi preso por isso, teve relações amorosas conturbadas e acabou sendo assassinado por militares em circunstâncias que chocaram a própria sociedade repressiva da época - durante um encontro de anarquistas na Europa, é preso, deportado e, chegando ao Japão, é espancado até a morte juntamente com sua mulher e um sobrinho de apenas seis anos, em 1923. Daí em diante, a violência do Estado japonês prosseguiu até que as bombas atômicas fossem lançadas em Hiroshima e Nagasaki.

Editora: Conrad
Páginas: 181
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

terça-feira, 23 de junho de 2009

O Livro Negro do Colonialismo - Marc Ferro (org)




Quando me formei na faculdade de História, há três anos atrás, mamãe cismou que queria me dar um presente de formatura. Eu não faço questão desse tipo de coisa, mas como já havia dado a ela o desprazer de não participar de festas de formatura, nem ao menos uma cerimônia de colação de grau, resolvi aceitar a oferta. Como eu podia escolher o que quisesse (até certo limite de valor, e contanto que tivesse a ver com o fato de eu estar me formando - meu pedido inicial de bonecos Marvel Legends foi negado), pedi a ela o livro mais caro, quer dizer, o livro que eu teria mais dificuldades em adquirir com meus recursos de rapaz recém-formado, um livro grande, imponente, organizado por um historiador de renome internacional, com uma capa chocante: o Livro Negro do Colonialismo. Anos depois de ganhá-lo, finalmente obtive o tempo e a estabilidade mental necessários para a leitura desta obra coletiva de 957 páginas.

Hoje em dia existem vários livros negros: do capitalismo, do cristianismo, dos Estados Unidos (que também já li), mas me parece que o primeiro foi o Livro Negro do Comunismo (que também tenho e hei de ler). Só para se ter uma idéia, este livro foi editado no Brasil pela Biblioteca do Exército, e tem um prefácio de um general das antigas dizendo: “Estão vendo, nós estávamos certos em perseguir e torturar os comunistas”. Não que o comunismo tenha sido um sistema impecável, muito pelo contrário, senão o seu livro negro nunca teria existido, mas historiadores de renome que escolhem escrever um livro negro do comunismo antes de um livro negro de diversas outras coisas muito piores como, por exemplo, o colonialismo, merecem uma resposta intelectual a altura. O Livro Negro do Colonialismo foi justamente produzido com essa intenção.

O Livro Negro do Colonialismo, como se pode imaginar ao olharmos para a miséria de mundo que vivemos hoje em dia, apresenta muitos capítulos, escritos pelos mais variados especialistas. Sua divisão se dá por espaço e cronologia – seguindo, aliás, as etapas da dominação. A primeira parte apresenta o suplício dos povos que inicialmente sofreram nas mãos dos europeus, e que, em minha opinião, foram os que mais sofreram na história da humanidade: o massacre dos povos indígenas – e nesse contexto, por assim dizer, um capítulo se dedica aos nativos da Austrália.

Porque eu acho que ninguém sofreu mais na história do que estes povos? Simplesmente porque eles foram dizimados de forma muito mais dramática do que qualquer outro povo. Peguemos como exemplo os judeus, que foram sistematicamente eliminados durante a II Guerra Mundial. Foi uma aberração da humanidade, ainda mais se pensarmos que chegamos até o século XX para testemunharmos isso, mas ainda assim foram “só” 6 milhões que morreram. Ao massacre dos armênios nas mãos dos turcos no início do século XX podemos pensar da mesma forma: milhões foram dizimados, mas a cultura persistiu, ambos os povos estão aí.

E quanto aos índios de todas as partes da América e da Austrália? Você conhece algum povo que mantém sua cultura preservada (não digo nem intacta, mas pelo menos íntegra), no México, no Peru ou no Brasil, depois de toda “assimilação”? Nos Estados Unidos, muitos dos povos tradicionais hoje são proprietários de grandes redes de cassinos... Os especialistas não chegam, e acho que nunca chegarão, a um consenso sobre a quantidade de gente que morreu durante a colonização da América, mas só para se ter uma idéia, alguns povos foram dizimados antes mesmo de entrar em contato com os europeus, vítimas de doenças espalhadas através de animais. Aos que sobreviveram, sobrou a desarticulação de seus antigos modos de vida, exploração, alcoolismo, degeneração moral, humilhação e finalmente assimilação. Renato Russo estava certíssimo, “todos os índios foram mortos”.

Mas essa é só minha opinião pessoal sobre o assunto, ainda estamos na página 116 deste grande livro negro, ainda tem muito sofrimento pela frente. Os próximos a cair em desgraça fazem parte de alguns povos africanos com menos sorte que outros. Em 1537, a Igreja decidiu que os indígenas eram seres humanos, e não podiam ser escravizados. Para que suas fazendas e minas na América não parassem por falta de mão-de-obra, os europeus começaram a comprar pessoas que haviam sido capturadas por povos vizinhos em guerras na África - elas ficaram de fora do pronunciamento do papa... Começa a sangria do continente, que depois de séculos resultaria justamente em seu enfraquecimento e abriria o caminho para mais uma dominação. O número de pessoas trazidas para a América também gera e sempre gerará discordância entre os especialistas, mas quem realmente se importa com este tipo de coisa não vê diferença entre dez mil ou dez milhões de pessoas exportadas como bichos.

Como o tráfico de escravos é apenas uma conseqüência do colonialismo, o livro negro não reserva mais do que 44 páginas para ele. Muito sangue, suor e lágrimas ainda vão rolar, que sobre bastante espaço para quem foi violado em seu próprio espaço – e os africanos vão voltar a dar as caras antes de se chegar perto do fim. A sanguinolência continua ainda na América, agora no momento em que a maioria dos nativos já estavam exterminados, e os que sobraram estavam em vias de serem absorvidos pelo novo sistema. Esta parte do livro conta com dois grandes capítulos explicativos sobre temas pouco explorados nos livros de história, acerca da questão da colonização da América, e mais dois pequenos capítulos sobre a Guiana Francesa e o Haiti – aliás, este é um dos méritos deste livro: abre espaço para temas diferentes, que não se encontram em qualquer lugar.

Os próximos a sentirem a fúria da ganância são os asiáticos. Indonésios, vietnamitas, chechenos, todo mundo ainda vai sofrer, mas nenhuma colonização na Ásia foi mais emblemática do que a atividade inglesa na Índia, principal colônia do império britânico durante séculos. Dois grandes capítulos explicam desde o início dessa dominação, como um empreendimento particular, até a luta de Gandhi e a retirada dos súditos da rainha. Na linha dos temas alternativos, há também um capítulo dedicado às travessuras dos russos no Cáucaso, que sustentam até hoje uma ferida difícil de cicatrizar na Chechênia, e uma análise da colonização japonesa, a única promovida por um país oriental, mas igualmente cruel.

A última parte do globo a sentir a presença dolorosa dos europeus foi a África, conquistada depois de sangrar bastante com o tráfico de escravos, e a área que mais sente até hoje os efeitos da colonização. Depois de um capítulo meia-bomba sobre a colonização árabe em Zanzibar, aparece uma das melhores partes do livro negro, um pequeno artigo sobre o apartheid na África do Sul, explicando suas origens e seu desenvolvimento – muito bem escrito e útil, já que eu nunca havia lido algo que tratasse especificamente este assunto tão importante. Confesso que, depois da parte dos massacres dos indígenas, esta foi a que mais me chocou. Logo em seguida, três capítulos abordam a colonização da Argélia, a principal colônia francesa – essa predileção se explica pelo fato do livro ter sido escrito majoritariamente por franceses. Os dois primeiros foram escritos pelo próprio Marc Ferro, organizador da obra, mas sua escrita é enjoativa e me decepcionou; já o terceiro abrange as independências de diversos países da África francesa, e é muito esclarecedor.

A penúltima parte do livro foi batizada de “O destino das mulheres”, e me pareceu meio apelativo para agradar um certo público. Chata e dispensável, é prosseguida por “representações e discursos” que aborda questões como o anticolonialismo, o racismo proveniente de ideologias dos povos que dominaram e aspectos culturais da colonização na produção de músicas e filmes. Há ainda um epílogo chamado “quem pede reparações, e por quais crimes?”, só para não terminar o livro assim, sem conclusão, apesar de todos os capítulos serem independentes.

O que achei do livro? Sensacional, de altíssimo nível, e muito útil, não só para minha vida profissional, mas para minha formação como cidadão. Esse é o tipo de coisa que todas as pessoas deveriam conhecer, para não ficar falando por aí besteiras calcadas em preconceitos.

Editora: Ediouro
Páginas: 957
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

O Portal de Rashomon - Ingrid Parker




Este livro é uma mistura de policial com ficção histórica. Faz parte de uma série de livros com o personagem Akitada Sugawara, um funcionário público do Japão do século XI que costuma desvendar casos. Nesta aventura, Sugawara é requisitado pelo seu antigo professor para solucionar um caso de chantagem na universidade em que estudou, e para isso preenche uma vaga de professor assistente. Durante a investigação, ocorrem alguns assassinatos, e várias tramas paralelas são desenvolvidas.

A história corre num bom ritmo, e os personagens secundários são bem produzidos, com características particulares bem definidas e boas inclusões no roteiro. Apesar de algumas soluções de crimes serem altamente improváveis (característica básica de livros policiais), gostei bastante deste livro, e espero o lançamento no Brasil de outros livros da série.

Ingrid Parker é professora universitária aposentada da Universidade de Virginia (EUA) e pesquisadora do Japão do século XI, e criou a série de Akitada Sugawara no final da década de 1990. Apesar de ganhar alguns prêmios literários e ter livros traduzidos para diversos idiomas, é pouco conhecida aqui no Brasil – nem mesmo os editores brasileiros a conhecem, visto que, na orelha da edição brasileira, é apresentada como um homem! Eu mesmo nunca tinha ouvido falar dela, e só descobri porque peguei o livro emprestado de um amigo que ganhou de natal e não gostou. Mas para mim foi uma boa descoberta, e espero que seus livros se popularizem no Brasil e ganhemos traduções de outros livros seus – as versões importadas têm praticamente o mesmo preço da nacional.

Editora: Best Seller
Páginas: 383
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

O Livro Perigoso para Garotos - Conn Iggulden e Hal Iggulden



Todo garoto precisa de coisas legais para fazer e conhecer, ou seja, uma cultura própria da idade, mais ou menos difundida igualmente entre todos os povos. Quando eu era um deles, tinha que recorrer a diversos meios para descobrir coisas legais como dinossauros, histórias reais de aventuras e bichos ameaçadores (até hoje eu guardo um livro do instituto Butantan com a catalogação de cobras, aranhas e escorpiões, todo rabiscado). Também tinha que me virar para aprender a fazer tinta invisível ou jogar xadrez, e algumas coisas eu sempre desejei, mas nunca fiz porque simplesmente não encontrei onde ensinasse – construir uma casa na árvore ou um carrinho de rolimã, por exemplo.

A partir de agora, nenhum garoto passará por este tipo de problema. “O Livro Perigoso para Garotos” é a enciclopédia que sempre faltou nas vidas de moleques de todas as gerações. Escrito pelos irmãos Conn e Hal Iggulden (sendo o primeiro o autor das séries de ficção histórica sobre Júlio César e Gengis Khan), este compêndio reúne tudo que um garoto precisa conhecer ou saber fazer para ter uma juventude feliz e crescer sem complexos ou traumas: pescaria, quadrinhos, códigos secretos, primeiros socorros, histórias de piratas e exploradores, bolinhas de gude, planetas, truques com moedas, comandos para cachorros e mais um monte de tópicos fundamentais para aproveitar ao máximo a melhor fase da vida. Apesar de ser classificado como infanto-juvenil, é irresistível para qualquer garoto, desde o que está aprendendo a ler até o que já está usando frauda geriátrica.

Pra mim foi uma grande recordação de tantas coisas que eu fiz na infância, e mais algumas descobertas de coisas que ficaram pelo caminho. No verso do livro está escrito: “Traga de volta as tardes de domingo e os dias longos de verão”. Como eu escrevi anteriormente, na minha época de garoto não existia uma enciclopédia para garotos tão legal como essa, e acho que ela veio na hora certa, como uma reação ao momento atual em que garotos se interessam mais em ir para lan-houses atualizar seus orkuts do que passar as tardes soltando pipa, andando de bicicleta ou brincando com comandos em ação com os amigos – coisas que eu fiz e não trocaria por nada.

Após o sucesso deste livro (é best-seller lá fora), foi lançado o contraponto feminino, chamado “O Livro para Garotas Audaciosas”, que dei de presente para minha irmã de 11 anos. Depois vou dar uma olhada, esse também parece ser interessante, tem coisas como golpes de karate e movimentos de surf. E ela, que tem metade da alma de um garoto, também vai ler o meu. Independente do sexo e da idade, “O Livro Perigoso para Garotos” é leitura obrigatória para descobrir e entender melhor uma coisa importantíssima da vida, que se chama diversão. Como é grande para os padrões de crianças e adolescentes, dá pra ficar lendo por bastante tempo durante o período de aulas e de frio, e testar todas as técnicas durante o verão.

Editora: Galera Record
Páginas: 319
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Uma temporada no inferno com os Rolling Stones - Robert Greenfield



No início da década de 1970, os Rolling Stones já haviam feito sua fama mundialmente como – além de excelentes músicos – jovens sujos, maus e drogados. A polícia os perseguia regularmente para apreender alguma droga e aparecer na capa dos jornais, e o fatídico show em que um Hell´s Angel que fazia a segurança assassinou um jovem de 17 anos já havia chocado o mundo. Nada disso fazia os Stones temerem qualquer tipo de repressão, fosse da mídia ou da polícia, até eles descobrirem que o leão do imposto de renda do Reino Unido morderia uma fatia absurda de seus rendimentos – mais de 90%!

Contra essa ameaça que nada se pode fazer – nem Al Capone se safou – os Stones decidiram se mandar para a França e lá gravar o próximo disco de estúdio de sua carreira – Exile on Main St. Tinha tudo para ser um paraíso na Terra: se mudar para um balneário mundialmente famoso, como é ainda hoje o sul da França, chamar todos os amigos e tocar rock´n´roll até dizer chega, quem não quer uma vida dessas? Pensando dessa maneira simplista, parece ser o melhor dos mundos, mas analisando mais precisamente o que se passou naquele verão – as drogas, os desentendimentos, os acidentes, o sexo e os problemas com os traficantes e a polícia francesa – fica-se boquiaberto em como foi feito um dos discos mais míticos da história do rock – e como é que todas as pessoas envolvidas neste evento conseguiram sobreviver.

Em “Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones – Exile on Main St.”, Robert Greenfield destaca esta passagem da gloriosa e turbulenta carreira do Stones. Narrado de forma descontraída (às vezes chegando ao ponto da grosseria), os personagens são apresentados como se fosse uma peça de teatro, um filme ou um romance, já que, além dos fatos mostrarem-se dignos de um roteiro fantástico, o tempo (além das drogas) fez com que ninguém se lembre ao certo o que é verdade e o que é lenda – há versões contraditórias em diversos depoimentos das pessoas envolvidas. Keith Richards é o herói (ou anti-herói), Anita Pallenberg a atriz principal, Mick Jagger quase um vilão, e Brian Jones o fantasma. Os coadjuvantes são todos os outros que estiveram presentes em Villa Nellcote, a casa de Keith Richard na França, e o momento era o início da década de 1970, quando os principais expoentes do rock´n´roll morriam de overdose e o sonho se esfacelava. Em meio a todos os problemas enfrentados, desde as drogas até o sumiço de Mick Jagger, que havia acabado de se casar, surge nos porões úmidos de Villa Nellcote a lenda de Exile on Main St., que permitiria aos Stones, ferrados financeiramente, iniciar uma nova turnê pelos Estados Unidos e se reestruturar.

O livro de Greenfiled tem o mérito de apresentar esta fabulosa história de forma clara e divertida, além do que aconteceu depois com todos os envolvidos e com o disco, mas na minha opinião sua obra peca em dois pontos: 1- apesar de descontraída e fácil de ler, sua escrita às vezes é bastante estúpida, criticando sem cerimônia algumas pessoas envolvidas na história e alguns autores que escreveram sobre os Stones antes dele – e que supostamente erraram em algum detalhe da historia, e 2- o livro não foca quase nada na parte técnica, no processo de criação e na produção das músicas, não interpretando o sentido de letras de músicas ou o contexto das gravações, o que aprecio em livros sobre bandas de rock e senti falta. Mas estes são detalhes que não tiram por completo o valor do livro e a diversão em lê-lo, e recomendo a todos os fãs de rock sua leitura.

Editora: Jorge Zahar
Páginas: 241
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

Pitágoras e os pitagóricos - Jean-François Mattéi



Tentei aproveitar este final de ano para atualizar minhas leituras filosóficas, que já há muito estavam atrasadas. Peguei um livrinho na estante que nunca havia sido completamente lido, “Pitágoras e os pitagóricos”, de Jean-François Mattéi, na intenção de recomeçar a estudar esta maravilhosa área de conhecimento que me fez até iniciar um curso superior na UERJ, mas que tive que parar por conta do outro curso, História.

Para alguém enferrujado na filosofia, um livrinho pequeno e com este título parece o ideal, mas não foi bem isso que consegui com esta leitura. O livro é iniciado com capítulos que abordam a história da escola pitagórica, seus principais expoentes, uma visão geral. Até aí tudo bem, mas a partir do capítulo 4 começam a ser expostos os conceitos teóricos do pitagorismo, a começar pelo que o tornou mais famoso, a matemática. O problema é que as explicações não são nada simplistas, e a compreensão completa do tema requer uma certa intimidade com a filosofia em geral, algo que perdi através dos anos de afastamento. Por isso o livro ficou complicado para mim, e fazendo a média do que deu para entender e o que ficou nas páginas sem se relacionar comigo, considero “Pitágoras e os pitagóricos” regular.

Editora: Paulus
Páginas: 163
Disponibilidade: livraria ou página da editora www.paulus.com.br
Avaliação: * * *

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O Turno da Noite, vol.1 - André Vianco

Ouvi falar deste autor através de amigos nerds como eu, que curtem ficção científica, super-heróis, histórias de terror e afins. André Vianco, um escritor que cria histórias de vampiros ambientadas no Brasil. Minha curiosidade cessou quando encontrei um livro seu com desconto no site da livraria que geralmente faço compras. Na verdade eram uma trilogia encadernada e dois outros livros por R$ 80 – o preço cheio é R$ 160. Eu sei que não se compra 5 livros de um autor que nunca se leu, mas, assumo, caí na armadilha da promoção.

Logo que chegaram os livros, fiquei insatisfeito com os dois separados, pois na verdade eram duas histórias em quadrinhos contando as origens dos vampiros da saga de Vianco. Não que eu não goste de quadrinhos, pelo contrário, é meu hobby principal desde que aprendi a ler, o problema é que se trata de uma coisa tão malfeita, com desenhos (pretensamente) no estilo mangá tão ridículos que já estão separados para serem vendidos no Mercado Livre.

Ignorando os gibis medíocres, comecei a ler a tal trilogia, denominada “O Turno da Noite”. Apesar de ser uma continuação de livros anteriores de André Vianco, dá para entender perfeitamente, já que as referências não são obscuras para fãs ardorosos. A história narrada começa com quatro jovens que recentemente foram transformados em vampiros. Sem saber o que fazer e para onde ir, são aliciados por Inácio, outro vampiro mais experiente, recebendo proteção e certos mimos (tipo um apartamento de luxo e algumas bolsas de sangue!) em troca da prestação de certos servicinhos – matar pessoas, todas elas aparentemente más, como traficantes e assassinos de mendigos. Por que Inácio, cheio de poderes vampirescos, precisa de quatro calouros para estes serviços? Até o final da trilogia isto deve ser revelado, mas eu não descobri porque parei logo depois de terminar o primeiro volume (tentei ler algum spoiler na internet, mas parece que ninguém se interessou em escrever sobre este livro...).

É um livro ruim? Não, não chega a tanto. É simplesmente... sem graça. A escrita de André Vianco não é fraca, mas também não se destaca, e a história não é excitante, não prende a atenção, não pede mais. Após a leitura do primeiro volume, perdi completamente o interesse, tentei começar o segundo, mas a leitura foi se arrastando, se arrastando, até que tomei coragem de assumir que fiz merda comprando logo um monte de livros de um autor que só havia ouvido falar bem. Talvez seus livros anteriores, os que o deixaram famoso, sejam melhores, mas talvez a necessidade de lançar livros regularmente tenha feito o autor escrever uma obra fraquinha, e essa foi a primeira impressão que tive, me desestimulando a ler outros de seus livros.

Editora: Novo Século
Páginas: 240
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

Livro Digital



sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Lobo das Planícies - Conn Iggulden

Sempre achei fantástica a história de Gêngis Khan, simplesmente por ter sido o homem que formou e comandou o maior império que a humanidade já conheceu. Acompanhando em livros, filmes e programas de TV, passei a admirá-lo como exemplo de força e liderança, sempre buscando mais informações sobre esta grande personalidade, quando foi lançado “O Lobo das Planícies”, primeiro livro da série de Conn Iggulden que apresenta a história de Gêngis Khan na forma de romance, estilo conhecido como ficção histórica.

Comecei a gostar de ficção histórica logo na adolescência, através de um livro chamado “Jovita: Missão Trágica no Paraguai”, mas me encantei mesmo com a série de Bernard Cornwell sobre o rei Artur, resenhada no início deste blog. Com o tempo passei a enjoar do estilo repetitivo deste autor, e buscando novos representantes cheguei a Conn Iggulden.

Em “O Lobo das Planícies”, Conn Iggulden mostra a formação do impiedoso conquistador, desde seu nascimento como filho de um cã (chefe tribal mongol) até suas primeiras vitórias como líder militar, passando por todas as dificuldades e momentos de limiar entre a vida e a morte que o fizeram forte. A impressão que tive com este primeiro livro foi muito boa, seu estilo é agradável, em terceira pessoa (diferente de Cornwell, que narra em primeira pessoa como se todos os seus personagens fossem o mesmo), leve, sem descrições enfadonhas e com uma história que, se não apresenta muitas surpresas, pelo menos diverte e prende o leitor para saber até que ponto a história de Gêngis Khan será mostrada neste primeiro volume da série.

Conn Iggulden começou a se enveredar pela ficção histórica com uma série sobre Júlio César (outro grande conquistador – será essa a fixação do autor?), mas escreveu também um best-seller chamado “O Livro Perigoso para Garotos”, um infanto-juvenil que me surpreendeu após uma rápida folheada na livraria, e que pretendo ler futuramente e dar para meu afilhado quando ele atingir idade suficiente. Certamente este autor foi uma boa descoberta neste ano intenso de leituras.

Editora: Record
Páginas: 419
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

Livro Digital

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Quarup - Antônio Callado



Quarup é mais um grande clássico da literatura que tentei ler durante este ano cheio de descobertas literárias. Influenciado pelos elogios a este livro de Antônio Callado, peguei-o na biblioteca da escola onde trabalho para verificar se realmente era isso tudo que os outros falam. Mais uma vez me dei mal em cair na propaganda da “alta literatura”. Pode-se argumentar que Quarup é sofisticado, a escrita de Antônio Callado é fina e muito bem trabalhada e que o tema histórico explorado é bastante interessante. Não me oponho a nenhuma das defesas expostas acima, mas... precisava ser tão chato?

A trama do livro se inicia no final do governo Vargas, pouco antes de seu suicídio, e se estende até a ditadura militar. O personagem principal é Nando, um jovem padre pernambucano que sonha em construir uma sociedade indígena baseada nas missões jesuíticas do século XVIII no interior do país, mas com o passar do tempo suas vivências e o contato com a sociedade da capital lhe desiludem e ele vai largando seus ideais e se torna um novo homem.

O pano de fundo não é original (um padre que larga a batina, essa é velha), mas a ligação com a história do Brasil é bem feita e a forma de escrever de Callado é muito bonita, mas teria um efeito mais positivo se o tamanho da história fosse menor. O autor enrola muito, tornando bem difícil a leitura das 601 páginas desta obra clássica. Em alguns trechos, com a boa intenção de passar ao leitor o caos e a velocidade do pensamento dos personagens, o autor alarga um mesmo parágrafo em até cinco páginas! Boa idéia de Antônio Callado, só falta agora algum outro escritor aprimorá-la para não encher tanto o saco de seus leitores. Nem as tantas passagens de sexo e drogas (ainda não tinha rock´n´roll naquela época) são suficientes para amenizar a exaustão mental causada por esta leitura.

Não agüentei ler todo o livro, cheguei até a metade com a sensação de que as coisas não aconteciam e eu estava perdendo meu tempo de outras boas leituras. Minha curiosidade em saber como terminava a história não foi maior que meu tédio, mas graças à uma pesquisa rápida na internet pude dar um ponto final a esta questão e agora tenho uma certeza: Antônio Callado nunca mais!

Editora: Nova Fronteira
Páginas: 601 (se você agüentar até o final)
Disponibilidade: normal
Avaliação: * *

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

The Beatles: A Biografia - Bob Spitz


Quando Bob Spitz decidiu escrever a biografia dos Beatles, certamente sabia que o trabalho teria que ser proporcional à grandeza da banda mais importante de todos os tempos. Daí saiu “The Beatles: A Biografia”, uma obra grandiosa em todos os sentido – da quantidade de páginas ao refinamento na exploração de uma das mais famosas histórias do mundo contemporâneo, uma lenda moderna.

“The Beatles: A Biografia” é uma história muito bem contada, que passaria perfeitamente como um roteiro de filme por causa da grande quantidade de passagens lendárias, já contadas milhares de vezes através das últimas quatro décadas. Mas o diferencial em contar novamente uma história contada e recontada, quase que já na sabedoria popular, é a complexidade com que Spitz trata sobre a vida dos quatro rapazes de Liverpool e dos personagens coadjuvantes – parentes, namoradas, esposas, empresários, produtores, amigos, fãs e todos que os rodeavam. Não faltam detalhes curiosíssimos sobre todos, a começar pela cidade-base desta história. Cada um que teve alguma influência sobre os personagens é analisado e relacionado com o Fab Four.

Bob Spitz trata com toda honra os principais feitos dos Beatles, desde os recordes batidos na época da beatlemania até as revoluções musicais de Sgt. Pepper e companhia, mas não por isso deixa de apresentar o lado negativo de cada um deles (menos de Ringo, que definitivamente é um cara legal) e das pessoas relacionadas, incluindo as que ainda hoje vivem, já que geralmente os biógrafos tendem a amaciar com quem ainda pode reclamar. Spitz não tem constrangimento algum em mostrar, desde os primórdios da banda, as personalidades de John, Paul e George influenciando os rumos da história da banda (positivamente ou negativamente), as mancadas de Brian Epstein, a segurança de George Martin, a malandragem de dezenas de aproveitadores e, obviamente, a interferência de penetras, principalmente (é óbvio) Yoko Ono – fã de Beatles que não odeia Yoko Ono não é fã de Beatles.

Acho que “The Beatles: A Biografia” foi o melhor investimento em livros que fiz este ano. Comprei em promoção por quase a metade do preço e me diverti por várias semanas, mas mesmo pelo preço cheio (R$ 99) valeria à pena, pois este é daqueles livros que de tanto ler você acaba viciando e sentindo falta depois de terminar. Definitivamente recomendado a todos os fãs de rock e a quem se interessar por como se formou a música de hoje em dia.

Editora: Larousse
Páginas: 982
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

domingo, 16 de novembro de 2008

Assassinato no Expresso do Oriente - Agatha Christie


“Assassinato no Expresso Oriente” é a mais famosa aventura de Hercule Poirot, detetive belga criado por Agatha Christie que viciou alguns milhões de jovens na leitura através de gerações. A fama desta criatura e sua criadora são tão grandes que até minha irmã, de quem não se tem notícias de ter lido outro livro na vida, conhece e já leu este livro. Mas pelo incrível que pareça, depois de centenas de livros detonados, eu ainda não conhecia esta obra tão banalizada. Não dava para morrer sem ler pelo menos um livro de Agatha Christie, fosse para falar bem ou mal.

Peguei emprestado o tal do “Assassinato” com um amigo que passou pela ordem natural das coisas e leu alguns volumes das aventuras de Poirot durante a adolescência (obrigado D.Pedro!) e iniciei a experiência com alguns anos de atraso, como se estivesse vendo um episódio de Changeman ou jogando um cartucho de Master System – ou lendo Harry Potter daqui há 20 anos. A trama do livro é classicamente policial: um assassinato num trem, diversos suspeitos que estavam presentes no momento do crime, nenhuma possibilidade de fuga e Hercule Poirot no lugar chave no momento certo, o único que pode desvendar um crime que se complica a cada página.

Não sou fã de filmes policiais, e acho que nunca tinha lido um livro deste estilo, e esperava algo diferente do que li. Adoro lógica, e achei que este tipo de história corresse mais para este lado, mas minha impressão sobre este livro é que apelou-se mais para a fantasia; apresentam-se evidências, provas, mas achei que as conclusões do ilustre detetive foram um tanto... paranormais! Não que ele fosse um mutante ou coisa parecida, mas chegar à conclusão final juntando as evidências contraditória e loucas que se apresentam, não sei, foi mais para adivinho do que detetive. Elas até batem no final, mas me pareceu meio apelação. “Assassinato no Expresso Oriente” é um livro razoável na apresentação do crime e nas ações posteriores, chega a cativar inicialmente e instigar o leitor, mas dava para ser mais lógico e menos fantasioso no seu desfecho. Afinal, qual a graça de um livro onde o objetivo é descobrir o mistério e, no final, a autora inventar uma explicação louca, com um mínimo de coerência, só para zoar com o leitor?

Editora: Nova Fronteira
Páginas: 223
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

domingo, 2 de novembro de 2008

O Livro Verde do Aiatolá Khomeini


Em 1979, Aiatolá Khomeini assumiu o poder no Irã, no lugar do Xá Mohammad Reza Pahlavi, que era apoiado pelos EUA. Foi a chamada “Revolução Islâmica”, que reorganizou todas as esferas da vida no Irã e marcou o início de uma nova ordem no Oriente Médio, dificultando as coisas para os ianques. Começou aí um confronto que dura até hoje, e na época surgiu um interesse súbito na figura do aiatolá, comparável a Bin Laden depois de 11 de setembro de 2001. Nessa onda, já em 1979 foi publicado para o público ocidental “O Livro Verde dos princípios políticos, filosóficos, sociais e religiosos do Aiatolá Khomeini”, uma compilação das idéias do líder iraniano contidas em seus três livros-chave: “O Reino do Erudito”, “A Chave dos Mistérios” e “A Explicação dos Problemas”, que somam mais de mil páginas e seriam maçantes para o público não-muçulmano (ou para os muçulmanos sem neuroses).

Logo no início da leitura, percebe-se claramente que sua edição foi direcionada pelo “inimigo” ocidental, pois a edição dos temas é visivelmente conduzida no sentido de uma exposição pejorativa e tendenciosa para ridicularizar os ensinamentos do aiatolá – trabalho que não deve ter sido nem um pouco difícil, dadas as excentricidades contidas nas páginas desta “obra”. Pobres árvores que até hoje são sacrificadas para a produção desta baboseira, que serve de lavagem cerebral para uns malucos fundamentalistas, e fonte de gargalhadas para outros como eu.

Com a intenção de ridicularizar os “princípios” do aiatolá, os organizadores do livro verde adotaram a seguinte estratégia: após um breve capítulo inicial onde são expostos os princípios políticos da República Islâmica do Irã (que supostamente seria “constitucional e democrática”, mas de onde a lei provém do Corão, os países ocidentais são ditaduras, as artes são proibidas, os homens e mulheres têm direitos diferentes...), começa a (auto) ridicularização aberta. Nas “citações históricas”, fiquei sabendo, por exemplo, que Sócrates foi um grande teólogo que se refugiou numa gruta para adorar ao Deus único, e por isso foi condenado à morte pelo sultão. Já Platão foi um “grande filósofo, conhecido pelos seus princípios monoteístas e por saber muito de ciência divina. Nasceu no reino de Artaxerxes, filho de Dário(...)”. Já sobre Aristóteles, a coisa fica mais pesada: “Aviceno disse que ninguém jamais conseguiu contradizer as suas teses. Não obstante, mais tarde, o francês Descartes julgou descobrir falhas nelas. Mas os especialistas constatarão facilmente a que ponto as pretensões de Descartes em matéria de filosofia e teologia são infantis e sem fundamento!” Ou seja, descobriram novas fontes históricas que provam que os filósofos gregos eram, na verdade, persas, que os persas, na verdade, eram monoteístas, ou que os gregos, na verdade, eram governados pelo imperador persa, ou que, na verdade, eram governados pelo sultão, que na verdade não era um título de governantes muçulmanos, mas já existia na antiguidade, ou que na verdade os filósofos gregos nasceram depois do advento do Islã. Quer dizer, acho que não entendi muito bem as lições de história do aiatolá, mas pelo menos descobri que Descartes não é nada disso que falam, não fundamentou o pensamento moderno e era, na verdade, só um fanfarrão!

O escrachamento continua nas “citações sociais e religiosas – leis divinas que regem a vida cotidiana”. Uma delas, contida na parte “Da maneira de urinar e defecar”, é a seguinte: “em três casos é absolutamente necessário purificar o ânus com água: quando os excrementos foram evacuados com outras impurezas, sangue, por exemplo; quando algo impuro tiver roçado o ânus; quando o orifício anal ficou mais sujo do que de costume. Fora esses três casos, pode-se lavar o ânus com água, ou limpá-lo com um pano ou uma pedra.” Está escrito exatamente isso, com uma pedra! A lição continua com “não é necessário limpar o ânus com três pedras ou três pedaços de pano, uma só pedra ou um só pedaço de pano bastam. Mas, se se limpa o ânus com um osso ou com coisas sagradas, um papel contendo o nome de Deus, não se pode fazer as orações nesse estado.” Eu juro que é tudo verdade, quem não acreditar que compre o livro e leia com os próprios olhos!

No livro verde, há regras para quase tudo: casamento, sexo, refeições, orações, purificação de coisas, banhos... e seguem-se absurdos lógicos, físicos e morais, que facilmente caem em contradição. Se eu fosse fazer um “melhores momentos”, teria que transcrever quase que o livro todo aqui, mas vamos aos melhores-melhores momentos. Por exemplo, no Irã a homossexualidade é rigidamente coibida, mas encontrei vários furos que, se não chegam a permitir, pelo menos não a proíbem. “A mãe, a irmã e a filha de um homem que tiver sido sodomizado por outro homem, não pode casar com este último, mesmo no caso de os dois homens ou um deles não ser púbere.”“Se o homem sodomizar o filho, o irmão ou o pai de sua esposa após o casamento, este permanecerá válido”. E a sodomia entre homem e mulher também é regrada: “Durante a menstruação da mulher, é preferível o homem evitar o coito, mesmo que não a penetre completamente – ou seja, até o anel da circuncisão – e que não ejacule. É igualmente desaconselhável sodomizá-la.” Se, mesmo assim, o cara não aguentar e dar umazinha, ele tem que doar uma quantia de ouro aos pobres, variável de acordo com qual dia da menstruação ele transou. Mas... “sodomizar uma mulher menstruada não torna necessário este pagamento”. Por que tanta preocupação com a regulamentação da sodomia em um país onde ela é proibida?

Possivelmente existem trechos menos ridículos no original, mas a intenção primordial era agredir o inimigo, não apresentar uma verdadeira imagem do mesmo. Apesar de divertido para nós, com certeza este livro foi mal-entendido por leitores menos críticos e provavelmente gerou mais preconceito em relação a povos muçulmanos do que um real conhecimento sobre eles. Até porque estes “ensinamentos” foram criados pelo aiatolá Khomeini, líder religioso do Irã, não se estendendo à grande pluralidade de povos que têm como religião o Islã. Podem existir muitos muçulmanos que sigam ideias absurdas como as expostas neste livro, assim como cristãos, judeus, budistas, jainis, ou qualquer outra religião, mas mesmo que, para mim, as ideias religiosas não passem de superstição, fraqueza e medo da morte, a grande maioria de fiéis não se baseia em loucos como Khomeini para decidir com qual mão deve limpar o ânus após ir ao banheiro. Sou a favor da publicação irrestrita de qualquer material, seja o livro verde, o Mein Kampf de Hitler ou da bíblia cristã, mas que haja uma introdução crítica para as mentes menos capazes. Parece idiota, mas não subestimemos pessoas que não sabem a diferença entre árabe, turco e muçulmano, pessoas essas que são capazes de colocar um G.W. Bush por oito anos no comando da nação mais perigosa do mundo.

Editora: Record
Páginas: 133
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O Crepúsculo do Macho - Fernando Gabeira


Outubro de 2008. Faltavam poucos dias para as eleições municipais no Rio de Janeiro, e obviamente só se falava nisso, além das tragédias sensacionalistas de sempre. Procurando despretensiosamente algo para ler em uma das bibliotecas que tenho acesso às minhas leituras - no caso, a do meu avô - meu olhar bate coincidentemente direto no livro “O Crepúsculo do Macho”, do candidato Fernando Gabeira e, na onda das musiquinhas de candidatos nos carros de som, pintou a oportunidade de tirar algum proveito dessa época tão deprimente.

“O Crepúsculo do Macho” é continuação direta de “O que é isso Companheiro?”, livro que li após ver o excelente filme de Bruno Barreto e adorei. Na verdade, o filme representa o último capítulo do livro, quando o embaixador americano é seqüestrado pelo MR-8, mas o original aborda bastante o que veio antes deste episódio; já “O Crepúsculo do Macho” começa logo após a extradição de Gabeira – que estava preso e foi trocado pela libertação de outro embaixador.

O ex-guerrilheiro / jornalista / escritor / fotógrafo / deputado federal / defensor da maconha e agora candidato derrotado à prefeitura do Rio de Janeiro apresenta seu exílio por diferentes países de modo não muito convencional, sem uma marcação muito clara da cronologia e com divagações e expressões de sentimentos muito acentuados. Como é de se esperar de um livro deste autor, e ainda mais com este título, “O Crepúsculo do Macho” é regado de sexo, drogas e rock’n’roll, mas se você acha que vai se deparar com conteúdo homossexual por causa desse título sugestivo, está enganado. Não há nada disso nas suas páginas, muito pelo contrário, o que se lê são casos de pegação com suecas, alemãs e amiguinhas brasileiras dos velhos tempos. Se você me perguntar então o porquê deste título, não saberei responder com precisão, mas me aprece que ele se refere a mudanças na sua vida durante o exílio, a começar pela decepção e o distanciamento dele com a luta da esquerda – fato que lhe garantiu o status de “desbundado”, termo da época usado para apontar os rebeldes que largavam a luta.

“O Crepúsculo do Macho” é, além de um relato histórico de um rebelde que participou ativamente deste período negro da História do Brasil, um agradável livro autobiográfico que mostra os sentimentos de um homem participativo em um mundo que desabava, e de onde estava, este homem não podia mais fazer nada para mudar o curso da história. “O que é isso Companheiro?” termina com a frase “Tchau Vera Cruz, Tchau Santa cruz, Tchau Brasil”, dita por um homem dentro de um avião partindo para a Argélia. “O Crepúsculo do Macho” termina com este homem no mesmo lugar, mas na direção contrária, retornando após a anistia, profundamente modificado em seu interior, e prestes a vestir sua sunga de crochê na praia e escandalizar a sociedade até hoje.

Editora: Codecri
Páginas: 245
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * *

Resenha relacionada: Entradas e Bandeiras - Fernando Gabeira

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Utopias Piratas: mouros, hereges e renegados - Peter L. Wilson


Piratas: bandidos renegados que cruzam os mares roubando e saqueando, sem lei nem rei, ao sabor do vento, seguindo seus instintos básicos na boemia e luxúria em cada porto ou inferninho em terra firma, subvertendo a ordem e sabotando o sistema, seja lá de que época for. Tem como não gostar deles? Os piratas existiram em diferentes épocas e locais do mundo, e existem até hoje (da maneira clássica, como os que saqueiam a costa da Somália em busca de resgates de milhões de dólares, ou pós-moderna, roubando propriedade intelectual ao invés de bens físicos). Um desses lugares foi o norte da África, durante o século XVII, e sobre esta especificidade Peter Lamborn Wilson nos conta alguma coisa em “Utopias Piratas: mouros, hereges e renegados”.

Ausente em qualquer livro didático ou obra geral de história, a região conhecida como Barbária abrangia a costa africana compreendida entre a Líbia e o Marrocos atuais, e pertencia ao Império Otomano, porém com certa liberdade e autonomia. Em seu livro, P. L. Wilson nos apresenta aspectos surpreendentes sobre esta região, analisando suas principais bases piratas – Trípoli, Tunis, Argel e Salé (atualmente capitais de Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos, respectivamente). Nada de anormal existiria nesses antros de bandidos que permitisse um estudo surpreendente para o público não especializado, não fosse a forte presença de europeus que fugiam de suas terras e se estabelecessem em territórios maometanos, promovendo conseqüentemente sua conversão ao islamismo. E é justamente esta a preocupação central do autor: quem eram estes homens que largavam a Europa, se convertiam e passavam o resto de suas vidas lutando contra seus conterrâneos? Quais eram suas motivações? Que diferenças havia entre o modo de vida das sociedades cristã e muçulmana que determinavam essa vira-casaca?

Apesar de dedicar capítulos próprios para cada uma das principais cidades citadas acima, o autor tem como sua principal preocupação Salé, a seu ver uma república proto-democrática, talvez o elo perdido entre a Grécia clássica e as democracias contemporâneas. Passando pela análise social, econômica e cultural dos locais abordados, o autor apresenta casos específicos e biografias de piratas célebres e observadores externos, enchendo o livro de transcrições de fontes escritas, que em algumas ocasiões cansam. A escrita de Wilson é leve e com muito bom humor, como já é característico dos livros da editora Conrad que seguem esta linha.

“Utopias Piratas” é uma obra agradável a pessoas que já torceram para Robin Hood ou Han Solo, que se interessam por personagens históricos como Lampião, Lamarca ou Zumbi, ou que pelo menos tentam entender (mesmo sem concordar com) ações de tipos como Carlos Chacal, Osama Bin Laden, o IRA ou o Sendero Luminoso. Afinal, membros de entidades estudantis, hooligans, punks, hackers e até mesmo senhoras pertencentes a alguma dessas pastorais, todos eles, se tivessem vivido há 300 anos na Europa, teriam ficado tentados a se juntar aos piratas de Salé.

Editora: Conrad
Páginas: 190
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Marx sem ismos - Francisco Fernandez Buey


Marx criou idéias revolucionárias a respeito do capitalismo e da questão da riqueza no mundo, mas num certo ponto de sua vida chegou a admitir: “eu não sou marxista”. Não que depois de velho ele tenha se cansado de tudo aquilo, a famosa frase só nos mostra que, ainda com o rebelde vivo, seu pensamento foi modificado a tal ponto que nem ele mesmo concordava com o que diziam sobre seus escritos presentes em “O Capital” ou “Manifesto Comunista”, o que dirá se ele tivesse conhecido Stalin ou Mao. Francisco Fernandez Buey apresenta em “Marx sem ismos” justamente o que propõe o título: uma análise das idéias do pai do comunismo de acordo com o mundo onde viveu, sem interpretações distorcidas ou adaptadas para a realidade do século XX.

Me parece que este livro agrada a qualquer tipo de leitor, pois me foi recomendado por um professor universitário muito fera em marxismo, e eu, que tenho conhecimentos limitadíssimos sobre o assunto, também achei excelente. O autor apresenta as idéias de Marx de forma cronológica, analisando paralelamente os momentos da vida do pensador, e como estes influenciaram seu pensamento e sua produção. Uma biografia intelectual, escrita de forma simples e descontraída.

Em “Marx sem ismos”, temos à disposição os principais preceitos marxistas bem elucidados, sem erudição acadêmica extrema, mas num nível acima de livros da série “ em 90 minutos”. Sempre tive medo de encarar um Marx na frente, não por si só, mas por causa de sua influência básica, o filósofo Hegel, que está para a filosofia assim como o Tiamat está para a Caverna do Dragão. Eu não pegava os liros de Marx porque achava que antes tinha que entender Hegel, e desistia. Com esta leitura clara pude conhecer melhor os conceitos de mais-valia, alienação e tudo mais que se tem direito, com exceção do tal do materialismo, única parte que nem assim entendi, mas talvez um dia eu entenda. A leitura começa com um Marx jovem, absorvendo suas influências, e termina com sua obra definitiva, porém inacabada: O Capital. Nesse meio tempo, o Manifesto Comunista, o apoio de Engels, as dificuldades financeiras e tudo mais.

Interessante é a análise do autor sobre questões como “Marx era anti-semita?”, “Marx era totalitarista?”, todas elas respondidas de acordo com a realidade de sua época, e não com os olhos do século XXI. O último capítulo ainda se chama “Dez respostas sobre Marx e os marxismos”, entre elas “O que significa ser comunista, hoje?”. Excelente livro, nota 10, recomendado para todos que desejam conhecer esse conjunto de idéias que não podemos afirmar com clareza se fizeram mais bem ou mal para a humanidade, mas que com certeza o mundo não seria nem um pouco parecido com o que conhecemos hoje se não tivessem existido.

Editora: UFRJ
Páginas: 257
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Guia do Mochileiro das Galáxias - Adam Douglas


Já se imaginou como o último ser humano vivo no universo inteiro, viajando pela galáxia com um amigo que você acabara de descobrir que, na verdade, é um extraterrestre? Este é o divertido pano de fundo para “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, clássico absoluto da ficção científica de Adam Douglas. Olhando assim, percebe-se um pressuposto fantástico para uma comédia surrealista, mas infelizmente o livro rende muito menos do que se pode esperar.


De tanto ouvir dizer bem desse livro, resolvi conhecê-lo neste ano de leitura extrema, e tamanha expectativa potencializou minha decepção. Não que seja um livro ruim, mas com a repercussão que causa até hoje e seu teaser intrigante, não dá para esperar o que ele realmente é: um livro razoável, com algumas passagens muito engraçadas e inteligentes, mas em sua maior parte apresentam-se piadas fracas e metáforas óbvias para fazer críticas à mediocridade humana.


“O Guia do Mochileiro das Galáxias” conta a história de Artur Dent, um homem comum que, por intermédio de um extraterrestre disfarçado de humano, descobre que o planeta Terra deixará de existir em alguns minutos. A sorte dele é que seu amigo e.t. está fazendo uma pesquisa de campo para o tal guia, e antes que o planeta vire cinzas ele descola uma caroninha e leva Dent junto. A partir de então, dá pra imaginar que vem muita aventura e confusão pela frente, mas o autor exagera um pouco e inventa situações muitas vezes absurdas até para uma obra de ficção científica. Algumas passagens são realmente engraçadas, alguns personagens bem trabalhados (os robôs da nave são hilários) e a explicação sobre a criação de nosso planeta é bacana, mas infelizmente a graça pára por aí, pois a maior parte não cola. Uma pena.


Existem outros quatro volumes da série. De repente, se eu encontrar num sebo ou biblioteca eu pego para ler no futuro, mas acho que com R$ 20,00 (preço nas livrarias) dá pra conseguir coisa melhor.

Editora: Sextante
Páginas: 204
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

Livros Digitais

sábado, 20 de setembro de 2008

Eric Clapton: A Autobiografia


Eric Clapton, guitarrista com status de divindade, passou décadas se drogando, bebendo, transando com as mais lindas garotas, se divertindo pacas ao redor do mundo e fazendo muitas merdas com a própria vida, mas desde a década de 1990 ele diz que parou com quase tudo isso, montou uma família e finalmente lançou um livro contando como tudo isso aconteceu. Definitivamente, o rock’n’roll está morto e enterrado, mas como eu gosto muito de história, decidi dar uma conferida em “Eric Clapton – a autobiografia”.

Apesar de o rock estar nas minhas entranhas desde que saí da infância, nunca fui muito fã de Clapton, que leva sua carreira muito para o lado do blues, estilo que não sou aficionado. É só mais um músico que ouço sem fixação, mas sem desconsiderar sua genialidade na guitarra. O que me levou a ler este livro foi o simples fato do cara ter vivido os anos mais loucos do rock’n’roll – estilo musical que morreu em 1996, com o fim dos Ramones, última banda a encarnar o espírito do rock.

Além de Clapton contar as maiores loucuras, irresponsabilidades e escrotices que um astro do rock podia promover, através das páginas de sua autobiografia são apresentadas situações curiosíssimas com outros músicos que cruzaram sua carreira, como Rolling Stones, Beatles, Bob Dylan, Jimi Hendrix e sobretudo George Harrison, grande amigo de Clapton e meu beatle predileto. Seria um livro excelente se as memórias terminassem na década de 1980, pois nos últimos capítulos o guitarrista fala sobre coisas sem graça como sua vida em família e sua abstenção alcoólica.

Adoro biografias, para mim são formas diferentes de se contar a história do que quer que seja – nesse caso, a história do rock’n’roll. Não desqualifico os livros de memórias pessoais como este, mas com certeza neste tipo de biografia perde-se muito, já que é uma visão pessoal, parcial e comprometida com as pessoas próximas do autor. Percebe-se que a cada capítulo o livro fica menos intenso e com menos revelações chocantes, pois passa a falar cada vez mais de pessoas vivas e que convivem com o autor ainda hoje. Por exemplo, até o momento em que ele conhece sua atual esposa, não há um capítulo do livro (exceto o primeiro, quando ele ainda é criança) que Clapton não fale de mulheres que ele pegou e puladas de cerca em suas inúmeras turnês, mas depois de seu casamento não se fala mais nesse assunto. São coisas que é melhor evitar para não serem necessárias desculpas esfarrapadas depois.

Mais do que simples memórias, me pareceu que a autobiografia de Eric Clapton teve um sentido de reconhecer o quão babaca ele foi com diversas pessoas em sua vida e tentar se desculpar e se mostrar arrependido por muitas vezes ter ferido ou tratado os outros como lixo. Clapton é um dos maiores guitarristas de todos os tempos, não um escritor de verdade, por isso seu estilo é fraco, levado pela linguagem, com vícios e gírias, especialmente um “na real” que se repete constantemente. A tradução também não ajuda com a falta de virgulas, a troca de “estada” por “estadia” durante todo o livro e um impressionante “estensos” na página 110 que passou batido pela revisão. Não se espera de um livro como esse uma obra-prima da alta literatura, mas sim histórias fascinantes sobre vários deuses sagrados do mundo do rock. Diversão garantida para quem curte.

Editora: Planeta
Páginas: 399
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

As crônicas saxônicas vol.1 e 2 - Bernard Cornwell


Estes são os livros que mais me desapontaram neste ano. Não os piores, mas os que eu mais depositei esperanças de uma boa leitura e não tive uma resposta satisfatória. “As crônicas saxônicas” partem de dois pressupostos fortíssimos: (1) foram escritas por Bernard Cornwell, autor das “Crônicas de Artur”, um de meus livros prediletos, e (2) contam histórias de vikings, um dos povos que mais me fascinam. Depois das “Crônicas de Artur”, li “O tigre de Sharpe”, que apesar de divertido não achei lá essas coisas, mas pensei que fosse uma exceção na sua obra. Mas depois de ler os dois primeiros volumes das “Crônicas saxônicas” começo a pensar que na verdade Bernard Cornwell é daqueles autores de um livro só.

Logo no início do livro, percebi uma coisa que já tinha ficado meio evidente em “O tigre de Sharpe”, que é a repetição de um modelo que deu certo na criação dos personagens de seus livros, mas entre as crônicas saxônicas e as de Artur as semelhanças entre os personagens são tantas que fica parecendo que Uthred, o protagonista das crônicas saxônicas, é a reencarnação de Derfel, o herói das crônicas de Artur. As mais evidentes estão listadas a seguir:

- O personagem principal tem uma namoradinha abusada, sádica e totalmente anti-cristã.
- A mulher do chefe é escrota e não gosta do protagonista.
- O personagem principal zomba do cristianismo, mas no futuro se converte, apesar de continuar acreditando na religião anterior.
- O personagem principal sabe (ou aprende a) ler, e nisso inclui-se também o livro de Sharpe.

As semelhanças são tão grandes que chega ao cúmulo de o último capítulo de ambos os livros terem o mesmo título (“A parede de escudos”). Um pouquinho mais de criatividade não faria mal a ninguém, sobretudo aos seus leitores!

Além dessas identificações desagradáveis, o estilo de Bernard Cornwell, que eu tanto apreciei nas crônicas de Artur, começa a ficar enjoativo para mim. Se não bastassem todas as semelhanças descritas acima, o estilo marcado faz parecer ainda mais que ambos os livros têm o mesmo narrador. Não sei se é problema da tradução, pois li um capítulo de outro livro seu (“Gallows Thief”) no original em inglês, e gostei muito. Posso até tentar daqui pra frente ler só o original, mas não sei, tem algo que já está saturado em sua escrita, como uma mania meio irritante de fechar quase todos os capítulos com uma frase solta do parágrafo. Outra furada que percebi na leitura das crônicas saxônicas foi a narração em primeira pessoa durante a infância do herói, pois ele pensa, age e fala como um adulto, o que fica bizarro e patético.

As “Crônicas saxônicas” contam a saga de Uthred, um menino saxão que vivia num forte na Inglaterra até a chegada dos invasores vikings, que matam sua família e o raptam e criam com seus modos de vida. Uthred então se transforma num autêntico viking, mas já adulto, por ironia do destino, passa novamente para o lado dos saxões, habitantes estabelecidos há alguns séculos na ilha, e tem que lutar contra seus antigos companheiros e sua religião em favor do rei Alfredo e do cristianismo. O que mais me interessou nesta leitura foi o simples fato de abordar a história dos vikings. Isso por si só já me encantou, apesar das limitações já explanadas, pois eu realmente amo os vikings, queria ter nascido um deles para simplesmente invadir a terra dos outros, roubar sua comida, queimar suas casas, estuprar suas mulheres, matar, decapitar, eviscerar, mutilar, e morrer lutando, e depois de tudo isso ser recompensado indo para o Valhalla (como se fosse o paraíso) e passar o resto dos dias lutando e pegando todas as mulheres lá até o Ragnarok (a batalha final dos deuses, como se fosse o Juízo Final). A única coisa que nunca entendi nas lendas vikings é o lance das mulheres, já que elas não entravam no Valhalla. Mas deixa pra lá, a lenda é agradável dessa forma, não quero nem imaginar em chegar lá e me deparar com um monte de cuecas...

Até o momento foram lançados quatro volumes da série, mas depois da leitura dos dois primeiros perdi a vontade de continuar. O primeiro é legal, e a história em si, com descrições de batalhas e estratégias de guerra, impulsionou minha leitura, apesar da decepção inicial com a falta de criatividade na construção dos personagens. Já o segundo começa muito melhor que o primeiro, me fazendo achar que a história enfim andaria num ritmo melhor. Até a metade do livro fiquei com os olhos grudados e ansioso para ver o desenrolar das coisas, mas então começou o momento “O império contra-ataca” da trama, ou seja, quando o inimigo vira o jogo e quase derrota o herói, e até o final do volume ficou numa lengalenga que fez me arrastar na leitura e perder a vontade de continuar até o final da saga. De repente eu até termino daqui a alguns meses (já comprei os outros dois mesmo...), mas agora perdi o interesse completamente, muito pela qualidade regular do livro, mas acho que sobretudo porque após as fantásticas “Crônicas de Artur” esperava muito mais de Bernard Cornwell, e esta decepção me deixou com um pouco de raiva.

Para curtir as histórias e lendas dos guerreiros vikings, mais instrutivo e encantador do que ler a “Crônicas saxônicas” é ouvir a música “Cold Wind to Valhalla”, do Jethro Tull, ou ler os quadrinhos do Thor da década de 80.

Editora: Record
Páginas: 364 (vol.1) e 387 (vol.2)
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

domingo, 7 de setembro de 2008

Queimado queimado, mas agora nosso! - Rosely Forganes


Acho que o mercado de mapas políticos deve ser lucrativo. Ano sim, outro também, surgem novos países para serem incorporados nos atlas, e ficamos sem saber absolutamente nada sobre estes caçulas, isso quando chegamos a reconhecer sua existência. Um desses novatos é o Timor Leste, que só não é o debutante máximo porque ano passado surgiu mais alguma coisa lá pelos Bálcãs (que eu também só fiquei sabendo porque a seleção da Sérvia foi desmembrada).

No caso do Timor, ainda teve alguma repercussão na mídia brasileira, por causa da proximidade lingüística (é uma ex-colônia portuguesa) e porque foram mandados soldados do nosso exército para ajudar na reconstrução do país; mais do que isso foi ignorado por 99,9% da população brasileira, me incluindo aí. Mas este pouco que se soube ficou por conta do trabalho de pessoas como Rosely Forganes, que partiu para lá na cara e na coragem a serviço da Rádio Eldorado e passou alguns meses colhendo informações, vivenciando o sofrimento das pessoas e mandando notícias para nós. No final, todo este trabalho virou o livro “Queimado queimado, mas agora nosso! – Timor: das cinzas à liberdade”.

Para um entendimento melhor do contexto, uma rápida explanação sobre a história do Timor: uma ilha dividida ao meio, na qual a parte oriental permaneceu cerca de 4 seculos como colônia portuguesa. Em 1975, com o fim do domínio português, os timorenses do leste foram dominados pela Indonésia, senhora da parte ocidental da ilha, e assim permaneceram até 1999, quando um plebiscito decidiu pela nova independência. O problema é que a Indonésia não aceitou e iniciou um massacre, através de milícias supostamente autônomas. Neste competente trabalho jornalístico, Rosely Forganes nos conta detalhes de suas três viagens para o Timor, a primeira nos momentos finais da guerra civil, e as outras duas durante a reconstrução do país pelas forças internacionais (2000 e 2001).

A história contada é muito interessante, apresentando o contexto de toda aquela confusão e personagens reais que sofreram num país que foi praticamente todo incendiado pelas milícias. Através de sua leitura, conhecemos desde o morador mais simples de Díli (capital do país) até o maior herói nacional, o líder das forças de resistência Xanana Gusmão. Mas tamanho zelo com o pormenores, se não tornaram o livro demasiadamente grande, às vezes não acrescentaram muito, e me parece que umas duzentas páginas a menos não fariam muita diferença no objetivo, ainda mais pela grande quantidade de entrevistas transcritas. Algumas são extremamente curiosas, como a de um camarada que se diz herdeiro das famílias reais portuguesa e inglesa e da família Kennedy, e por isso tem direitos sobre as economias do Banco Mundial, mas como ele é honesto ele as cede para o povo timorense (!). Já outras não acrescentam muito, e poderiam ser omitidas.

Outra ressalva que faço à obra é a escrita da autora. Apesar de ter feito um excelente trabalho de jornalismo e ter contado uma história surpreendente e inédita para os brasileiros, Rosely Forganes não é escritora de ofício, e seu estilo é arrastado, improvisado e muito fraco, com repetições de palavras e expressões, às vezes até na mesma frase, o que geralmente cansa e torna a leitura das mais de 500 páginas ainda mais longa.

“Queimado queiamdo, mas agora nosso!” vem com um cd intitulado “Vozes do Timor”, com uma série de reportagens que foram ao ar na Rádio Eldorado, com transmissão ao vivo do Timor Leste, através de telefones de bombeiros portugueses ou do jeito que dava para a jornalista se virar. São cerca de 30 minutos de informações e depoimentos chocantes, todos presentes no livro, que como foram ouvidos antes de sua leitura, confesso, levaram este bruto escritor de blog às lágrimas.

Esta resenha é dedicada ao colega Marcelo, leitor do blog que me deu o livro como contribuição para a continuidade desta brincadeira que vai durar até o final do ano, quando eu completar o projeto de 52 (ou mais, quem sabe) livros lidos em 2008. Valeu mesmo, Marcelo! E que sirva de incentivo para outros leitores que quiserem fazer sua contribuição também, hehehe (já recebi outro livro que em breve fará parte do blog, mas quem não chora não mama).

Editora: Labortexto
Páginas: 507
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *