quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Revolução Francesa, volumes 1 e 2 - Max Gallo

Como escrever sobre um evento tão abordado pela historiografia como a Revolução Francesa - ainda por cima escolhendo o título mais simples de todos - e tornar seu trabalho um best-seller? Max Gallo conseguiu atingir tal feito escrevendo a história da revolução que inauguraria o mundo contemporâneo de uma forma original, mesclando a metodologia de um historiador membro da Academia Francesa com a criatividade estética de um escritor de romances históricos. 

O mérito de Gallo foi ter conseguido encontrar a medida perfeita entre os dois caminhos e escrever um livro agradável para qualquer que seja o leitor: nem rigor de citações de fontes ou várias considerações sobre determinado assunto, nem situações imaginadas a partir de fatos históricos. Portanto, mesmo que o autor não tenha inventado nada que não tenha ocorrido para enfeitar a história (afinal, o que mais precisa ser inventado para tornar a Revolução Francesa uma passagem tão fascinante?), ele teve que fazer escolhas, tomar partido, dar vozes a quem lhe parecesse mais pertinente. Escolher entre diversos personagens criados sobre esses personagens da vida real de acordo com as ideologias, visões de mundo e paixões dos diversos autores que já escreveram sobre todos eles. 

Diferente de uma biografia - outro ramo bem trabalhado por Gallo ao longo de sua carreira -, aqui não há espaço para visões conflitantes sobre um mesmo personagem, a não ser na visão dos próprios personagens. A estrutura da narrativa escolhida pelo autor não permite. Isso fica claro logo no início do primeiro livro, O Povo e o Rei (1774-1793), o qual começa abordando o primeiro dos maravilhosos personagens da revolução, o rei Luis XVI, de suas origens familiares ao momento em que sua cabeça rola entre a navalha nacional e o povo de Paris. Max Gallo escolhe um Luis XVI diferente do déspota insensível aos sofrimentos ou do simples idiota à la Dom João VI que tradicionalmente são apresentados nos livros escolares e documentários televisivos. Apesar de realmente haver bem pouquinho de um e de outro em sua construção da personalidade do rei, a visão apresentada no livro é positiva, generosa, piedosa. Dependendo da visão de mundo do leitor, este pode até chegar a sentir pena do rei ou, por outro lado, raiva do autor. Os tipos de sentimentos que não se esperaria que um leitor sentisse com um livro acadêmico de História. Aí o diferencial da Revolução Francesa de Max Gallo para as outras, com a vantagem de ter sido escrita por alguém com real conhecimento acadêmico e um ritmo narrativo excelente.

Mesmo parecendo ser Luis XVI o personagem predileto do autor, ao qual é dedicada a maior parte do primeiro volume, é óbvio que aparecem no restante desse o do volume 2 - Às Armas, Cidadãos! (1793-1799) - outros tantos personagens que tornam a Revolução Francesa um evento de forte fascínio dentro da História, como Robespierre, Maria Antonieta, Danton, Marat, Napoleão Bonaparte e diversos anônimos com papéis menos memoráveis, porém fundamentais na guinada da história que foi a revolução. Afinal, quem determinou acontecimentos importantes naquela França em ebulição senão as mulheres rudes, maltrapilhas, enraivecidas que trabalhavam no mercado de peixe e arrancaram a família real à força de Versalhes? Não foram os trabalhadores urbanos que se tornaram o braço armado da revolução, os sans-cullotes? Da boca de um patriota que não tomou para si nenhuma parte da fama que fez com que os líderes gravassem seus nomes nos livros (e perdessem suas cabeças na guilhotina) é que saiu um pronunciamento que traduz perfeitamente o sentimento revolucionário: "Estamos em nossa casa, temos a febre quente da liberdade que faz enfrentar todos os perigos e defendemos tudo o que temos de mais caro: nossos lares, nossas mulheres, nossos filhos e sobretudo a liberdade, que é uma palavra mágica, que nos faria mover o universo". 

Em entrevista ao site da L&PM, sua editora no Brasil, Max Gallo afirmou que um dos motivos para o sucesso de seu livro foi justamente sua escolha em dar voz aos personagens, fugindo das interpretações posteriores. A visão é contemporânea à revolução, extraída de diários, jornais, ou seja, o que os historiadores chamam de fontes primárias. E essas impressões vão do rei a um simples livreiro chamado Rouault. O resultado é um livro delicioso, sobretudo para amantes da História, e no fim espera-se mais - não que fique faltando nada sobre a revolução em si, mas o leitor satisfeito vai se sentir como uma criança que quer que a história continue. E como não se trata de um conto de fadas, como ninguém vive feliz para sempre, ela realmente continua, na figura de Napoleão Bonaparte e sua aventura pela Europa. Bem, Max Gallo também escreveu uma biografia desse personagem, e já existe uma edição no Brasil...

Max Gallo nasceu em Nice, em 1932. Além de historiador e escritor, foi jornalista, participou ativamente da política de seu país no Partido Socialista Francês e é membro da Academia Francesa desde 2007. Ao longo de sua vida, se interessou por vários temas de História, da Roma Antiga à Segunda Guerra Mundial, mas de qualquer forma, segundo suas próprias palavras, "Escrevi uma tese, muitos artigos, etc, mas o que gosto de fazer, no fundo, é contar a História como um romance". Os leitores agradecem.

Editora: L&PM
Páginas: 395 + 391
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

ps: Marcelo, obrigado pelo empréstimo do livro!

4 comentários:

  1. Meu amigo, obrigado por mais esta excelente resenha que me surpreendeu positivamente do início ao fim. Seu senso crítico apurado me deu as respostas que esperava,mas que já não acreditava que fosse receber pelos motivos de que lhe falei.Vc me representa!!!!!

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  2. Amo esses dois livros. Estou relendo-os pela terceira vez, entre indas e vindas do trabalho. O mal dele é que em uma semana, a cada 30 minutos de trânsito, você acaba ele. Deliciosa a leitura dele. A propósito, alguém sabe dizer se os outros livros do Gallo seguem esse estilo? De contar algo real através de personagens reais encenando as cenas dos acontecimentos? Achei isso muito legal, ainda mais por um autor que sabe escrever. E parabéns pela resenha e pelo blog! Amei as dicas aqui compartilhadas!

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  3. Obrigado! Não sei te responder porque ainda não pude ler outro livro dele, mas estou ansioso pela oportunidade. No momento estou com outras leituras, é muita coisa no universo para pouco tempo, mas logo Max Gallo cruzará meu caminho novamente.

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