terça-feira, 26 de agosto de 2014

Ele Está de Volta - Timur Vermes resenha

Hitler acorda num terreno baldio de Berlim, em 2011, como se nada tivesse acontecido entre os momentos finais da Segunda Guerra Mundial e os dias de hoje, pelo menos para o führer. Essa é a estranha premissa para Ele Está de Volta, romance de estreia do alemão Timur Vermes. De uma situação bizarra como essa só se pode esperar duas coisas: uma comédia ou uma ficção científica bem underground. Ficamos aqui no primeiro caso, e parece que a piada realmente foi boa, já que, só na Alemanha, já foram mais de 1,5 milhão de exemplares. Rapidamente surgiram traduções para mais de 30 idiomas, incluindo nosso português.

Não se sabe ao certo o que aconteceu para Hitler vir parar nos nossos dias da mesma forma que estava em 1945, mas isso não tem a menor importância para os objetivos do autor (aliás, se a coerência científica e histórica tivesse importância nesse livro, seria errado Hitler ter acordado com a saúde perfeita, já que em seus últimos dias ela estava seriamente comprometida). O nazista simplesmente acorda, se levanta, sem nem desconfiar o que ocorria, tanto que seu primeiro pensamento é retornar imediatamente ao seu bunker. Ao caminhar pela Berlim de hoje, ele começa a perceber que algo havia mudado - dada a integridade física da cidade, ele obviamente deduz que seu país ganhou a guerra. O contato com as pessoas o faz descobrir aos poucos o que estava acontecendo; e fazer amizade com um jornaleiro turco e ter acesso aos principais jornais e revistas ajuda a acelerar esse processo. Logo, como era de se esperar, o tirano começa a planejar sua volta ao poder, e vê sua grande oportunidade nos meios de comunicação atuais, com os quais ele nem sonhava em contar no seu tempo. 

O choque de realidade de Hitler com os tempos atuais é o primeiro ingrediente que dá graça ao livro. Seu estranhamento se dá em todos os sentidos: tecnologia, costumes, política, economia. É bem engraçado imaginar seu contato com a internet, sua reação à quantidade de imigrantes na Alemanha atual, ao capitalismo corporativo moderno e suas inimagináveis empatias com situações dos dias de hoje - o Partido Verde alemão, por exemplo, é admirado pelo tirano; já as pessoas recolhendo cocô de seus cachorros na rua são tidas como loucas por ele. O que mais dá mais graça nisso tudo é a narrativa em primeira pessoa pelo próprio Hitler, rebuscada, antiquada, dramática nos mínimos detalhes, com pretensão de ser séria - afinal ele realmente é o Hitler, por que não se levaria a sério?

O outro lado da piada é justamente o contrário: a visão da sociedade atual sobre o suposto Hitler. É obvio que ninguém acredita no absurdo do verdadeiro Hitler ter voltado, e todos o tratam como um excelente ator interpretando seu personagem de forma impressionante. Ninguém vai levá-lo a sério. Em 2011, Hitler é uma piada para todos, como se todo seu ódio e fanatismo tivessem ficado no passado até para o mais fanático neonazista. Pelo menos da forma caricata que seria a interpretação de um comediante nos nossos dias. E por causa dessa "interpretação", Hitler volta a conquistar as pessoas, não mais pela sedução de suas promessas de prosperidade para os alemães e vingança, mas pelo seu talento de ator (que originalmente, na década de 1930, ele já tinha). A partir daí há espaço para uma discussão em voga hoje em dia, inclusive para nós aqui no Brasil: a questão do politicamente correto. Se Hitler em 2011 vira um recordista de visualizações no Youtube e ganha seu próprio programa na televisão, há também aquele lado que se sente ofendido, e aí começa o problema dos limites da liberdade de expressão e censura (que já existia, só que às avessas, na sua época). Essa superexposição de Hitler na mídia também busca satirizar o fascínio atual das pessoas pela mídia popular e a mania de memes ou conteúdos virais que vem crescendo.

É claro que, à parte a sociedade retratada no livro, a nossa própria sociedade deve se questionar sobre a graça de se fazer piada com um personagem como esse, responsável pelo extermínio de milhões de pessoas. Em outros textos na internet, pareceu inevitável aos autores a citação de O Grande Ditador, filme de 1940 de Charles Chaplin que satiriza Hitler, na época que ele ainda era vivo e os Estados Unidos ainda não tinham entrado na guerra (e algumas fontes afirmam que Hitler adorava esse filme e tinha uma cópia em sua coleção). Em minha opinião, a comparação não é válida, pois há uma diferença muito grande entre os dois trabalhos. No filme, o ditador é ridicularizado por uma visão de fora, enquanto que Ele Está de Volta é narrado pelo próprio. Suas ideias apresentam explicações, uma linha de pensamento lógica, que não deixa de ser ridícula, mas é coerente. A crítica não vem de fora, é o próprio personagem que se defende ou se incrimina. E nesse sentido, achei que Timur Vermes encontrou a medida certa para não apresentar o protagonista como um anti-herói que pudesse conseguir a simpatia do leitor, mas também não pegar pesado demais em temas até hoje delicados, sobretudo na Alemanha (eu imaginaria um Hitler verídico muito mais antissemita do que o do livro, por exemplo). Pessoalmente, não vi problema nenhum nesse sentido, me parece que a imagem de Hitler já é bem clara para toda a humanidade para que um livro desse tenha o poder de mudá-la ou suavizá-la (bem, exceto por meia dúzia de revisionistas e os indonésios). 

Ele Está de Volta é interessante por se tratar dessas questões abordadas acima, mas como leitura não é lá essas coisas, apenas um livro razoável. Há que se considerar que o entendimento depende de um conhecimento mínimo sobre a Segunda Guerra Mundial e o mundo atual, mas ainda assim existem pequenas dificuldades para leitores não alemães por causa das referências a inúmeros aspectos da realidade daquele país que nós desconhecemos - e isso transforma alguns trechos em piadas internas deles. No fim das contas, é uma leitura engraçada, mas não chega a ser hilária. Ainda assim, considero válida.

Fora qualquer coisa escrita no livro ou aqui nessa resenha, a capa é sensacional!

Editora: Intrínseca
Páginas: 304
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

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