sábado, 12 de fevereiro de 2011

Derrotista - Joe Sacco


É guerra? Pode crer então que, apesar de todos os riscos, vai haver um monte de gente desarmada indo para lá a trabalho, para produzir relatos dos seus detalhes mais sórdidos. Antes uma grande novidade, a reportagem de guerra foi, através do tempo, produzindo muita coisa sensacional ("Corações e Mentes", filme sobre o Vietnã, e "Guerra dos Bálcãs", fantástico livro de John Reed sobre a I Guerra Mundial - que não sei porque ainda não está nesse blog), mas o tempo não perdoa, e o que era novidade no passado vira banalidade, sobretudo após a proliferação das coberturas televisivas ao vivo. Todo gênero precisa de reinvenções esporádicas, e quando a reportagem de guerra dava seus sinais de acomodação, surge uma figura chamada Joe Sacco com relatos sobre áreas barra-pesadas como a Palestina ou a Bósnia da década de 90... em quadrinhos.

Joe Sacco fez fama e ganhou muitos prêmios ao longo de sua carreira por suas obras de jornalismo em quadrinhos, mas no auge do sucesso, pouca gente conhecia seus trabalhos underground anteriores. Foi quando Derrotista foi lançado, um álbum que mostra o trabalho do artista quando jovem, com toda a sua inexperiência e falhas típicas de um novato, mas por outro lado, as origens de sua exemplar carreira e as influências que o levaram a abordar os temas que o fizeram famoso - guerra e viagens pelo mundo afora.

O trabalho de Joe Sacco nessa fase é claramente influenciado pelos ícones dos quadrinhos underground Robert Crumb e Harvey Pekar, em alguns desenhos e temas autobiográficos (Sacco também já foi desenhista da American Splendor). O primeiro capítulo é um exemplo - Gênio dos Quadrinhos é bem ao estilo "um dia na vida de alguém comum" de Pekar, e o excesso de sombreado vem dos desenhos de Crumb. No meu dia de folga segue a mesma linha de roteiro, mas com um desenho já diferente, e Na companhia do cabelo comprido mostra as experiências de Sacco ao lado de uma banda de rock em turnê pela Europa.

O que mais se parece com os álbuns posteriores de Joe Sacco são as histórias Quando as bombas acontecem para as pessoas más e Mais mulheres, Mais crianças, Mais rápido. A primeira não é uma história em quadrinhos, mas sim ilustrações acompanhadas de citações de personagens reais da II Guerra Mundial que mostram os absurdos e contradições na política de bombardeios de alvos civis. A segunda é bem no estilo do autor, um relato sobre a II Guerra Mundial em Malta, sua terra natal, de acordo com as lembranças de sua mãe - menos história oficial dos livros e mais aspirações, necessidades e sentimentos das pessoas comuns.

Derrotista apresenta também um lado pouco conhecido de Joe Sacco, o humor ficcional, com bons e maus momentos. Oito personagens é uma coleção de pequenas histórias de cerca de quatro páginas sobre nove (!) personagens absurdos, como Johnny Frase-Feita ou Mark Massa-de-Manobra, coisa bastante divertida que contrasta com uma outra coleção chamada Apócrifas, que não é lá essas coisas.

Apesar das séries sobre a Palestina e a Bósnia serem muito melhores do que Derrotista, este álbum é bom, divertido e merece ser lido, mas para quem não conhece o autor, Palestina é o mais indicado - escreverei sobre esta série em breve aqui no blog. Joe Sacco vem ao Brasil em julho, na Flip, que cada vez mais abre espaço para artistas de quadrinhos. Ano passado veio Robert Crumb, mas infelizmente não consegui ir. vamos ver se esse ano eu consigo superar duas dificuldades de sempre em relação a este evento anual: a) lembrar de acompanhar as notícias no site para conseguir comprar os ingresso, que se esgotam rapidamente; b) conseguir algum lugar para dormir com preço razoável em Paraty nessa época, dificuldade maior ainda!

Editora: Conrad
Páginas: 217
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

3 comentários:

  1. Fala, Nando! Gostei muito que li. Vc nos devia uma resenha sobre algum dos livro do grande Joe Sacco. Espero que esta seja apenas a primeira dentre outras. Eu ja te falei das minhas impressões sobre o livro dele que leio no momento.Eu fiquei curioso em saber se tantos os quadrinhos dele quanto os do Crumb são lançados originalmente em preto e branco nos E.U.A e em outros paises.
    Vc vai mesmo a esta edição do FLIP? Acho meio loucura enfrentar Paraty lotada e tendo que disputar quase tudo com preços exorbitantes...

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  2. Não sei se todos são lançados em p&b, mas devem ser, ser tosco faz parte da tradição underground. Os do Joe Sacco eu sei que são, os de Crumb do album Bob & Harv (que vieram da American Splendor) também. Pode ser que tenha saído algo colorido, mas é minoria.

    Quanto à Flip, vou ver se rola de ficar em Angra, não é longe e de repente é mais viável. Paraty realmente me causa muita antipatia por causa disso que eles sempre fazem em eventos e épocas quentes. Em 2003-4 a gente passou o ano novo acampados numa praia de lá que nem tinha luz elétrica, cheguei bem antes e, com o passar dos dias, vi os preços aumentarem conforme chegava perto da hora da virada e mais gente abarrotava o local. Aumentava o preço de uma dia para o outro, chegou ao ponto de combrarem um pf de feijão, arroz e ovo por 7 reais, bem caro pra época, e peguei uma trilha na mata pra comer em outra praia menos cara. Deixou uma impressão horrível, e nunca mais voltei nessa praia chamada Martins de Sá.

    Quer saber, lembrar disso já me tirou a vontade de ir na Flip, evento de burguezinho!

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  3. Não quero te desestimular, mas acho que ter alguns momentos de prazer e em contrapartida tanta tortura não compensa. Pena que o Rio não receba este tipo de evento ... eu gostaria imensamente de ir, mas me vejo acuado diante das incoveniências desse tipo de programa. Paraty virou, de uns tempos pra ca, uma especie de territorio de gente cult bacaninha, que curte mesmo e a simples badalação. A Cassinha e a Aline estiveram la alguns meses atras (e olha que que nem foi em tempos de FLIP, hein ...)e me contaram coisas que eu ja sabia que rolavam. Vc tem tempo (relativo) pra decidir ainda, contudo pense bem nas vantagens e desvantgens que isso pode te trazer. Se o Crumb desse o ar de sua graça por la, te aconselharia a ir, mas do contrario, nem pensar ... rsrssrsr Falou!!!

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