sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Raízes do Brasil - Sérgio Buarque de Holanda


Se há livros que nunca perdem a atualidade, Raízes do Brasil é mais do que isso: continua necessário e fundamental para a formação do país. Uma tradução impiedosa do porquê das mazelas desta grande ex-colônia portuguesa, provoca ainda hoje, mais de 70 anos após sua primeira edição, a reflexão sobre como chegamos a níveis tão baixos de ética na coisa pública e quanto atraso isso nos produz.

As tais raízes referidas no título são nossas origens ibéricas, a colonização portuguesa, que recebe do autor maior importância em detrimento das outras contribuições originais do povo brasileiro - africanos e indígenas, mas engana-se quem pensa que isso é um elogio: ao contrário de outros pensadores anteriores (sobretudo Gilberto Freire, autor de "Casa Grande e Senzala"), Sérgio Buarque de Holanda (para quem não conhece, pai do cantor e irmão do autor do dicionário) encara nossas raízes ibéricas justamente como nossa maior desgraça, mas sem apelar para a imaginação de "realidades alternativas", como "teríamos destino melhor se fossemos colonizados pelos holandeses".

Raízes do Brasil começa então analisando a estrutura histórica dos povos ibéricos, para demonstrar características sociais e psicológicas que teriam sido nossa herança maldita. Apoiado em rigorosa pesquisa histórica, o autor aponta aspectos da colonização portuguesa, como a vontade de lucro rápido e fácil, sem planejamento para o futuro, e características do povo que permaneceram na nossa classe dominante, como a emotividade, e a incapacidade de largar isso no trato dos assuntos públicos. Isso foi escrito em 1936, mas ainda em 2010, quem nunca ouviu algum idiota dizer que consegue uma vaga em algum cargo público porque é "amigo" de um vereador?

Outra análise muito interessante presente neste livro é o que o autor chamou de "homem cordial": o brasileiro, em suas relações pessoais, é generoso, hospitaleiro, não por civilidade, mas pela emotividade e horror às relações impessoais - o total oposto do japonês. Lembro sempre disso quando estou numa fila demorada e alguém que eu nunca vi na vida tenta puxar algum assunto bem trivial.

Para Sérgio Buarque, toda essa cultura de emotividade chegou até nós com força via nossa classe dominante, que na época colonial era representada pelos grandes agricultores, que viviam como reis dentro de suas terras, mandando em todos à sua volta, sem serem incomodados por nenhum tipo de poder governamental. Essa mentalidade patriarcalista se manteve intacta por três séculos, e só começou a ser afetada quando a família real veio para o Brasil e o desenvolvimento da vida urbana teve início. O autor classificou este processo como a única revolução brasileira, a superação da vida e da mentalidade rural por uma realidade urbana, ainda em curso durante a escrita do livro.

Em sua época, a urbanização já era bastante avançada quando comparada com o século anterior, mas não chegava nem perto da que nós vivemos hoje. Entretanto, mesmo com as considerações de Sérgio Buarque de Holanda tão atuais, tenho a impressão que a tal revolução ainda não foi concluída e está longe de ser, tendo em vista todo o clientelismo e apadrinhamento existentes mesmo nos grandes centros urbanos, desde as trocas de favores com autoridades, até pequenas atitudes como aquele adiantamento no processo porque você tem um "amigo" no fórum, aquele remédio que o "amigo" enfermeiro conseguiu trazer do hospital público, aquela vaga na escola que sua "amiga" que trabalha na secretaria conseguiu reservar ou até a vista grossa na sua falta no emprego público porque o diretor é seu "amigo". Sérgio Buarque de Holanda não se calará ainda por muito tempo.

Editora: Companhia das Letras
Páginas: 220
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

Nota: Nelson Pereira dos Santos dirigiu um excelente documentário com o mesmo nome do livro, em 2004, sobre a vida de Sérgio Buarque de Holanda, no qual podemos ver, entre outras coisas, filmagens privadas do autor cantando em alemão e o Carlinhos Brown (seu genro) declarando que achava que seu sogro era quem havia feito o dicionário...

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