segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Bantos, Malês e Identidade Negra - Nei Lopes

"Bantos, Malês e Identidade Negra" teve sua primeira edição na década de 1980, quando poucas obras sobre povos africanos e sua influência no Brasil eram publicadas por aqui, e quase nada se falava a respeito do tema nas escolas e nas grades curriculares básicas das universidades. De lá pra cá, a pressão de educadores e entidades da sociedade civil promoveu a popularização do assunto, até que em 2003 foi estabelecida uma lei que obriga o ensino da história africana e dos negros no Brasil nas escolas, e hoje, tanto livros que tratam da história como a literatura africana são de fácil acesso - ainda que a "moda" tenha encontrado seu apogeu há cerca de 5 anos, e hoje tenha perdido um pouco do apelo para áreas mais faladas ultimamente, como China e Índia. Neste contexto, o livro de Nei Lopes me parece um tanto pioneiro, pois desconheço trabalhos de acesso fácil ao público não-especializado anteriores a ele no Brasil.

Prova da acessibilidade deste livro é sua organização. Dividido em duas partes, cada qual apresentando uma visão geral sobre cada um dos dois principais tipos de povos africanos que desembarcaram no Brasil como escravos, a escrita de Nei Lopes não é rebuscada e os temas são expostos desde os conceitos mais fundamentais - talvez porque não seja historiador e, consequentemente, não tenha seus vícios.

A primeira parte, que trata dos malês - nome genérico dado aos escravos de religião islâmica - é iniciada com aspectos bastante básicos da religião muçulmana, de sua expansão pela África, dos motivos da conversão de vastas áreas e do aspecto mais impressionante desta religião que muitas vezes nos é apresentada como purista e radical: o sincretismo que ocorreu entre o Islã e as religiões africanas tradicionais. Certa vez, o embaixador Alberto da Costa e Silva descreveu o constrangimento de uma autoridade de um país africano islamizado durante uma demonstração popular onde o Islã era celebrado ao som de batuques...

-->O Islã sofreu ainda mais modificações no Brasil. Os malês eram caracterizados como rebeldes, e esse islamismo criou a mítica do negro altivo, insolente, insubmisso e revoltoso. Ademais, eles eram intransigentes em seus princípios religiosos, o que gerava a antipatia de outros negros, principalmente os Bantos. Eram temidos pelas suas “feitiçarias” (a palavra mandinga tem origem no nome de um grupo étnico islamizado). Os malês representaram uma unidade acima das distinções étnicas, com uma escrita própria (todos eles eram alfabetizados em árabe), mas principalmente um importante fator de mobilização revolucionária - -->estes escravos foram o germe de rebeliões ocorridas na Bahia de 1807 a 1835 (ficando o movimento de 1835 conhecido como “revolta dos malês”). Tudo isso é relatado no livro com bastante transparência, sem termos específicos de historiadores ou palavras tiradas de dicionários do século XIX.

A segunda parte do livro aborda os bantos, originalmente a denominação de um tipo linguístico africano, mas significando na realidade brasileira praticamente -->todos os grupos étnicos negro-africanos do centro, do sul e do leste do continente que apresentam características físicas comuns e um modo de vida determinado por atividades afins. -->A religião dos bantos, na qual a noção de força toma o lugar da noção de ser e os ancestrais são venerados por causa de sua herança espiritual para a evolução da comunidade, originou o que hoje é conhecido pejorativamente e de forma simplista como "macumba", algo mais arraigado na cultura popular do que negros islamizados. Bem como na parte sobre os malês, aqui o autor aborda as contribuições bantas para a cultura e a história do Brasil, destacando religião, língua e a resistência dos quilombos.

"Bantos, Malês e Identidade Negra" é fundamental para estudiosos iniciantes sobre o assunto, e uma leitura muito agradável para o público em geral que deseja conhecer a história do país em que vive, por muito tempo esquecida em favor do status quo da sociedade pseudo-branca brasileira. Existem edições antigas encontradas em sebos e bibliotecas e uma mais nova, lançada pela editora Autêntica no ano passado.

Nei Lopes é formado em Direito e Ciências Sociais pela UFRJ. Além de escrever livros sobre a África e sua influência no Brasil, é sambista, poeta e escreve um blog sobre tudo isso.

Editora: Autêntica
Páginas: 224
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Ero-Guro: O erótico-grotesco de Suehiro Maruo


Ero-Guro não é para qualquer leitor. As situações mostradas nos quadrinhos de Suehiro Maruo podem causar diversos tipos de sentimentos negativos, da repulsa ao ódio contra esse pervertido que ousa mostrar todas as insanidades saídas de sua mente perdida, difíceis até de conceber um paralelo com a realidade. Mesmo simples menções ao que ocorre no folhear das páginas dessa obra maldita podem estragar o resto do dia de pessoas sensíveis e sem estômago suficientemente forte. Portanto, se você se inclui nessas categorias ou em semelhantes, sugiro que pare de ler este texto agora.

Para começar, não acho que o título seja coerente com a obra. Ero-Guro é uma simplificação do termo "erótico e grotesco", mas eu não consegui encontrar traço de erotismo em nenhum dos nove contos. Não posso considerar nem mesmo como pornografia, pois acho que esse termo abarca situações sexuais menos doentias do que coprofilia, banho de urina ou sexo com velhas decrépitas mostradas no presente livro. Para mim, só sobra o grotesco, o nojento, o desagradável, o detestável.

A capa do livro, propositalmente contida (mas com a advertência "quadrinhos adultos") pode omitir o conteúdo, mas já no índice o nome de contos como "Receita para uma Sopa de Merda" ou "O Grande Masturbador" preparam o terreno para o que está por vir. Seguem-se então bizarrices de todo tipo, desde mutilações até um garoto faminto se alimentando de uma lombriga que acabara de sair de seu próprio ânus, representadas nas belíssimas ilustrações de Suehiro Maruo, que na verdade se sobressaem em relação ao texto com seus contrastes preto e branco, os pequenos detalhes e a utilização de técnicas diferentes do mangá clássico em algumas páginas. Na maior parte, o sadismo e o prazer resultante da humilhação ou do horror alheio predominam como temas primários. Fora isso, as referências à arte são frequentes: "O Grande Masturbador" é o título de um quadro de Salvador Dali e "Uma Temporada no Inferno" um livro de Rimbaud, dentre outras.

Ero-Guro é, antes de tudo, uma coletânea de histórias de terror, com assassinatos, psicopatas, canibais, mas o aspecto principal é, obviamente, a perversidade das situações. Esse é o ponto forte da obra, a intenção de chocar, já que a arte é isso, e não uma simples representação do mundo sem pretensões. Ao ler este livro, dispa-se dos preconceitos e do que foi estabelecido pela sociedade para não rejeitá-lo logo no primeiro conto, mas não muito, para que não se perca o efeito da ojeriza desta leitura.

A editora Conrad já lançou outros dois livros desse abominável autor: "O Vampiro que Ri" e "Paraíso: o Sorriso do Vampiro", que, se traduzem os cenários insanos de sua mente da mesma forma que em Ero-Guro, valem uma conferida.

Escolhi uma dentre as muitas passagens desagradáveis do livro para fechar este texto: "Quando eu era criança, sem querer, tive a chance de experimentar o gosto da merda, obviamente era a minha própria. O escritor ladrão Jean Genet já escrevia: 'A imundice abomina outras imundices'. É uma frase célebre. Ainda criança, quando sentia vontade de ir ao banheiro, tinha que correr até a minha casa. Até hoje, não consigo fazer minhas necessidades nos banheiros públicos de estações de trem e parques. Quanto ao sabor da merda, mais do que fedido, é amargo. Se não acredita em mim, recomendo que experimente você mesmo. - Ass.: Eu - "

Editora: Conrad
Páginas: 225
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *



quarta-feira, 15 de julho de 2009

Um Estranho numa Terra Estranha - Robert A. Heinlein


O título deste livro é deliciosamente tentador, sobretudo para os adolescentes. Quem, com menos de 20 anos, não passou boa parte da vida se sentindo um estranho numa terra estranha? Comprei este livro lá pelos meus 15 anos, não lembro se por causa da minha identificação com o título, mas é mais provável que tenha sido mesmo vontade de conhecer este grande clássico da ficção científica, categoria de filmes e livros que amo desde que me conheço como gente (ou desde "Inimigo Meu" na Sessão da Tarde). O fato é que naquela época eu não tinha maturidade para compreender a profundidade desta obra ou para ler um livro com mais de quinhentas páginas, e parei na metade. Para mim, a ficção científica ainda significava tiros barulhentos e explosões em pleno espaço sideral.

Na vida adulta, passei a compreender que a ficção científica séria, na verdade, é uma sagaz crítica à sociedade. Se em "Duna" Frank Herbert atenta para o risco ambiental (isso já na década de 1960), "Um Estranho num Terra Estranha" é a explanação de toda hipocrisia da sociedade da época, o que pouco mudou até hoje em dia e torna o livro bastante atual. Reiniciei a leitura deste livro numa época em que eu estava me sentindo justamente como o título sedutor, quando trabalhava muito em vários lugares chatos com pessoas sem graça, e finalmente "grokei" (na língua do personagem principal, algo como compreender, apreender, absorver ou qualquer outra coisa que você entenda ao ler o livro).

O livro começa com uma frase solta, impossível de ser mais minimalizada: "Era uma vez um marciano chamado Michael Valentine Smith" (além de ser bastante engraçada, algo como "Era uma vez um tirolês chamado Jamal", ou "Era uma vez um judeu chamado Christian". O nome foi propositalmente escolhido pelo autor para se opor aos nomes impronunciáveis com que alienígenas são normalmente batizados nos livros de ficção científica). Na verdade, Michael é um ser humano criado em Marte, e trazido adulto para a Terra (admitindo-se seres racionais e uma sociedade em marte). Todo o desenvolvimento da história se baseia nisso, um ser que nunca teve contato com a cultura terrestre e que, de repente, se vê compelido a conviver com toda nossa esquisitice, tais como moral, religião, sexualidade e tudo mais - fora a gravidade esmagadora de um planeta maior que Marte.

A primeira dificuldade de Michael é lidar com o assédio e a curiosidade de toda a humanidade acerca de um marciano, e logo depois as coisas ficam piores para o pobre visitante. Se por um lado o marciano conta com poderes extraordinários para livrar-se de situações de risco, por outro ele simplesmente não consegue encarar pressões de pessoas próximas e constantemente sofre catalepsia. Com o tempo ele aprende a suportar tudo isso e perde sua ingenuidade perante a maldade humana, e no anonimato começa a compreender a realidade terrestre e logo passa a se colocar numa posição de domínio como um grande líder religioso, na tentativa de iluminar as pessoas. Contar mais que isso seria estragar o prazer da leitura.

"Um Estranho numa Terra Estranha" teve uma influência marcante na época de seu lançamento. Por atacar a mediocridade da sociedade ocidental com seus dogmas sexuais, religiosos e materialistas, o livro foi objeto de perseguição para os mais conservadores, e modelo para a contracultura, principalmente pelo desapego às coisas materiais e a liberdade sexual propagados por Michael. Apesar das críticas à sexualidade reprimida, em algumas passagens fica clara uma ponta de machismo e homofobia, mas a interpretação é ambígua: pode tanto ser a visão do autor como a da personagem Jill, utilizada para confrontar a mente aberta de Michael e seu amigo e professor das coisas da vida terrestre Jubal Harshaw. Para mim ficou a dúvida, mas, se relevado, isso não tira a beleza da obra.

Existe um profissão criada no livro, de "testemunha juramentada", exclusiva para pessoas com memória eidética, que não podem mentir, mas não podem tirar nenhuma conclusão dos fatos presenciados, e a capacidade de dedução da pessoa é totalmente omitida. Uma pesquisa na internet me atentou para uma comparação não observada por mim no momento da leitura: a semelhança entre as "testemunhas juramentadas" e os "mentats" do livro "Duna", que realmente existem. Outra curiosidade é uma cria maldita da obra de Heinlein, a "Igreja de Todos os Mundos", criada em 1962, um ano depois do lançamento do livro, e inspirada na instituição de mesmo nome presente no livro.

Robert Anson Heinlein ganhou o prêmio Hugo por este livro (uma premiação específica da literatura de ficção científica e fantasia), e é considerado um membro de uma espécie de santíssima trindade do gênero, ao lado de Isaac Asimov e Artur Clark. O livro já ganhou seguidas edições lá fora, porém por aqui infelizmente está esgotado - mas é fácil encontrá-lo em sebos por preços módicos. Uma lenda diz que Heinlein é responsável indireto pela criação da Cientologia, aquela pseudo-religião seguida por Tom Cruise: a seita teria sido resultado de uma aposta dele com o também autor de ficção científica Lafayette Ronald Hubbard, que teria saído vencedor ao criar uma religião e ganhar muito dinheiro com ela. Mas é claro que isso são só boatos, afinal, quem seria tão desonesto a ponto de criar uma religião só para tirar dinheiro de otários? Por favor, não respondam essa...

Editora: Record
Páginas: 527
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * * * *


domingo, 12 de julho de 2009

O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde

Você conhece alguém que trocou sua alma pela beleza eterna? Eu conheço várias pessoas que já fizeram isso, e acabo de conhecer mais uma: Dorian Gray. Personagem do excelente livro de Oscar Wilde, a lamentável história do sr. Gray começa com uma sedução, a sedução de si mesmo, um jogo de vaidade que se transforma em narcisismo doentio. Durante uma festa da alta-sociedade, o pintor Basil Hallward conhece o jovem Dorian Gray e fica fascinado por sua beleza. Desenvolve-se então uma paixão platônica e o pintor toma Dorian como modelo para sua mais perfeita obra, o retrato de Dorian Gray. Paralelamente, Dorian conhece Henry Wotton que, com suas idéias sobre a beleza, estimula ainda mais o narcisismo do jovem. Obcecado, Dorian Gray troca sua alma pela beleza eterna e descobre que o resultado prático é a inexistência do envelhecimento em seu corpo pela corrupção de seus atos: para cada atitude vil de Dorian, seu retrado ganha alguma ruga ou deformidade, enquanto o seu corpo permanece o de um jovem - fato descoberto ao acaso, quando ele despreza uma pretendente que comete suicídio. A partir de então, uma trilha de maldade e loucura se desenvolve através das páginas do clássico de Oscar Wilde.

O ponto mais interessante do livro, na minha visão, foi a identificação da maldade com o belo, e não com a feiura, como geralmente este tema é apresentado desde as obras infantis. Além da óbvia discussão sobre a beleza e o que o ser humano é capaz de fazer para alcançá-la, "O Retrato de Dorian Gray" é uma crítica à alta-sociedade britânica da época vitoriana, encarnada principalmente na figura do hedonista Henry Wotton. Sociedade esta que, apesar de representar o país mais esplendoroso da época - o império onde o sol nunca se punha - fez tantos de seus súditos sofrerem. Um deles foi justamente Oscar Wilde, que na época do lançamento do livro foi perseguido por causa de seu relacionamento com outro homem, chegando até a ser preso por isso. Wilde foi submetido a trabalhos forçados e, ao sair da prisão em 1897, se mudou para Paris, onde adotou uma vida menos excêntrica e morreu de meningite três anos depois.

"O Retrato de Dorian Gray" apresenta diversas passagens homoeróticas (muito parecidas com algumas partes da obra de Platão), o que favoreceu ainda mais as acusações de sodomia que pesavam contra o autor irlandês. Como resposta aos que consideravam seu livro imoral, Wilde respondeu no prefácio da segunda edição: "Não existe livro moral ou amoral. Os livros são bem ou mal escritos. Isso é tudo". Independente da polêmica, "O Retrato de Dorian Gray" é um excelente romance (o único de Oscar Wilde, já que o restante de sua obra são contos e peças de teatro), disponível em diversas edições - desde as mais baratas coleções de clássicos até edições bilíngues - e até em audio-livro (que foi como "li"; foi minha primeira experiência com audio-livros, e gostei. Apesar de parecer ser mais fácil, requer o mesmo nível de atenção de uma leitura). Há também alguns filmes antigos baseados na obra, e um inglês que tem previsão de lançamento para este ano.

Voltando à pergunta com a qual iniciei o texto, conheço várias pessoas que vendem a alma para conseguir beleza eterna. Quantas pessoas já passaram fome na vã expectativa de ter o corpo mais bonito? Quantas mulheres já morreram na tentativa de ter seios maiores e menos flácidos? Quantas viagens, obras na casa e cursos para os filhos foram adiados por causa de caros tratamentos estéticos? Na nossa sociedade, que cultua mais o corpo do que o bem-estar, a cultura e a satisfação pessoal, "O Retrato de Doria Gray" permanecerá atual ainda por muitas gerações.

Editora: várias

Páginas: variável

Disponibilidade: normal

Avaliação: * * * * *




domingo, 5 de julho de 2009

O Anticristo - Friedrich Nietzsche


Se eu pudesse juntar um time de futebol só com figuras contrárias à moral e à religião de sua época (como fizeram os comediantes do Monty Pyton com os filósofos gregos contra alemães, com Confúcio no apito e os santos filósofos nas bandeirinhas), eu armaria um meio-de-campo com Voltaire e Marquês de Sade na contenção e Nietzsche armando o ataque para Sartre e Dawnkins (quem sugerir a contratação de Toninho do Diabo para a lateral esquerda merece ser banido do futebol e da filosofia!). Eu daria a camisa 10 para o controverso filósofo alemão pela sua emblemática obra "O anticristo".

A obra de Friedrich Nietzsche é caracterizada por normalmente não apresentar idéias fechadas em um único livro, sendo elas trabalhadas continuamente em diversas obras. Assim é o ataque de Nietzsche à religião, inicialmente apresentado em "A genealogia da moral" (este, por sua vez, uma continuidade às ideias do livro "A gaia ciência"), mas radicalizado em "O Anticristo". Por esta razão, o pensamento de Nietzsche, apesar de não ser muito difícil, não pode ser compreendido com a leitura de apenas um de seus livros. Este foi o primeiro livro de Nietzsche que li, e para entendê-lo completamente precisei de leituras de apoio.

A crítica de Nietzsche ao cristianismo baseia-se no fato desta religião impedir a formação do Übermensch, o super-homem, uma "evolução" que nasce da vontade de poder e rechaça a moral decadente. Piedade, compaixão e humildade seriam valores da moral dos escravos. Para o bem da humanidade, o mais fraco deveria perecer, dando lugar a este novo homem. O cristianismo rejeita o forte, o mais capaz, e abraça o mais fraco, o humilde, sendo, portanto, um empecilho à chegada do Übermensch. Este desprezo de Nietzsche pelos mais fracos se traduziu, em sua vida, na oposição ao socialismo, ao liberalismo e a tudo relativo à coletividade. Não por acaso sua doutrina serviu de base para Hitler e cia e até hoje influencia neonazistas. Só esqueceram de avisar a este pessoal o sentido da palavra anacronismo. Outro aspecto que seduz essa turma é a presença de diversas passagens antissemíticas em "O Anticristo", já que o judaísmo é a base do cristianismo.

Pode parecer estranho, mas "O Anticristo" não é uma cartilha de aviltamento a Jesus Cristo. Todas as críticas à doutrina cristã são direcionadas a quem desenvolveu a religião após a morte do messias, principalmente o apóstolo Paulo. "Já a palavra 'cristianismo' é um mal-entendido, no fundo só houve um cristão, e esse morreu na cruz." Já em "Assim falou Zaratustra", Nietzsche escreve: "Certamente aquele hebreu morreu muito cedo..., ele mesmo haveria desmentido sua doutrina se tivesse chegado à minha idade! Era suficientemente nobre para desmenti-la!"

Quem espera de "O Anticristo" um roteiro de ideias para satisfazer seu próprio ateísmo hoje em dia vai se decepcionar ou cair na mesma armadilha dos neonazistas, pois o livro faz muito mais sentido no contexto da filosofia de Nietzsche do que para nosso pensamento atual sobre a religião. Mesmo sendo pequeno, de fácil compreensão e contando com a ferina escrita de Nietzsche, só interessa a quem busca melhor compreensão sobre este interessante representante da filosofia do século XIX que até hoje influencia muita gente, não sendo uma leitura divertida ou de passatempo, com algumas partes monótonas. "O Anticristo" é de fácil acesso, existindo diversas edições para todos os gostos (a que li foi a edição espanhola da figura acima).

Editora: várias
Páginas: cerca de 120
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

Livro Digital


sexta-feira, 3 de julho de 2009

China: o renascimento do império - Cláudia Trevisan


Com o crescimento de importância da China no cenário internacional e os jogos olímpicos de 2008, era natural que aparecessem muitos programas de tv e livros a respeito do país nos últimos anos. Nesta onda foi publicado o livro "China: o renascimento do império", da jornalista Cláudia Trevisan, que viveu um ano como correspondente em Pequim, tempo suficiente para conhecer algumas das peculiaridades e esquisitices da vida chinesa.

O livro de Cláudia Trevisan é um amontoado caótico de informações interessantes sobre o gigante asiático, conseguindo alternar temas como superstições, olimpíada, aids, escrita chinesa e todas aquelas maluquices que você cansou de ver na televisão no ano passado, com a vantagem de estar tudo compilado em 236 páginas e sem aquela linguagem histérica estilo Globo Esporte que nós, inimigos da televisão, tanto odiamos. Uma introdução à China através das impressões de uma compatriota que, como qualquer um de nós que viajasse para lá, observou, vivenciou e não entendeu metade da realidade do outro lado do mundo, e nos contou tudo isso a seu modo ocidental, numa linguagem bastante acessível a todo tipo de público e de fácil digestão mental. Uma boa leitura para alguém como eu, que nunca havia estudado nada sobre o milenar país. Aprovado.

Editora: Planeta
Páginas: 236
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Persépolis - Marjane Satrapi


Conheci Marjane no ano passado, através do filme Persépolis e... me apaixonei! Marjane é uma garotinha que nasceu no Irã, presenciou a revolução islâmica, sofreu um bocado com a guerra contra o Iraque, viveu como uma estranha numa terra estranha na Europa e criou a Graphic Novel Persépolis, obra super-elogiada e vencedora do prêmio de melhor história em quadrinhos da feira de Frankfurt em 2004 que conta sua história e que foi transformada em longa-metragem em 2007.

Persépolis foi originalmente lançada em quatro volumes, entre 2000 e 2003, e agora está no mercado brasileiro na forma de compilação com os quatro volumes encadernados. A obra de Marjane Satrapi é feita de desenhos simples e em preto-e-branco, mas que passam bastante sentimento e complementam o texto autobiográfico, que alterna situações cômicas e trágicas. Até o lançamento do filme eu nunca tinha ouvido falar desta HQ, mas acompanhando os poucos filmes baseados em quadrinhos que satisfazem os fãs, Persépolis é um filme muito bacana, que por si só agrada. Recentemente, com uma promoção que deixou o preço do álbum acessível (no momento está custando R$ 28 do site da Saraiva, o preço cheio é R$ 41), pude comprovar que o filme foi bem fiel ao original, com o mesmo traço da desenhista, mas ainda assim faltam algumas passagens só publicadas no papel.

Persépolis é uma autobiografia bem ao estilo American Splendor (outra HQ que foi muito bem transformada em filme), escrachada, engraçada, debochada, mas que ao mesmo tempo mostra situações dramáticas acerca da violência presente no Irã entre as décadas de 1970-90 e da própria vida da autora, que se identifica como “iraniana na Europa e européia no Irã”. O uso do véu, a proibição de qualquer tipo de diversão presente no ocidente (incluindo festas e música), a xenofobia, as situações inusitadas, tudo isso está presente em Persépolis. Recomendo a qualquer pessoa que curta biografias e História, independente de ser fã de quadrinhos ou não.

Editora: Companhia das Letras
Páginas: 352
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Memórias de um Anarquista Japonês - Osugi Sakae




Pra falar a verdade, eu nunca tinha ouvido falar de Osugi Sakae, mas fui seduzido pelo título inusitado, característico dos livros alternativos da editora Conrad, e pelo preço baixíssimo num evento de anime em São Paulo. "Memórias de um anarquista japonês" é justamente o que o título anuncia, mas não só, pois como todas as autobiografias decentes, ultrapassa as fronteiras do narcisismo para nos apresentar uma visão de mundo, neste caso o Japão extremamente repressivo e militarizado nas décadas que precederam a invasão da China, Coréia e sudeste asiático e o ataque a Pearl Harbor.


Conhecido como "anarquista erótico", Sakae conta sua trajetória desde as primeiras lembranças até se tornar um completo anarquista na prisão. Como se pode presumir, um rebelde não se faz num ambiente agradável e livre de conflitos, então somos apresentados a um garoto que, quando fazia besteiras, buscava a vassoura para a mãe bater nele, mas alguns anos depois é expulso da escola militar após uma briga que terminou num ferimento grave causado por uma facada. Sua escrita passeia pelo deboche e humor e é razoável, mas o que vale mesmo é a descrição do Japão do início do século XX por alguém que vivenciou tudo aquilo. O cristianismo, por exemplo, que é o retrato da caretice para nós, era para os japoneses uma forma de resistência à sociedade tradicional opressiva - era radical ser católico no Japão! As memórias presentes neste livro vão até sua saída da prisão, período no qual o anarquista (que apresentava gagueira) ficou praticamente mudo e só comia arroz branco.

Osugi Sakae viveu intensamente a rebeldia, foi preso por isso, teve relações amorosas conturbadas e acabou sendo assassinado por militares em circunstâncias que chocaram a própria sociedade repressiva da época - durante um encontro de anarquistas na Europa, é preso, deportado e, chegando ao Japão, é espancado até a morte juntamente com sua mulher e um sobrinho de apenas seis anos, em 1923. Daí em diante, a violência do Estado japonês prosseguiu até que as bombas atômicas fossem lançadas em Hiroshima e Nagasaki.

Editora: Conrad
Páginas: 181
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

terça-feira, 23 de junho de 2009

O Livro Negro do Colonialismo - Marc Ferro (org)




Quando me formei na faculdade de História, há três anos atrás, mamãe cismou que queria me dar um presente de formatura. Eu não faço questão desse tipo de coisa, mas como já havia dado a ela o desprazer de não participar de festas de formatura, nem ao menos uma cerimônia de colação de grau, resolvi aceitar a oferta. Como eu podia escolher o que quisesse (até certo limite de valor, e contanto que tivesse a ver com o fato de eu estar me formando - meu pedido inicial de bonecos Marvel Legends foi negado), pedi a ela o livro mais caro, quer dizer, o livro que eu teria mais dificuldades em adquirir com meus recursos de rapaz recém-formado, um livro grande, imponente, organizado por um historiador de renome internacional, com uma capa chocante: o Livro Negro do Colonialismo. Anos depois de ganhá-lo, finalmente obtive o tempo e a estabilidade mental necessários para a leitura desta obra coletiva de 957 páginas.

Hoje em dia existem vários livros negros: do capitalismo, do cristianismo, dos Estados Unidos (que também já li), mas me parece que o primeiro foi o Livro Negro do Comunismo (que também tenho e hei de ler). Só para se ter uma idéia, este livro foi editado no Brasil pela Biblioteca do Exército, e tem um prefácio de um general das antigas dizendo: “Estão vendo, nós estávamos certos em perseguir e torturar os comunistas”. Não que o comunismo tenha sido um sistema impecável, muito pelo contrário, senão o seu livro negro nunca teria existido, mas historiadores de renome que escolhem escrever um livro negro do comunismo antes de um livro negro de diversas outras coisas muito piores como, por exemplo, o colonialismo, merecem uma resposta intelectual a altura. O Livro Negro do Colonialismo foi justamente produzido com essa intenção.

O Livro Negro do Colonialismo, como se pode imaginar ao olharmos para a miséria de mundo que vivemos hoje em dia, apresenta muitos capítulos, escritos pelos mais variados especialistas. Sua divisão se dá por espaço e cronologia – seguindo, aliás, as etapas da dominação. A primeira parte apresenta o suplício dos povos que inicialmente sofreram nas mãos dos europeus, e que, em minha opinião, foram os que mais sofreram na história da humanidade: o massacre dos povos indígenas – e nesse contexto, por assim dizer, um capítulo se dedica aos nativos da Austrália.

Porque eu acho que ninguém sofreu mais na história do que estes povos? Simplesmente porque eles foram dizimados de forma muito mais dramática do que qualquer outro povo. Peguemos como exemplo os judeus, que foram sistematicamente eliminados durante a II Guerra Mundial. Foi uma aberração da humanidade, ainda mais se pensarmos que chegamos até o século XX para testemunharmos isso, mas ainda assim foram “só” 6 milhões que morreram. Ao massacre dos armênios nas mãos dos turcos no início do século XX podemos pensar da mesma forma: milhões foram dizimados, mas a cultura persistiu, ambos os povos estão aí.

E quanto aos índios de todas as partes da América e da Austrália? Você conhece algum povo que mantém sua cultura preservada (não digo nem intacta, mas pelo menos íntegra), no México, no Peru ou no Brasil, depois de toda “assimilação”? Nos Estados Unidos, muitos dos povos tradicionais hoje são proprietários de grandes redes de cassinos... Os especialistas não chegam, e acho que nunca chegarão, a um consenso sobre a quantidade de gente que morreu durante a colonização da América, mas só para se ter uma idéia, alguns povos foram dizimados antes mesmo de entrar em contato com os europeus, vítimas de doenças espalhadas através de animais. Aos que sobreviveram, sobrou a desarticulação de seus antigos modos de vida, exploração, alcoolismo, degeneração moral, humilhação e finalmente assimilação. Renato Russo estava certíssimo, “todos os índios foram mortos”.

Mas essa é só minha opinião pessoal sobre o assunto, ainda estamos na página 116 deste grande livro negro, ainda tem muito sofrimento pela frente. Os próximos a cair em desgraça fazem parte de alguns povos africanos com menos sorte que outros. Em 1537, a Igreja decidiu que os indígenas eram seres humanos, e não podiam ser escravizados. Para que suas fazendas e minas na América não parassem por falta de mão-de-obra, os europeus começaram a comprar pessoas que haviam sido capturadas por povos vizinhos em guerras na África - elas ficaram de fora do pronunciamento do papa... Começa a sangria do continente, que depois de séculos resultaria justamente em seu enfraquecimento e abriria o caminho para mais uma dominação. O número de pessoas trazidas para a América também gera e sempre gerará discordância entre os especialistas, mas quem realmente se importa com este tipo de coisa não vê diferença entre dez mil ou dez milhões de pessoas exportadas como bichos.

Como o tráfico de escravos é apenas uma conseqüência do colonialismo, o livro negro não reserva mais do que 44 páginas para ele. Muito sangue, suor e lágrimas ainda vão rolar, que sobre bastante espaço para quem foi violado em seu próprio espaço – e os africanos vão voltar a dar as caras antes de se chegar perto do fim. A sanguinolência continua ainda na América, agora no momento em que a maioria dos nativos já estavam exterminados, e os que sobraram estavam em vias de serem absorvidos pelo novo sistema. Esta parte do livro conta com dois grandes capítulos explicativos sobre temas pouco explorados nos livros de história, acerca da questão da colonização da América, e mais dois pequenos capítulos sobre a Guiana Francesa e o Haiti – aliás, este é um dos méritos deste livro: abre espaço para temas diferentes, que não se encontram em qualquer lugar.

Os próximos a sentirem a fúria da ganância são os asiáticos. Indonésios, vietnamitas, chechenos, todo mundo ainda vai sofrer, mas nenhuma colonização na Ásia foi mais emblemática do que a atividade inglesa na Índia, principal colônia do império britânico durante séculos. Dois grandes capítulos explicam desde o início dessa dominação, como um empreendimento particular, até a luta de Gandhi e a retirada dos súditos da rainha. Na linha dos temas alternativos, há também um capítulo dedicado às travessuras dos russos no Cáucaso, que sustentam até hoje uma ferida difícil de cicatrizar na Chechênia, e uma análise da colonização japonesa, a única promovida por um país oriental, mas igualmente cruel.

A última parte do globo a sentir a presença dolorosa dos europeus foi a África, conquistada depois de sangrar bastante com o tráfico de escravos, e a área que mais sente até hoje os efeitos da colonização. Depois de um capítulo meia-bomba sobre a colonização árabe em Zanzibar, aparece uma das melhores partes do livro negro, um pequeno artigo sobre o apartheid na África do Sul, explicando suas origens e seu desenvolvimento – muito bem escrito e útil, já que eu nunca havia lido algo que tratasse especificamente este assunto tão importante. Confesso que, depois da parte dos massacres dos indígenas, esta foi a que mais me chocou. Logo em seguida, três capítulos abordam a colonização da Argélia, a principal colônia francesa – essa predileção se explica pelo fato do livro ter sido escrito majoritariamente por franceses. Os dois primeiros foram escritos pelo próprio Marc Ferro, organizador da obra, mas sua escrita é enjoativa e me decepcionou; já o terceiro abrange as independências de diversos países da África francesa, e é muito esclarecedor.

A penúltima parte do livro foi batizada de “O destino das mulheres”, e me pareceu meio apelativo para agradar um certo público. Chata e dispensável, é prosseguida por “representações e discursos” que aborda questões como o anticolonialismo, o racismo proveniente de ideologias dos povos que dominaram e aspectos culturais da colonização na produção de músicas e filmes. Há ainda um epílogo chamado “quem pede reparações, e por quais crimes?”, só para não terminar o livro assim, sem conclusão, apesar de todos os capítulos serem independentes.

O que achei do livro? Sensacional, de altíssimo nível, e muito útil, não só para minha vida profissional, mas para minha formação como cidadão. Esse é o tipo de coisa que todas as pessoas deveriam conhecer, para não ficar falando por aí besteiras calcadas em preconceitos.

Editora: Ediouro
Páginas: 957
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

O Portal de Rashomon - Ingrid Parker




Este livro é uma mistura de policial com ficção histórica. Faz parte de uma série de livros com o personagem Akitada Sugawara, um funcionário público do Japão do século XI que costuma desvendar casos. Nesta aventura, Sugawara é requisitado pelo seu antigo professor para solucionar um caso de chantagem na universidade em que estudou, e para isso preenche uma vaga de professor assistente. Durante a investigação, ocorrem alguns assassinatos, e várias tramas paralelas são desenvolvidas.

A história corre num bom ritmo, e os personagens secundários são bem produzidos, com características particulares bem definidas e boas inclusões no roteiro. Apesar de algumas soluções de crimes serem altamente improváveis (característica básica de livros policiais), gostei bastante deste livro, e espero o lançamento no Brasil de outros livros da série.

Ingrid Parker é professora universitária aposentada da Universidade de Virginia (EUA) e pesquisadora do Japão do século XI, e criou a série de Akitada Sugawara no final da década de 1990. Apesar de ganhar alguns prêmios literários e ter livros traduzidos para diversos idiomas, é pouco conhecida aqui no Brasil – nem mesmo os editores brasileiros a conhecem, visto que, na orelha da edição brasileira, é apresentada como um homem! Eu mesmo nunca tinha ouvido falar dela, e só descobri porque peguei o livro emprestado de um amigo que ganhou de natal e não gostou. Mas para mim foi uma boa descoberta, e espero que seus livros se popularizem no Brasil e ganhemos traduções de outros livros seus – as versões importadas têm praticamente o mesmo preço da nacional.

Editora: Best Seller
Páginas: 383
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

O Livro Perigoso para Garotos - Conn Iggulden e Hal Iggulden



Todo garoto precisa de coisas legais para fazer e conhecer, ou seja, uma cultura própria da idade, mais ou menos difundida igualmente entre todos os povos. Quando eu era um deles, tinha que recorrer a diversos meios para descobrir coisas legais como dinossauros, histórias reais de aventuras e bichos ameaçadores (até hoje eu guardo um livro do instituto Butantan com a catalogação de cobras, aranhas e escorpiões, todo rabiscado). Também tinha que me virar para aprender a fazer tinta invisível ou jogar xadrez, e algumas coisas eu sempre desejei, mas nunca fiz porque simplesmente não encontrei onde ensinasse – construir uma casa na árvore ou um carrinho de rolimã, por exemplo.

A partir de agora, nenhum garoto passará por este tipo de problema. “O Livro Perigoso para Garotos” é a enciclopédia que sempre faltou nas vidas de moleques de todas as gerações. Escrito pelos irmãos Conn e Hal Iggulden (sendo o primeiro o autor das séries de ficção histórica sobre Júlio César e Gengis Khan), este compêndio reúne tudo que um garoto precisa conhecer ou saber fazer para ter uma juventude feliz e crescer sem complexos ou traumas: pescaria, quadrinhos, códigos secretos, primeiros socorros, histórias de piratas e exploradores, bolinhas de gude, planetas, truques com moedas, comandos para cachorros e mais um monte de tópicos fundamentais para aproveitar ao máximo a melhor fase da vida. Apesar de ser classificado como infanto-juvenil, é irresistível para qualquer garoto, desde o que está aprendendo a ler até o que já está usando frauda geriátrica.

Pra mim foi uma grande recordação de tantas coisas que eu fiz na infância, e mais algumas descobertas de coisas que ficaram pelo caminho. No verso do livro está escrito: “Traga de volta as tardes de domingo e os dias longos de verão”. Como eu escrevi anteriormente, na minha época de garoto não existia uma enciclopédia para garotos tão legal como essa, e acho que ela veio na hora certa, como uma reação ao momento atual em que garotos se interessam mais em ir para lan-houses atualizar seus orkuts do que passar as tardes soltando pipa, andando de bicicleta ou brincando com comandos em ação com os amigos – coisas que eu fiz e não trocaria por nada.

Após o sucesso deste livro (é best-seller lá fora), foi lançado o contraponto feminino, chamado “O Livro para Garotas Audaciosas”, que dei de presente para minha irmã de 11 anos. Depois vou dar uma olhada, esse também parece ser interessante, tem coisas como golpes de karate e movimentos de surf. E ela, que tem metade da alma de um garoto, também vai ler o meu. Independente do sexo e da idade, “O Livro Perigoso para Garotos” é leitura obrigatória para descobrir e entender melhor uma coisa importantíssima da vida, que se chama diversão. Como é grande para os padrões de crianças e adolescentes, dá pra ficar lendo por bastante tempo durante o período de aulas e de frio, e testar todas as técnicas durante o verão.

Editora: Galera Record
Páginas: 319
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Uma temporada no inferno com os Rolling Stones - Robert Greenfield



No início da década de 1970, os Rolling Stones já haviam feito sua fama mundialmente como – além de excelentes músicos – jovens sujos, maus e drogados. A polícia os perseguia regularmente para apreender alguma droga e aparecer na capa dos jornais, e o fatídico show em que um Hell´s Angel que fazia a segurança assassinou um jovem de 17 anos já havia chocado o mundo. Nada disso fazia os Stones temerem qualquer tipo de repressão, fosse da mídia ou da polícia, até eles descobrirem que o leão do imposto de renda do Reino Unido morderia uma fatia absurda de seus rendimentos – mais de 90%!

Contra essa ameaça que nada se pode fazer – nem Al Capone se safou – os Stones decidiram se mandar para a França e lá gravar o próximo disco de estúdio de sua carreira – Exile on Main St. Tinha tudo para ser um paraíso na Terra: se mudar para um balneário mundialmente famoso, como é ainda hoje o sul da França, chamar todos os amigos e tocar rock´n´roll até dizer chega, quem não quer uma vida dessas? Pensando dessa maneira simplista, parece ser o melhor dos mundos, mas analisando mais precisamente o que se passou naquele verão – as drogas, os desentendimentos, os acidentes, o sexo e os problemas com os traficantes e a polícia francesa – fica-se boquiaberto em como foi feito um dos discos mais míticos da história do rock – e como é que todas as pessoas envolvidas neste evento conseguiram sobreviver.

Em “Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones – Exile on Main St.”, Robert Greenfield destaca esta passagem da gloriosa e turbulenta carreira do Stones. Narrado de forma descontraída (às vezes chegando ao ponto da grosseria), os personagens são apresentados como se fosse uma peça de teatro, um filme ou um romance, já que, além dos fatos mostrarem-se dignos de um roteiro fantástico, o tempo (além das drogas) fez com que ninguém se lembre ao certo o que é verdade e o que é lenda – há versões contraditórias em diversos depoimentos das pessoas envolvidas. Keith Richards é o herói (ou anti-herói), Anita Pallenberg a atriz principal, Mick Jagger quase um vilão, e Brian Jones o fantasma. Os coadjuvantes são todos os outros que estiveram presentes em Villa Nellcote, a casa de Keith Richard na França, e o momento era o início da década de 1970, quando os principais expoentes do rock´n´roll morriam de overdose e o sonho se esfacelava. Em meio a todos os problemas enfrentados, desde as drogas até o sumiço de Mick Jagger, que havia acabado de se casar, surge nos porões úmidos de Villa Nellcote a lenda de Exile on Main St., que permitiria aos Stones, ferrados financeiramente, iniciar uma nova turnê pelos Estados Unidos e se reestruturar.

O livro de Greenfiled tem o mérito de apresentar esta fabulosa história de forma clara e divertida, além do que aconteceu depois com todos os envolvidos e com o disco, mas na minha opinião sua obra peca em dois pontos: 1- apesar de descontraída e fácil de ler, sua escrita às vezes é bastante estúpida, criticando sem cerimônia algumas pessoas envolvidas na história e alguns autores que escreveram sobre os Stones antes dele – e que supostamente erraram em algum detalhe da historia, e 2- o livro não foca quase nada na parte técnica, no processo de criação e na produção das músicas, não interpretando o sentido de letras de músicas ou o contexto das gravações, o que aprecio em livros sobre bandas de rock e senti falta. Mas estes são detalhes que não tiram por completo o valor do livro e a diversão em lê-lo, e recomendo a todos os fãs de rock sua leitura.

Editora: Jorge Zahar
Páginas: 241
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

Pitágoras e os pitagóricos - Jean-François Mattéi



Tentei aproveitar este final de ano para atualizar minhas leituras filosóficas, que já há muito estavam atrasadas. Peguei um livrinho na estante que nunca havia sido completamente lido, “Pitágoras e os pitagóricos”, de Jean-François Mattéi, na intenção de recomeçar a estudar esta maravilhosa área de conhecimento que me fez até iniciar um curso superior na UERJ, mas que tive que parar por conta do outro curso, História.

Para alguém enferrujado na filosofia, um livrinho pequeno e com este título parece o ideal, mas não foi bem isso que consegui com esta leitura. O livro é iniciado com capítulos que abordam a história da escola pitagórica, seus principais expoentes, uma visão geral. Até aí tudo bem, mas a partir do capítulo 4 começam a ser expostos os conceitos teóricos do pitagorismo, a começar pelo que o tornou mais famoso, a matemática. O problema é que as explicações não são nada simplistas, e a compreensão completa do tema requer uma certa intimidade com a filosofia em geral, algo que perdi através dos anos de afastamento. Por isso o livro ficou complicado para mim, e fazendo a média do que deu para entender e o que ficou nas páginas sem se relacionar comigo, considero “Pitágoras e os pitagóricos” regular.

Editora: Paulus
Páginas: 163
Disponibilidade: livraria ou página da editora www.paulus.com.br
Avaliação: * * *