sábado, 31 de agosto de 2013

Toda Poesia - Paulo Leminski

Um livro que reúne toda a poesia de Paulo Leminski, como o nome já diz, é garantia de que o leitor vai se deparar com alguns dos melhores versos já compostos no mundo das letras brasileiras. Como em toda a obra de qualquer escritor, a poesia de Leminski pode não ser uma obra-prima como um todo - há poemas medianos -, mas como aqui está toda sua obra poética, estão presentes também as criações mais fantásticas desse gênio do bom humor poetizado. Paulo Leminski abusava de irreverência em seu trabalho, sendo por si só já uma figura bem singular: nasceu em Curitiba, filho de um polonês com uma brasileira negra. Usava longos bigodes, era faixa preta em judô e conhecia bem a cultura e o idioma do Japão. Some-se a todas essas peculiaridades o fato de Leminski ser um representante da poesia de um país que já foi representado por Drummond e Mário de Andrade, e temos como resultado algo como:


Merda e Ouro

Merda é veneno.
No entanto, não há nada
que seja mais bonito 
que uma bela cagada.
Cagam ricos, cagam padres
cagam reis e cagam fadas.
Não há merda que se compare 
à bosta da pessoa amada.
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arte do chá

ainda ontem
convidei um amigo
pra ficar em silêncio
comigo

ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo

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Se incluirmos a mistureba cultural da bagagem de Leminski, temos os haikai, modo japonês de se produzir poemas que utiliza as palavras minimamente de forma singela e direta, como:

a palmeira estremece
palmas para ela
que ela merece

ou

casa com cachorro brabo
meu anjo da guarda 
abana o rabo

ou dessa forma, impossível de ser mais abrasileirado:

Manchete

CHUTES DO POETA
NÃO LEVAM PERIGO À META


Disposta em ordem cronológica, Toda Poesia de Leminski nos apresenta um poeta que começa com um trabalho regular, o até então pouco divulgado Quarenta Clicks em Curitiba, que na época de seu lançamento (1976) era uma edição com fotos de Jack Pires. Na presente edição, as fotos foram omitidas, já que todos os poemas foram criados anteriormente, de forma independente. Em seguida, tomando praticamente a metade do livro, estão os melhores poemas de Leminski, sua produção de meados da década de 1980, que inclui os soberbos Caprichos & Relaxos e Distraídos Venceremos, deliciosos desde a escolha do nome. O restante do livro é composto pelo lançamentos póstumos e poemas esparsos, que se não são o melhor da obra de Leminski, ainda apresentam pérolas memoráveis do poeta, como: 

erra uma vez

nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez

Além de estar presente toda a obra poética de um dos maiores nomes da poesia nacional, a edição de Toda Poesia é bastante satisfatória, tendo em vista os objetivos da editora em cortar o máximo de custos para reduzir o preço. A maior parte das fotos e ilustrações que constavam nos livros originais foi cortada, sendo incluídas somente as que se tornavam imprescindíveis aos poemas, mas há diversos textos que haviam sido incluídos em introduções ou comentários nas edições originais, entre estes os de Haroldo de Campos, Caetano Veloso e Alice Ruiz, companheira de vida do poeta e organizadora desta bela compilação.

Toda Poesia de Paulo Leminski foi lançado esse ano, e de forma surpreendente já vendeu muito mais do que o esperado - já está à venda até em bancas de jornais. Ouvi comentários de que isso é um fato inesperado, e há vários motivos para o espanto: porque poesia não vende, porque Leminski já morreu há tanto tempo, porque não era um poeta do eixo Rio-São Paulo... Para mim, tudo não passa de uma lenga-lenga intelectual desnecessária, e só demonstra a incapacidade do mercado editorial brasileiro em se adaptar à realidade que passamos, com todas as mudanças tecnológicas que trazem consigo mudanças de comportamento.

Confesso que a poesia é um ramo de leitura novo para mim, se comparado ao meu contato mais forte com a prosa - coisa de alguns anos pra cá. Desde então, Leminski tem sido um dos principais companheiros nessa jornada, e há bastante tempo eu esperava uma edição dessa, mas enquanto ela não havia sido lançada, eu curtia muito os poemas nesse blog que é bem legal. Se você não conhece Leminski, entre e se farte com o que há de melhor na poesia brasileira. Se você conhece e ainda não tem Toda Poesia, o que você está esperando para ter essa beleza na sua cabeceira?

Editora: Companhia das Letras
Páginas: 421
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *

4 comentários:

  1. Fernando, vc escreveu uma bela resenha sobre poesia. Estaria eu errado ou nasce um novo leminskiano?

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  2. Valeu, Marcelo! Já curto Leminski há um tempinho, mas confesso que agora dou bem mais importância à poesia em geral do que no passado. Eu tinha um certo preconceito, quer dizer, um conceito adquirido através da leitura de coisas chatas e entediantes que nos apresentam na escola. Agora que estou conhecendo o que há de melhor na poesia, meu conceito está mudando.

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  3. E acreditar que quando estudei sobre ele na faculdade tampouco gostei... Mas aprendi a gostar sob uma nova ótica. Estou lendo também coisas da mulher dele, Alice Ruiz e estou gostando muito...

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  4. Tem coisas que a gente deixa passar por conta da nossa inexperiência mesmo. Eu também tinha maior preconceito com poesia, preconceito mesmo, porque não conhecia nada e falava que não gostava. É bom estar vivo pra poder corrigir esses erros e aproveitar coisas boas como esses poemas.

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