Há cerca de um ano escrevi uma resenha sobre o livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, na qual tive que citar as outras duas grandes histórias de distopias: 1984, de George Orwell, e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, que acabo de ler. Todas elas foram escritas em meados do século XX (décadas de 30, 40 e 50), época que, devido à grande quantidade de mudanças espantosas e catástrofes inimagináveis, impelia pessoas perspicazes e de imaginação poderosa a interpretar seu presente na forma de distopias, ficções passadas em futuros sombrios.
Cada uma dessas obras se tornou famosa por, além da qualidade de escrita dos autores, tratar de temas inquietantes em suas épocas. Admirável Mundo Novo, o primeiro a ser escrito, numa época em que os problemas políticos ainda não eram tão agudos (ou pelo menos ainda não haviam atingido seu apogeu com a brutalidade dos Estados totalitários durante a II Guerra Mundial e a Guerra Fria), é um alerta de Huxley aos riscos de um desenvolvimento tecnológico acelerado desprovido de reflexão ética. O segundo a ser escrito, 1984, aborda um desdobramento bastante pessimista do comunismo (regime inicialmente defendido por Orwell, que como muitos outros se desencantou após as revelações das barbáries cometidas no governo de Stalin); já Fahrenheit 451, escrito praticamente na mesma época (cerca de 5 anos depois), tem o mesmo sentido de 1984, imaginando, porém, o que poderia ocorrer numa sociedade supostamente democrática como desdobramento da Guerra Fria.
Fahrenheit 451 se passa num futuro indeterminado, nos Estados Unidos, quando o governo adotou medidas extremas para manter o controle social: controlar o pensamento e as opiniões do povo de forma radical, através da queima de qualquer tipo de livro, e direcionar a educação de acordo com seus interesses, evitando assim contradições de pensamento. Dessa forma, além das pessoas estarem de acordo com a ideologia do governo, jamais teriam motivos para entrarem em conflito entre si por diferenças de pensamento. O título do livro faz alusão à temperatura que o papel entra em combustão.
Para que a proibição dos livros tenha efeito, o governo cria um órgão especializado em vigiar, julgar e punir as pessoas que insistem em manter livros escondidos, como uma polícia secreta: os bombeiros, que perderam a função de combater incêndios (já que a tecnologia impede que as casas peguem fogo de forma natural) e passaram a promovê-los, utilizando uma espécie de fogo artificial que consegue, além de queimar os livros, destruir as casas dos culpados. A população, aterrorizada e ao mesmo tempo impossibilitada de refletir sobre a questão, abriga-se em prazeres superficiais promovidos pela tecnologia (algo semelhante à realidade virtual, imaginada na década de 50 por Bradbury como paredes que serviam como familiares às pessoas, uma alusão crítica à televisão).
Como sou sempre a favor do prazer que a surpresa traz à leitura, me abstenho de escrever mais qualquer comentário sobre o enredo do livro e seus personagens, pois o que citei acima já é suficiente para compreender o que é tratado em suas páginas - antes de ler, eu sabia muito menos detalhes, e mesmo assim já era capaz de instigar minha curiosidade por esse clássico da ficção científica. O que posso dizer é que Fahrenheit 451 foi uma leitura bastante especial para mim, porque além de ter uma escrita bonita e agradável, e reflexões profundas sobre, por exemplo, a memória, o conhecimento, o amor e a morte, aborda um tema muito chocante para nós que amamos a leitura - e talvez até o livro como objeto em si. Numa inevitável comparação, gostei mais desse livro do que Admirável Mundo Novo; 1984 só vi o filme, o livro continua na fila, por isso não posso comparar ainda.
Editora: Globo
Páginas: 215
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *
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