Na segunda metade da década de 1970, David Bowie passava por um momento crucial em sua vida: sua carreira estava no auge, produzindo discos anualmente desde 1969, muitos deles com vendas astronômicas, e suas turnês levavam milhões de fãs aos seus shows. Por outro lado, sua vida pessoal passava por turbulências graves - vícios, anorexia, divórcio, paranoia e obsessão por ocultismo e símbolos nazistas - que quase lhe custaram a vida.
Era 1975 quando Bowie decidiu seriamente que deveria mudar radicalmente de vida, e largou Los Angeles para viver na Europa, até se estabelecer em Berlim, vivendo anonimamente e longe de excessos (para os padrões de um rock star, já que Berlim tinha também uma agitada vida noturna). O resultado foi uma período de alguns anos de intensa atividade artística e cinco discos antológicos - Low, "Heroes" e Lodger, a chamada "trilogia de Berlim", de Bowie e sua parceria com Brian Eno, e The Idiot e Lust for Life, de Iggy Pop, porém com uma intensa participação sua. Bowie in Berlin - A New Career in a New Town, de Thomas Jerome Seabrook, conta a história dessa que é para muitos (incluindo eu mesmo) a melhor fase de David Bowie.O livro começa com os antecedentes dos anos de Berlim, apresentando um David Bowie que, por um lado, era um dos artistas mais populares da época, e por outro estava no fundo do poço em sua vida pessoal, e com sérios riscos à sua saúde. Bowie vivia em Los Angeles, havia acabado de lançar uma sequência de discos excepcionais, em termos musicais ou sucessos de vendas - começando com Hunky Dory, de 1971, até Station to Station, de 1976. Seus trabalhos eram frequentemente temáticos, com a interpretação de personagens que às vezes chegavam a se misturar com sua própria personalidade, como o alienígena Ziggy Stardust. Seu último personagem dessa época chamava-se "Thin White Duke", um aristocrata demente com inclinações fascistas, que começou a interferir na saúde mental do cantor numa fase em que seus alimentos eram somente cocaína, pimenta e leite.
David Bowie tinha tudo para continuar nese caminho em sua vida profissional, lançando mais um disco com sucessos comerciais e turnês enormes (era tudo o que sua gravadora queria também), mas resolveu dar uma guinada. Sua vida pessoal conturbada pode ter influenciado bastante essa escolha, mas o lado artístico não pode deixar de ser considerado: Bowie é um músico notório pela sua capacidade de enxergar adiante de seu tempo, de ser pioneiro. O que ocorre então é que ele larga tudo nos Estados Unidose vai se refugiar anonimamente na Europa, onde entra em contato com bandas inovadoras como o Kraftwerk e inicia uma parceria com Brian Eno, ex-Roxy Music, que já fazia discos bem diferentes.
A segunda parte do livro de T.J. Seabrook é dividida em quatro capítulos, efetivamente o período em que Bowie viveu em Berlim e criou os melhores discos de sua carreira e de seu amigo Iggy Pop, que tinha saído de sua fantástica banda, The Stooges, e estava em total ostracismo. The Idiot, o primeiro disco dessa fase, teve sua parte musical quase que completamente criada por Bowie e companhia, tendo Iggy Pop criado mais a parte das letras, e serviu como um "piloto" para a sonoridade dos discos seguintes de Bowie. O capítulo seguinte aborda a criação de Low, e os posteriores de Lust For Life e "Heroes". Em cada capítulo, inicialmente é contada toda a história dos músicos à época dos discos, o processo de criação e produção, e ao final há a ficha de cada música, com comentários.
Bowie in Berlin é encerrado com capítulos sobre a produção de Lodger, o último disco dessa fase (que por não ser tão extraordinário quanto os quatro anteriores e ter sido pouco influenciado pela vida em Berlim é tratado à parte), a retomada da carreira de superstar de David Bowie, o fim da parceria dele com Brian Eno e o legado que essa fase de sua carreira deixou para o cenário musical da década de 1980.
Encontrar esse livro até então desconhecido para mim foi uma coincidência e tanto, já que há alguns meses estou obcecado por esses discos e não paro de escutá-los. Sua leitura foi bastante agradável e enriquecedora para melhor compreensão desses trabalhos fundamentais, que influenciaram uma porção de gente, de Joy Division a U2, moldando o clima dark pós-punk que teriam os anos 80. Bowie in Berlin é uma leitura essencial para todo fã de David Bowie, e para quem não conhece os tais discos da fase berlinense do cantor, recomendo fortemente que não perca a oportunidade de entrar em contato com essas obras-primas da música, principalmente The Idiot e Low.
Editora: Jawbone
Páginas: 270
Disponibilidade: importado
Avaliação: * * * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário