De onde menos se espera, surgem as melhores coisas, já dizia meu avô em sua sabedoria pantaneira. Delta de Vênus, um dos grandes clássicos da literatura erótica, começou como um trabalho pago por um misterioso homem rico com fetiche por histórias de sexo. "O colecionador", como era conhecido, pagava um dólar por página para escritores que vivam em Paris na década de 1940, exigindo apenas que os trabalhos fossem meras descrições de atos sexuais, sem abordar aspectos psicológicos ou análises de sentimentos. "Menos poesia", dizia o misterioso contratante. Os trabalhos eram para seu consumo pessoal, e mesmo que um dia fossem publicados, com essa premissa tinham tudo para serem esquecidos pela história da literatura, como serão em breve os 50 tons de besteirol que estão na moda atualmente. Só que as tais historietas eram escritas por gente como Henry Miller e Anaïs Nin.
Publicado postumamente em 1977, Delta de Vênus é a compilação dos trabalhos escritos por Anaïs nesse contexto. Precisando de dinheiro, ela fica sabendo do negócio através de Miller e topa trabalhar para o colecionador, mas seu orgulho de escritora a impede de ceder aos seus caprichos castradores. Anaïs então ignora a parte do "menos poesia" e cria grandes histórias eróticas que se tornariam modelos para o gênero posteriormente. São dezesseis contos, alguns relativamente concatenados, de variados tamanhos, que abordam todo tipo de temas e tabus como prostituição, infidelidade, incesto e as mais variadas taras, cutucando o moralismo e até o eticamente aceitável, como pedofilia e sexo com animais. A qualidade da escrita é exemplar, mas o interesse suscitado é variável: alguns contos são excelentes, prendendo a atenção do leitor até o fim; outros nem tanto, tornando-se às vezes um pouco repetitivos.
Em 1976, pouco antes de morrer, Anaïs Nin escreveu um pós-escrito onde analisa seus antigos textos olhando retrospectivamente, e chega à conclusão que sua escrita era muito influenciada ainda pelas obras eróticas que havia lido, até então exclusivamente masculinas, mas compreende que sua feminilidade não foi completamente suprimida. Dizia ela: "Em numerosas passagens usei intuitivamente uma linguagem de mulher, vendo a experiência sexual do ponto de vista da mulher. Finalmente decidi liberar a erótica para publicação, porque mostra os esforços iniciais de uma mulher em um mundo que fora de domínio dos homens." Sem dúvidas, Delta de Vênus é um exemplo de erotismo marcadamente feminino, e difere bastante, por exemplo, da visão colocada por Henry Miller em seus livros.
Delta de Vênus está disponível no Brasil em edição burocrática da série pocket da editora L&PM. Da mesma editora existe a edição brasileira da segunda coletânea de contos eróticos de Anaïs Nin, intitulada Pequenos Pássaros, de 1979. Antes de ler Delta de Vênus, me chegou às mãos um pequeno livro da mesma editora, de uma "coleção 64 páginas", denominado A Fugitiva, que nada mais é do que o conto que dá o nome da edição, presente em Pequenos Pássaros, mais dois contos já publicados em Delta de Vênus, ou seja um coletânea de duas outras coletâneas editada para que o conteúdo coubesse no formato da tal coleção, o que não me parece uma coisa muito correta a se fazer, mas analisando a postura de muitas editoras brasileiras, em nada me surpreende.
Editora: L&PM
Páginas: 301 e 64
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *
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