Houve um tempo que a juventude decidiu mudar o mundo, e não só como seu antecessores - as mudanças de hábitos dos "anos loucos" da década de 1920, dos beats e do rock'n'roll simplório da década de 1950. Em meados da década de 1960, a juventude queria mudanças pra valer: a guerra tinha que acabar imediatamente, os valores da classe média ocidental deviam ser demolidos, a liberdade individual deixaria de ser só uma alternativa. E essa garotada teve a dádiva de contar com o som perfeito ao seu redor para lutar por tudo que exigiam, o som do rock.
Em O Som da Revolução, Um História Cultural do Rock, 1965-1969, Rodrigo Merheb utiliza as dezenas de bandas maravilhosas que surgiram no período para analisar o ambiente de efervescência social que virou a cultura de cabeça para baixo no período, transformando-a na nova onda de contracultura, e certamente a mais famosa (a primeira foi a dos beats). Como o autor coloca na introdução, "Os anos 1960 forneceram matéria-prima para mais teses acadêmicas, livros, biografias e relatos do que provavelmente qualquer outro período do século XX, com exceção da Segunda Guerra Mundial". Apesar de eu não ter ideia com que base um cara pode dar uma afirmação dessas, valeu, dá pra entender que é para ilustrar o fascínio que essa época exerce sobre as pessoas ainda hoje - a capa da Rolling Stone do mês passado, advinha: Jim Morrison... Realmente, são muitas passagens marcantes e imagens que ficaram na mente das pessoas, como o Jimi Hendrix tacando fogo na guitarra.
E agarrado nesse interesse geral que também lhe é particular, Rodrigo Merheb resolveu escrever sobre essa passagem da longa jornada da humanidade, utilizando o rock como linha condutora. Ou será que é o contrário? É a impressão que o texto às vezes passa, que o autor, na verdade, queria mesmo era falar sobre o rock em si, e pegou a parte da história cultural para justificar ou abonar o trabalho - sem que isso tire seus méritos, claro. Não é difícil perceber a paixão do autor, que trabalha como oficial de chancelaria no austero Itamaraty, em cada frase dedicada às suas bandas prediletas. O resultado é uma enorme quantidade de páginas de trabalho em estilo jornalístico sobre os causos bizarros de Janis Joplin, Keith Moon e cia, intercalados por análises menos expressivas sobre a cultura daqueles anos.
O recorte temporal - segunda metade da década de 1960 - é limitado por dois eventos musicais: Newport, quando Bob Dylan surpreendeu a plateia folk com uma guitarra elétrica, e Altamont, no esfaqueamento de um jovem negro pelos fascistas dos Hell's Angels que decretou o fim da era paz e amor. E entre esses dois eventos chaves, 14 capítulos passam por esses cinco anos, abordando temas como bandas da Califórnia, da costa leste ou britânicas, a cultura das drogas alucinógenas, a reação da sociedade ao rock e, é claro, muitos detalhes sobre o festival dos festivais, Woodstock. Como epílogo, o autor disserta sobre o que aconteceu com o rock nos anos seguintes a Altamont, dando um gostinho de quero mais, de arrumar logo um livro que fale sobre a decadência anunciada por Ziggy Stardust e o fim do mundo profetizado pelo punk. Ao final ainda há uma discografia básica sobre todas as bandas tratadas no texto, bem como filmes e livros a respeito.
Durante a leitura do livro nos certificamos o porquê de tanto interesse das pessoas nessa época, e a gênese da má fama que o rock reserva para si até hoje. O Som da Revolução, apesar de pecar em não se concentrar muito no tema que se propõe a abordar (uma história cultural, até porque o autor não é um historiador e carece de método), é uma bela leitura para quem ama o rock, mas talvez não sirva muito bem para quem desconhece o básico do período, pois como já escrevi, o texto é basicamente sobre bandas.
Hoje, a juventude do nosso país e do resto do mundo voltou a buscar a mudança - dos protestos contra o aumento de passagem à resistência da praça Tahir -, mas infelizmente não há mais uma trilha sonora adequada para isso. O jazz, que embalou os rebeldes da Geração Perdida à Geração Beat, se tornou música de fundo para velhos decadentes em restaurantes caros no exterior pondo em prática seus conhecimentos adquiridos em cursinhos de enologia. O reggae, o ritmo que gritou para o mundo as injustiças que os países pobres passavam, nas letras de gente como Bob Marley e Burning Spear, deixou pra trás sua fase roots e hoje não passa de música pop de baixíssima qualidade, o lixo cultural chamado reggaeton (que felizmente é inexpressivo no Brasil). A rebeldia inerente do rock morreu em Altamont, ressuscitou anos depois em sua forma mais digna de combate, o punk, morreu novamente nos sombrios anos 80, teve sua terceira encarnação no início dos anos 90 com o grunge, mas logo se foi novamente. Desde então os rebeldes, reduzidos a fileiras dignas de guerra de guerrilha, diferente dos exércitos que lotaram os campos dos grandes festivais internacionais, as ruas das cidades brasileiras no início da oposição contra a ditadura militar ou os guetos sujos da Inglaterra tatcheriana, lutam num silêncio simbólico, sem um movimento musical que os represente dignamente. Entretanto, dada a capacidade do rock de voltar dos mortos quando menos se espera, quem sabe ele não nos surpreende em breve? As multidões que estão voltando a reivindicar seus direitos pelo mundo afora merecem.
Editora: Civilização Brasileira
Páginas: 531
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *
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