Em um futuro próximo, desenvolve-se nos Estados Unidos uma sociedade extremamente automatizada, na qual os cidadãos são divididos de acordo com seu QI: os mais inteligentes desempenham funções administrativas e de comando, enquanto o resto da população se divide em soldados ou trabalhadores braçais. Apesar de ainda haver diferenças sociais, nada de material falta para as pessoas, todos têm tudo o que precisam para viver bem. Contudo, a presença cada vez maior das máquinas no cotidiano tira dos seres humanos sua autonomia, enquanto o governo, que impede qualquer contestação contra esse modelo perfeito, lhe toma a liberdade.
O parágrafo acima parece um resumo de uma história de ficção científica de meados do século XX, aos moldes de Aldous Huxley, Ray Bradbury e George Orwell. E é. Primeiro livro de Kurt Vonnegut, Revolução no Futuro ainda não mostra a ótima escrita do autor, limitando-se a criar uma versão pessoal dos grandes livros de distopia da época: uma sociedade aparentemente sem contrastes ou falhas, que ao longo do livro vai se mostrando uma quimera, descoberta por um personagem que se rebela e é reprimido por causa disso.
Paul Proteus tem a vida que todo homem gostaria de levar. Ocupa uma posição de prestígio no sistema social que valoriza a inteligência acima de tudo: ocupa um dos cargos mais altos, tem à sua disposição todo tipo de conforto, vive um casamento perfeito. Aos poucos, começa a perceber que aquela harmonia social não passa de aparência, e que, diga o que disser a propaganda oficial, o povo realmente não está feliz. A partir daí já se pode ter uma ideia do que vem pela frente - ainda mais depois da tradução tosca do título original, "Player Piano". E os clichês não param por aí: a população vive em guetos, tem o cara que abre os olhos do protagonista para a realidade escondida e até o computador que controla os rumos dos assuntos da humanidade.
Debutando na literatura, Kurt Vonnegut não é ainda o grande escritor que se notabilizaria nos trabalhos seguintes. Já se nota aí o embrião de algumas de suas melhores características, como a ironia que seria hilária se não fosse tão sutil e a atenção com as características dos personagens, mas olhando retrospectivamente à luz de seus livros mais famosos, tudo parece um treino, ou uma gestação. Há diálogos realmente engraçados e passagens que prendem o leitor, mas, de modo geral, a história não empolga e parece longa demais nas 400 páginas do livro.
Por sua irrelevância, Revolução no Futuro não tem uma versão brasileira desde os anos 70, mas é facilmente encontrado em sebos. Não é o livro certo para começar a ler Vonnegut ou histórias de distopia - pode ter interesse apenas para quem já é viciado em um ou no outro, ou em ambos, unicamente para fins de aprofundamento. Mas nada de julgar Vonnegut por isso! Como eu disse, é um livro inicial, experimental para o desenvolvimento desse ícone da literatura contemporânea. Não é bom, mas também não chega a ser um livro ruim. Está longe de ser memorável, mas o cara que escreveu Matadouro 5 pode ter esse fato ordinário na sua biografia, ele pode.
Editora: Círculo do Livro
Páginas: 402
Disponibilidade: esgotado
Avaliação: * * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário