A Segunda Guerra Mundial é provavelmente o tema mais abordado pela história, e consequentemente há uma imensa disponibilidade de títulos sobre seus episódios e personagens nas livrarias. É compreensível: foi travada diretamente pelas principais potências do mundo, praticamente todos os países tiveram uma participação mais intensa do que na Primeira Guerra Mundial (inclusive o Brasil) e determinou os rumos do que se seguiu nas décadas seguintes. Soma-se a isso o fascínio exercido pelas personalidades envolvidas e o inevitável maniqueísmo produzido pelos meios de comunicação, a luta do bem contra o mal, o tempero certo para qualquer história emocionante. Quantas biografias de Hitler, Stalin, Churchill ou Roosevelt já não foram editadas? Quantos lançamentos sobre o Dia D, Hiroshima ou a tomada de Berlim que até hoje merecem locais de destaque nas livrarias? Ao que parece um mercado inesgotável, juntam-se livros de temas específicos sobre pessoas ou lugares que não têm espaço nos grandes manuais, entre estes Lisboa 1939-1945 - Guerra nas Sombras, de Neill Lochery.
É natural que a princípio Portugal, um país neutro durante a guerra, não tenha tanta relevância para justificar muito material a respeito, mas o que Lochery mostra é justamente que bastante coisa ocorreu em terras lusitanas no período marcado no título. Coisas importantes. E baseado nisso pode-se dividir esta investigação em três setores (apesar de não haver essa divisão no livro): a ação dos países beligerantes em solo português, a posição nada neutra de Portugal quanto à defesa de seus interesses políticos e econômico e a saga dos refugiados em sua desesperada fuga da Europa.
Teoricamente, em território neutro não se pode guerrear. Não oficialmente, ou não em modos tradicionais de guerra. Por isso a espionagem foi a arma óbvia utilizada pelos Aliados e o Eixo, e no meio de ambos, a polícia secreta portuguesa fazendo o que podia para defender a soberania nacional. Por outro lado, Salazar tentava desesperadamente manter Portugal oficialmente fora da guerra e, ademais, lucrar ao máximo com esse posicionamento. O ditador sabia que um leve deslize para qualquer lado significaria a ocupação do pequeno país ibérico por aliados ou alemães. E que movimentos sutis significariam a entrada de mais e mais capitais na economia nacional - mesmo que na forma de ouro alemão espoliado dos judeus...
No meio de inúmeras tramas entre espiões, banqueiros, políticos e oportunistas de todos os tipos, as vítimas do mais amplo conflito mundial encontravam em Lisboa uma ponta de esperança, uma última escala entre o inferno e a nova vida da América, mas até que finalmente conseguissem alcançar seu intento, passariam por diversas provações na capital portuguesa. E não só os mais humildes tiveram Lisboa como seu purgatório ou, mais ainda, seu local de sacrifício derradeiro: até artistas e importantes peças políticas padeceram lá em meio às maquinações da Segunda Guerra.
Por tantas informações surpreendentes, Lisboa 1939-1945 já seria um livro bem interessante para quem gosta de ler sobre história contemporânea, mas a qualidade da escrita do autor e sua pesquisa séria, cheia de fontes e fotos da época, tornam o trabalho lançado aqui no Brasil no ano passado ainda mais tentador.
Editora: Rocco
Páginas: 312
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *p.s: O livro cita diversas vezes o filme Casablanca. Adoro cinema mas confesso que tenho um pouco de pé atrás em relação a esses grandes "clássicos" do cinema norte-americano, mas nesse caso tenho que admitir: é um filmaço, não é um daqueles mitos criados a partir de porcarias hollywoodianas da época. Recomendo também como aditivo ao livro, ou vice-versa.
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