sábado, 19 de novembro de 2011

O Idiota - Fiódor Dostoiévski

Verificando rapidamente os títulos apresentados aqui neste blog, percebe-se que há pouco, quase nada, de literatura produzida antes do século XX. Nunca escondi de ninguém que não é esse tipo de leitura que me interessa, mas sim a cultura do mundo contemporâneo, o modo de pensar surgido no século do jazz e do rock, do cinema, da comunicação instantânea, da produção em massa, da liberdade individual. Quando comecei a ser um leitor razoável, a ter um padrão mínimo de leitura, obviamente passei por diversos clássicos da literatura, alguns dos quais amo até hoje (A Odisseia, ou Germinal, por exemplo), mas muitos que, talvez num contexto diferente, teriam me afastado do caminho das letras, se eu não tivesse conhecido paralelamente alguns dos meus heróis literários. Meu interesse na cultura contemporânea e minhas experiências tediosas com os Stendhals da vida foram decisivos para o meu afastamento da literatura clássica e meu vício na literatura contemporânea, mas de qualquer forma, sempre tive uma grande curiosidade de conhecer alguns desses autores tratados como pais fundadores ou grandes mestres, e venho através dos anos prometendo a mim mesmo que vou encarar um desses caras qualquer dia desses, apesar da longa "lista de espera" dos livros que eu quero muito ler.

Por uma certa ironia, foi a própria cultura contemporânea que me fez "furar a fila" e pegar um livro clássico para ler: O Idiota, de Fiódor Dostoiévski. Explico: o livro, lido por Iggy Pop e David Bowie, serviu de inspiração para o nome de um dos melhores discos de todos os tempos, The Idiot (1977), pelo qual estive obcecado nos últimos meses, obsessão que me fez correr atrás de tudo a respeito dessa obra-prima, desde as histórias por trás das letras até o livro de Dostoiévski.

O Idiota conta a história do príncipe Míchkin, um epilético (como o autor) que volta para a Rússia após passar anos fazendo um tratamento para sua doença na Suíça. A partir daí, desenvolve-se uma trama na medida certa para o personagem dostoievskiano (sendo o protagonista talvez até um paradigma para esse padrão): o homem bom, honesto, cheio de boas intenções, que sofre todos os tipos de males na sociedade perversa justamente por causa de suas qualidades. Por sua bondade e generosidade, Míchkin é constantemente trapaceado, usado e até humilhado pelos que se aproveitam de sua posição, os desonestos, vis, sádicos, covardes, quase todos que o rodeiam.

Desde o início da leitura, pude experimentar essa que é dita a principal qualidade de Dostoiévski, a construção de personagens, habilidade na qual o russo foi mestre. Com o passar das páginas, aparecem outros trechos de extrema perícia, como a descrição de um ataque epilético de Míchkin, algo recorrente na vida do autor. Entretanto, por mais que tenha qualidades incontestáveis, O Idiota ainda é um livro do século XIX, e carrega consigo aquele ranço de rebuscamento que toda obra dessa época traz, algumas mais, outras menos. O ritmo do livro começa muito bem, mas com o passar dos capítulos, a trama começa a se arrastar, algo muito comum em livros naqueles tempos de prazos apertados e quantidades certas de escrita por conta de encomendas de jornais ou, como era o caso de Dostoiévski, pressões financeiras e de contratos editoriais.   Não há habilidade ou criatividade de escritor algum que me faça superar uma narrativa arrastada.

Fora o estilo, confesso que tenho muita dificuldade para assimilar as ideias defendidas por Dostoiévski em seus livros: nacionalismo russo nos moldes oitocentistas, que pregava uma Santa Rússia, herdeira do Império Bizantino por conta da Igreja Ortodoxa (portanto, herdeira do Império Romano, berço do cristianismo; a palavra czar ou tsar vem de César). Caberia à Rússia salvar a Europa, e toda a sociedade ocidental, de sua decadência espiritual durante o avanço do industrialismo e do materialismo. Dostoiévski era um defensor ferrenho da ordem e da monarquia russa, e se opunha ferozmente às ideias mais progressistas de sua época, como o liberalismo, o socialismo e o niilismo. Eu não sou tolo o suficiente para tentar ler um livro desse tipo de autor com os olhos do terceiro milênio, não é esse o caso, mas realmente não tenho muito interesse em digerir tais ideias em livros de narrativa cansativa ao longo de 600 páginas.

Definitivamente, não estou nem um pouco interessado nesse tipo de literatura clássica e não tenho necessidade de recorrer a esses cânones ocidentais para nada. Respeito Dostoiévski pelas qualidades que descrevi acima, assim como outros autores que já li dessa época, como Victor Hugo, mas realmente prometo a mim mesmo que não leio mais esse tipo de livro nos próximos anos, pelo menos (provável exceção para Júlio Verne, o avô da ficção científica). Talvez no futuro, quando eu estiver em outra sintonia, quem sabe, mas por enquanto uma garrafa de Hemingway, um prato de Vonnegut com Frank Herbert, e Borges para a sobremesa.


Editora: 34
Páginas: 688
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * *

Nota: A imagem acima corresponde à edição mais recente, a única até agora traduzida diretamente do russo - até então, todas as traduções eram feitas a partir de traduções francesas. Essa nova edição é muito bem falada, apesar de bem cara, mas talvez se eu tivesse lido ela, a leitura teria sido um pouco menos penosa para mim.

2 comentários:

  1. Muito obrigado! Seja bem-vinda, aproveite as dicas e sempre que quiser discutir alguma leitura terei o maior prazer em responder.

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