Já citei Rubert Crumb por aqui na resenha sobre a Zap Comix, livro no qual ele é um entre outros excelentes artistas, mas pela sua importância no mundo dos quadrinhos, a editora Conrad publicou há alguns anos boa parte de sua obra em volumes de boa qualidade. A maior parte desta coleção se encontra na minha estante, e um dos livros mais importantes é "Fritz the Cat".
Fritz é um gato antropomorfizado através do qual Robert Crumb criticou a sociedade americana da década de 1960. Ele é um malandro desbocado que faz sexo com todo o tipo de garotas, usa drogas e se mete em situações insólitas muitas vezes alheias à sua vontade. Cada camada social é representada por animais diferentes - por exemplo, os corvos são uma metáfora interessante para os negros, e seus perseguidores, os gatos, são os brancos. Também numa crítica debochada ao macartismo e à fobia anticomunista ainda vivos naquela época, os chineses são retratados como ratos. Outros animais são utilizados somente para representar a diversidade, sobretudo das garotas com quem Fritz transa - jacarés, cadelas, éguas, etc.
O personagem foi inspirado no gato do autor quando criança, "Fred" (segundo suas palavras, "o típico gato miserável, vagabundo e sujo"), e na primeira história ("Vida de Gato"), que é bem diferente das outras, com os gatos em suas formas originais e na única ocasião onde aparecem seres humanos, Fritz é apenas um coadjuvante, sendo Fred a estrela. Estas primeiras páginas são desenhadas a lápis, ainda durante a juventude de Crumb, uma época em que ele desenhava para divertir seus irmãos e evitar ter contato com o resto do mundo. "Vida de Gato", ao invés de zoar com toda a sociedade da época, é uma história simples, inocente (se comparada com o restante) e uma das melhores do livro, mas acho que só pode ser compreendida corretamente por quem tem ou já teve um gato - o que é o meu caso.
O conteúdo começa a ficar mais pesado a partir da segunda história, na qual Fritz, agora bípede e vestido, visita a casa da mãe, revê a irmã que cresceu e acaba trepando com ela. O restante são sátiras a figuras da época - a maioria ainda muito atuais -, como vendedores pilantras, mágicos charlatões, agentes secretos, ídolos do rock, líderes revolucionários. No meio de todas as excelentes histórias, para mim uma se destacou: "Fritz cai fora", que traduz de forma sem igual o climão de fins da década de 1960, meio hippie, meio beatnik, totalmente livre. Aqui, Fritz se cansa de tudo, taca fogo nos seus livros da faculdade (e consequentemente no apartamento que dividia com os amigos), se mete em várias furadas e mete o pé na estrada.
A coletânea "Fritz the Cat" é fundamental na bibliografia básica de quadrinhos por causa da importância histórica do personagem e de sua qualidade, e ignorando erros mínimos, a edição da Conrad merece nota máxima, já que na época de seu lançamento (2004) era a antologia mais completa do gato em todo o mundo, incluindo até desenhos inacabados.
Robert Crumb foi o criador e maior representante dos quadrinhos underground, tendo virado tema do documentário "Crumb", de 1994. Ele está com 66 anos e atualmente se dedica a quadrinizar todo o antigo testamento - palavra por palavra! -, mas quem imagina o lado religioso do autor incorre ao erro: ele mesmo já disse que é exclusivamente pela bela grana que está recebendo para isso - 1 milhão de dólares adiantados só pelo "Gêneses", segundo rumores.
Fritz the Cat nasceu como uma brincadeira entre irmãos, se tornou o principal personagem underground da década de 1960, chegou até a virar uma animação bacana (que dá para encontrar em sites de download) e por causa de todo esse sucesso foi morto pelo seu criador. Sua última história é de 1972.
Editora: Conrad
Páginas: 136
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *
Livro muito maneiro! ;)
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