"Bantos, Malês e Identidade Negra" teve sua primeira edição na década de 1980, quando poucas obras sobre povos africanos e sua influência no Brasil eram publicadas por aqui, e quase nada se falava a respeito do tema nas escolas e nas grades curriculares básicas das universidades. De lá pra cá, a pressão de educadores e entidades da sociedade civil promoveu a popularização do assunto, até que em 2003 foi estabelecida uma lei que obriga o ensino da história africana e dos negros no Brasil nas escolas, e hoje, tanto livros que tratam da história como a literatura africana são de fácil acesso - ainda que a "moda" tenha encontrado seu apogeu há cerca de 5 anos, e hoje tenha perdido um pouco do apelo para áreas mais faladas ultimamente, como China e Índia. Neste contexto, o livro de Nei Lopes me parece um tanto pioneiro, pois desconheço trabalhos de acesso fácil ao público não-especializado anteriores a ele no Brasil.
Prova da acessibilidade deste livro é sua organização. Dividido em duas partes, cada qual apresentando uma visão geral sobre cada um dos dois principais tipos de povos africanos que desembarcaram no Brasil como escravos, a escrita de Nei Lopes não é rebuscada e os temas são expostos desde os conceitos mais fundamentais - talvez porque não seja historiador e, consequentemente, não tenha seus vícios.
A primeira parte, que trata dos malês - nome genérico dado aos escravos de religião islâmica - é iniciada com aspectos bastante básicos da religião muçulmana, de sua expansão pela África, dos motivos da conversão de vastas áreas e do aspecto mais impressionante desta religião que muitas vezes nos é apresentada como purista e radical: o sincretismo que ocorreu entre o Islã e as religiões africanas tradicionais. Certa vez, o embaixador Alberto da Costa e Silva descreveu o constrangimento de uma autoridade de um país africano islamizado durante uma demonstração popular onde o Islã era celebrado ao som de batuques...
A segunda parte do livro aborda os bantos, originalmente a denominação de um tipo linguístico africano, mas significando na realidade brasileira praticamente -->todos os grupos étnicos negro-africanos do centro, do sul e do leste do continente que apresentam características físicas comuns e um modo de vida determinado por atividades afins. -->A religião dos bantos, na qual a noção de força toma o lugar da noção de ser e os ancestrais são venerados por causa de sua herança espiritual para a evolução da comunidade, originou o que hoje é conhecido pejorativamente e de forma simplista como "macumba", algo mais arraigado na cultura popular do que negros islamizados. Bem como na parte sobre os malês, aqui o autor aborda as contribuições bantas para a cultura e a história do Brasil, destacando religião, língua e a resistência dos quilombos.
"Bantos, Malês e Identidade Negra" é fundamental para estudiosos iniciantes sobre o assunto, e uma leitura muito agradável para o público em geral que deseja conhecer a história do país em que vive, por muito tempo esquecida em favor do status quo da sociedade pseudo-branca brasileira. Existem edições antigas encontradas em sebos e bibliotecas e uma mais nova, lançada pela editora Autêntica no ano passado.
Nei Lopes é formado em Direito e Ciências Sociais pela UFRJ. Além de escrever livros sobre a África e sua influência no Brasil, é sambista, poeta e escreve um blog sobre tudo isso.
Editora: Autêntica
Páginas: 224
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * *
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