Quem é meu chegado ou já leu algumas coisas aqui no blog sabe que Ramones sempre foi minha banda do coração. Musicalmente posso até preferir outros artistas hoje em dia, afinal conheci esses caras quando tinha uns 12 anos, e obviamente a gente muda muito desde então, mas Ramones é a banda que eu mais me identifiquei durante todo esse tempo. As pessoas me identificam com os Ramones, até meus pais que não tem a menor noção de nada de música sabem disso. Minha avó de noventa e tantos anos com princípio de Alzheimer lê o nome da banda nas minhas camisas e acha super engraçado em como soa ao sair de seus lábios. Meus alunos já se acostumaram a assistir às aulas de História olhando para esse nome estampado também. As pessoas simplesmente ouvem o nome Ramones e se lembram de mim, tanto que no meu último aniversário ganhei do meu amigo Dom Pedro essa biografia lançada ano passado aqui no Brasil - e já não é o primeiro
livro sobre os Ramones que eu ganho e faço a resenha aqui no blog esse ano.
Em todos esses anos, busquei e tive acesso a bastante material sobre a banda. O primeiro foi uma revista lançada na década de 1990, especial sobre os Ramones, contando sua história, curiosidades, letras de algumas músicas (naquela época não havia internet para se ter acesso a esse tipo de coisa tão comum hoje, e era uma penúria entender o sotaque nova-iorquino anasalado de Joey quando não vinha a letra no encarte). A revista sumiu, alguém surrupiou, mas desde então foram livros, filmes, sites, tudo o que eu pudesse encontrar sobre eles todos esses anos. De todo esse material, nunca tinha encontrado algo tão produtivo, esclarecedor e divertido como Hey Ho Let's Go: a História dos Ramones.
O livro não pode ser considerado a "biografia definitiva" da banda - afinal, quem define uma biografia assim está mentindo ou se iludindo -, mas o motivo para isso é o mesmo que justifica minha opinião positiva sobre ele: Hey Ho Let's Go foi escrito por um cara muito fã dos Ramones, e passa longe da isenção ou imparcialidade. E isso tornou a leitura muito prazerosa para mim. Apesar de diferenças em relação a gostos e preferências por essa ou aquela música ou álbum, os fãs geralmente concordam em determinados pontos, e nesse sentido ler esse livro foi como conversar com um amigo que gosta da mesma coisa que eu (aliás, pessoalmente não conheço ninguém que goste tanto dos Ramones como eu com quem eu possa conversar...). E não são opiniões sempre entusiásticas de uma fanzoca bitolada. Everett True muitas vezes critica asperamente seus ídolos por posições ou trabalhos abaixo do esperado, ainda mais pelo fato de ter acompanhado tudo na própria época dos ocorridos. É aquele fã que vibra com determinado fato e se decepciona com outro, mas não deixa de amar a banda - como acontece em toda relação humana de amor. Essa é uma perspectiva bem legal para um livro que trata de uma paixão compartilhada por milhões ao redor do mundo.
Hey Ho Let's Go é o tipo de biografia musical que prende minha atenção. Além de apresentar a vida e a personalidade de cada pessoa envolvida, trata especificamente sobre cada álbum lançado, analisa cada música contida nele, contando a história por trás da letra e às vezes até a técnica seguida em determinada gravação. Além disso, são abordados shows, clipes e participações em filmes. São informações relevantes sobre passagens às vezes obscuras, como por exemplo o caso de Richie Ramone, um baterista que fez parte da banda durante quatro anos, três álbuns, centenas de shows, alguns clipes e inclusive tem créditos em composições, mas é tão ignorado por todos os que tem alguma relação com a banda que parece que não existiu, ou pelo menos que, por algum motivo ignorado até hoje, ninguém quer que pareça que existiu. Bem como um tal Elvis Ramone, baterista convocado para substituí-lo que durou apenas dois shows, por não se encaixar na sonoridade característica da banda, e logo deu lugar para a volta do antigo baterista Marc Ramone. Até o fã mais fissurado pode encontrar informações antes desconhecidas que chegam ao público através de entrevistas inéditas para o livro.
O autor consegue impor um ritmo legal ao livro. Paralelamente à narrativa cronológica, são inseridos alguns capítulos temáticos como Na Estrada (várias partes), contando casos das muitas turnês que a banda fez; ou Em Busca do Sucesso, que procura resposta para o fato de os Ramones terem procurado ou não ser uma banda famosa, nas palavras de pessoas próximas e deles mesmos. Há também alguns capítulos nos quais as pessoas apontam seus álbuns ou músicas favoritas dos Ramones, o que abre a conversa entre vários fãs além do leitor e o autor. Além disso, a narrativa é cortada dentro dos próprios capítulos com declarações e trechos de entrevistas que não fazem parte daquilo que está sendo tratado ali no momento, mas se encaixa no contexto. O conjunto de tudo isso torna a leitura bem fluida e gostosa. Daquelas que você diz pra si mesmo "só mais um capítulo" antes de tomar coragem para ir lavar a roupa que se acumula no canto do quarto.
Quando se fala de Ramones, tem que se ter em mente que a banda sempre funcionou em meio a brigas, disputas, rivalidades, durante seus 22 anos foi assim. Os relatos de quem acompanhou seus primeiros shows no CBGB, em Nova York, apontavam quatro moleques maltrapilhos discutindo durante os vinte e pouco minutos que ficavam no palco, sobre qual música tocar, quem errou em qual parte, esse tipo de coisa. A situação se tornava pior a cada ano de convívio, e um fato se tornou um ícone ilustrativo disso no início dos anos 80: Johnny roubou a namorada de Joey, e os dois nunca mais se falaram, mesmo se aturando até o fim da banda. Mais ou menos como os Beatles, cada membro tinha uma personalidade bem peculiar, coisa que eu já falei um pouco na resenha da autobiografia do Johnny Ramone. E como acontece no caso do Beatles, os fãs se veem obrigados a escolher lados, ter seu Ramone preferido. Everett True, escrevendo pela paixão, deixa bem claro sua preferência, principalmente por Joey, e sua antipatia por Johnny - pelas mesmas razões que apontei na resenha anterior. Tanto que, em um dos apêndices, escrito após a primeira edição do livro, ele admite ter recebido a seguinte chamada de um colaborador: "Você subestimou totalmente o papel dele na banda... Ele foi o maior guitarrista de punk rock que já viveu. Ele foi Johnny Ramone. Você deve tentar e finalmente encontrá-lo: ele está muito doente. É possível que não sobreviva." Acabou que ele não teve tempo de entrevistá-lo, Johnny morreu pouco tempo depois. Mas isso demonstra claramente essa preferência do autor, o que pra mim não é um defeito, só mais um mérito desse livro - até porque essa preferência é a mesma que a minha... Quem sabe o que eu teria achado se fosse o contrário?
Os Ramones terminam como banda em 1996, dignamente, sem se prolongar eternamente como velhinhos safados atrás de uma graninha como muitos fazem por aí, completando meio século ou mais de travessuras no mundo do rock. Contudo, a história dos Ramones continua sendo escrita por seus membros, na medida em que sobreviviam mais alguns anos após duas décadas num estilo de vida perigoso - o que você não tem muita chance de sobreviver se não for o Keith Richards. Cinco anos depois, os fãs já ficariam órfãos de Joey, vitima de câncer, seguido nos anos posteriores por Dee Dee e Johnny, o que rendeu alguns apêndices nas edições seguintes do livro nos Estados Unidos e já vieram incluídos aqui para o Brasil. Esse ano perdemos Tommy, o último dos Ramones originais que ainda sobrevivia. Pode ser que nas próximas edições venha mais um complemento aí. Mas a história permanece viva nos membros secundários que sobrevivem, mas principalmente nos milhões de fãs pelo mundo que participaram de cada show, que ouviram compulsivamente cada disco, que contaram com a ajuda das letras e canções rápidas e toscas para conseguir suportar a realidade na qual nunca conseguiram se colocar. Fãs como eu. E Hey Ho Let's Go está aí para manter a história e a paixão.
Editora: Madras
Páginas:480
Disponibilidade: normal
Avaliação: * * * * *
E ATENÇÃO: ISSO NÃO É UMA MARCA DE ROUPA OU UM MEME DE INTERNET PARA VOCÊ SAIR POR AÍ OSTENTANDO NA CAMISA SEM NEM TER IDEIA DO QUE SIGNIFICA!
A modinha está irritante e já passou da conta. Como disse uma vez o ex-empresário da banda Danny Fields, "Eles venderam mais camisas do que álbuns, e provavelmente mais camisas do que ingressos".